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Relatório revela gravidade da crise de saúde na Venezuela

Publicado em 04/04/2019 12:00 -

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A ONG Human Rights Watch (HRW) pediu em relatório divulgado no último dia 4 que o secretário-geral da ONU, António Guterres, seja mais enfático ao expressar a necessidade de que organismos e países estrangeiros entrem na Venezuela levando medicamentos e comida.

Segundo o relatório, a Venezuela sofre hoje de uma “emergência humanitária complexa”, um termo usado pela própria ONU e que “dá a Guterres autoridade para negociar a entrada no país por se tratar de uma urgência”.

O estudo foi elaborado com dificuldades, já que o governo venezuelano não fornece estatísticas confiáveis há alguns anos. 

Os dados recolhidos pela HRW, em parceria com pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, dos EUA, valeram-se de 150 entrevistas, a maioria com profissionais da área de saúde que deixaram o país, além de médicos que, sob anonimato, mandaram de Caracas e outras cidades dados sobre desnutrição, mortalidade materna e infantil, epidemias e outros problemas.

O texto afirma que as autoridades venezuelanas vêm se mostrando incapazes de conter a crise e até mesmo “a exacerbaram por meio de esforços para suprimir informações sobre a escala e a urgência dos problemas”.

Tamara Taraciuk Broner, pesquisadora da HRW, disse que o relatório não trata a questão de forma política. “Não faz diferença nesse caso quem seja a autoridade no comando, a emergência humanitária é um problema grave que tem de ser atacado agora”.

O relatório documenta o aumento do número de mortes maternas e infantis, a disseminação de doenças que poderiam ser contidas com vacinas, como o sarampo, e o aumento dos casos de malária e tuberculose. Também chama a atenção para os altos níveis de níveis de insegurança alimentar entre adultos e para a desnutrição infantil.

“Não importa o quanto tentem, as autoridades venezuelanas não podem esconder a realidade”, disse Shannon Doocy, professora de saúde internacional da Johns Hopkins. “O sistema de saúde da Venezuela está em colapso, o que, com a escassez de alimentos, está aumentando o sofrimento e colocando ainda mais venezuelanos em risco.”

Segundo estimativas, 7 milhões de pessoas enfrentam necessidade imediata de atenção médica e alimentar.

Entre as medidas que a HRW pede que sejam tomadas pelo secretário-geral, estão pressionar mais as autoridades venezuelanas para que concedam ao pessoal da ONU acesso total a estatísticas “oficiais sobre doenças, epidemiologia, segurança alimentar e nutrição”.

Alguns dados coletados mostram o agravamento de certos problemas. Por exemplo, entre 2008 e 2015, havia sido registrado oficialmente apenas um caso de sarampo. De junho de 2017 para cá, já se acumulam mais de 9.300 casos.

Algo parecido ocorre com a difteria: entre 2006 e 2015, havia apenas um caso reportado. De julho de 2016 para cá, são mais de 1.500 ocorrências. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os casos de malária subiram de 36 mil em 2009 para 414 mil em 2017.

Dados do Ministério da Saúde da Venezuela indicam que a mortalidade materna aumentou 65%, e a infantil, 30% em relação a 2015.

O documento da HRW também aponta que a diáspora venezuelana, com seus mais de 3,4 milhões de refugiados, vem sobrecarregando sistemas de saúde de outros países nos últimos anos. Os que mais têm sofrido esse impacto são a Colômbia e, depois, o Brasil.

No caso da Colômbia, a área do Norte de Santander (onde fica a cidade fronteiriça de Cúcuta) teve uma forte alta no número de venezuelanos buscando tratamento para doenças infecciosas e partos. Em 2015, eram apenas 182, contra 5.094 no ano passado. 

Segundo o governo colombiano, mais de 8 mil mulheres entraram no país para dar à luz. Como várias das que chegam não tiveram acompanhamento pré-natal, há muitas mortes e crianças nascidas com complicações.

​​No caso do Brasil, o estudo aponta para um aumento dos casos de sarampo na região da fronteira. A HRW chama a atenção para Roraima, onde o número de venezuelanos com malária mais que triplicou entre 2015 e 2018 —foi de 1.260 para 4.402.

Segundo médicos da região ouvidos pela ONG, “os venezuelanos já chegam muito doentes, e é mais difícil tratá-los devido à má nutrição”.

O relatório pede que a ONU acione “o alarme e comece a supervisionar um plano de assistência em grande escala para a Venezuela, que seja neutro, independente e imparcial”, diz o médico Paul Spiegel, diretor do Centro de Saúde Humanitária Johns Hopkins.

Trabalhadores do sistema de saúde venezuelano que cruzaram as fronteiras dizem que as ajudas que já chegaram à Venezuela não são suficientes e que as autoridades do país colocam obstáculos para que elas cheguem a quem realmente precisa.

Um estudo de três universidades venezuelanas independentes do governo reporta que 80% das casas do país não possuem segurança alimentar, ou seja, não contam com a comida necessária para a sobrevivência da família. Em média, os venezuelanos emagreceram 11 kg desde 2017

“As autoridades venezuelanas publicamente minimizam e suprimem informações sobre a crise, além de hostilizar os que coletam dados sobre a situação”, diz José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas da HRW.

Paralelamente à questão humanitária, vêm aumentando no país o assédio, as detenções e deportações de jornalistas na Venezuela. Apenas neste ano, foram 39 casos. Em 2018, 22.

Um deles foi o jornalista Cody Weddle, detido e deportado em 11 de março, depois de estar vivendo havia quatro anos no país. Foi torturado e acusado de ser um espião da CIA.

Muitas detenções duram apenas um dia, outras resultam em deportações ou alertas. Um dos jornalistas mais famosos da imprensa hispano-americana, o mexicano Jorge Ramos, foi deportado com toda sua equipe em fevereiro. Até agora, nenhuma das câmaras e outros aparelhos que foram confiscados foram devolvidos.


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