18/05/2024 - Edição 540

Mundo

Número de refugiados bate recorde, e asilo de latino-americanos explode

UE lança estratégia para fortalecer laços com a região

Publicado em 19/06/2023 1:29 - Jamil Chade (UOL), Ella Joyner (DW) – Edição Semana On

Divulgação Jamil Chade

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O mundo tem 110 milhões de pessoas deslocadas internamente ou refugiadas, um número considerado recorde pela ONU. Os dados foram divulgados no último dia 14 e apontam ainda para o salto significativo no volume de latino-americanos pedindo asilo fora de seus países.

Os venezuelanos lideram o ranking de solicitações de asilo no mundo, com cubanos e nicaraguenses entre as primeiras posições.

No geral, o fluxo internacional de deslocados foi puxado principalmente pela guerra na Ucrânia, pela crise no Sudão e por uma revisão de quantos refugiados afegãos de fato existem espalhados pelo mundo. Além disso, crises climáticas e violência têm contribuído de forma importante para a explosão na quantidade de vítimas.

Para a ONU, trata-se de uma emergência sem precedentes e que precisa ser lidada de forma imediata. Em apenas um ano, o exército de refugiados e deslocados internos aumentou em 19 milhões de pessoas.

Na avaliação da entidade, tudo indica que esses números vão continuar subindo em 2023, diante do agravamento da crise no Sudão e do impacto da guerra na Ucrânia.

“Esses números nos mostram que algumas pessoas são rápidas demais para correr para o conflito e lentas demais para encontrar soluções. A consequência é a devastação, o deslocamento e a angústia para cada um dos milhões de pessoas que foram arrancadas à força de suas casas”, diz Filippo Grandi, alto comissário da ONU para Refugiados.

Do total global, 35,3 milhões são refugiados, pessoas que cruzaram uma fronteira internacional em busca de segurança. 62,5 milhões de pessoas foram deslocadas internamente em seus países de origem devido a conflitos e violência.

Ucrânia

A guerra na Ucrânia foi a principal causa de deslocamento em 2022. O número de refugiados da Ucrânia aumentou de 27.300 no final de 2021 para 5,7 milhões no final de 2022. Segundo a ONU, trata-se do “maior fluxo de refugiados em qualquer lugar desde a Segunda Guerra Mundial”.

Outro fator que pesou foi a revisão para cima das estimativas do número de refugiados do Afeganistão, principalmente no Irã.

Da mesma forma, o relatório refletiu as revisões para cima feitas pela Colômbia e pelo Peru do número de venezuelanos.

De cada 5 pedidos de asilo no mundo, 2 são latino-americanos

Segundo o levantamento, um dos dados que mais chama a atenção é o salto significativo de latino-americanos que buscaram asilo em outros países. Entre as dez maiores nacionalidades, seis estão na região.

No final de 2022, 800.600 refugiados e 5,2 milhões de outras pessoas com necessidade de proteção internacional residiam em países da região das Américas, a maioria dos quais era venezuelana.

O total de 6 milhões reflete um aumento de 17% em relação ao final de 2021, em grande parte devido à atualização das estimativas do número de outras pessoas que precisam de proteção internacional na Colômbia, que aumentou em 611.500, e no Peru, que aumentou em 178.400.

A Colômbia (2,5 milhões), o Peru (976.400) e o Equador (555.400) abrigaram as maiores populações de refugiados e outras pessoas que precisam de proteção internacional.

Venezuela, Cuba, Nicarágua e Haiti

Segundo a ONU, dos 2,6 milhões de novas solicitações individuais de asilo no mundo até o final de 2022, 56%, ou 1,4 milhão de solicitantes de asilo, eram originários de apenas 10 países.

Nas Américas, o número de venezuelanos que solicitaram asilo durante o ano totalizou 264 mil, quase três vezes mais do que no ano anterior, quando o número foi de 92.400. O número ainda foi o maior no mundo, em 2022.

No caso de Cuba, o número passou de cerca de 30 mil pedidos de asilo em 2021 para 194 mil em 2022.

Na Nicarágua, o salto é de 110 mil em 2021 para 165 mil em 2022, o quarto maior número do mundo.

Na lista das dez maiores nacionalidades a solicitar asilo ainda estão Colômbia, Honduras e Haiti. De cada cinco pedidos de asilo no mundo, dois foram de latino-americanos.

Embora as novas solicitações de asilo desses países tenham sido registradas principalmente em outros países da região, com o maior número apresentado nos Estados Unidos da América, Costa Rica e México, um número significativo de solicitações de asilo ocorreu na Espanha.

Países pobres são os que mais recebem refugiados

A ONU ainda destacou como os números também confirmaram que são os países de baixa e média renda do mundo, e não as economias ricas, que que hospedam a maioria das pessoas deslocadas.

Os 46 países menos desenvolvidos respondem por menos de 1,3% do PIB global, mas abrigam mais de 20% de todos os refugiados.

No total, os emergentes abrigam mais de 76% de todos os refugiados do mundo.

UE lança estratégia para fortalecer laços com América Latina

A Comissão Europeia apresentou uma estratégia comercial para renovar os laços com a América Latina – uma região que foi marginalizada pelo bloco nos últimos anos. O documento foi divulgado nas vésperas do encontro entre os líderes da União Europeia (UE) e da América Latina e Caribe, previsto para julho. Essa a primeira reunião do tipo desde 2015.

O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, afirmou que, embora a UE e os 33 países da América Latina e Caribe tenham “uma história comum e valores compartilhados, essa parceria foi subestimada ou, até mesmo, negligenciada”. Ele destacou que as relações comerciais permanecem fortes, mas a cooperação política ficou pelo caminho.

“A América Latina tem seus próprios problemas de fragmentação política”, disse Borrell, apontando para a crise na Venezuela e a “deriva autoritária” na Nicarágua. Segundo o alto representante da UE para a política externa, a União Europeia estava preocupada com migração e Brexit, mas a ascensão da China e a invasão da Ucrânia pela Rússia reajustaram o foco do bloco para a América Latina.

Falando em condição de anonimato antes da divulgação da estratégia, um alto funcionário da UE descreveu a América Latina como “um antigo namorado que você toma como algo certo, mas quando as coisas ficam difíceis, você percebe o quanto essa pessoa é importante”.

Reuniões regulares e acordo comercial

Para ajudar a reascender a chama, o executivo da UE propõe reuniões regulares entre chefes de Estado e governo, além de um “mecanismo de coordenação permanente” entre a União Europeia e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Mas uma das prioridades é a conclusão do acordo comercial entre o bloco europeu e o Mercosul, composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

“A conclusão do acordo entre a UE e o Mercosul é uma prioridade para a União Europeia, pois ele uniria as duas regiões em uma parceria vantajosa para ambas as partes, que criaria oportunidades para um maior crescimento, apoiaria empregos e impulsionaria o desenvolvimento sustentável”, afirma a Comissão Europeia numa proposta enviada aos países membros e ao Parlamento Europeu.

Depois de mais de 20 anos, as negociações para o acordo foram concluídas em 2019, mas o texto ainda não foi ratificado devido a preocupações ambientais. Com a explosão do desmatamento na Amazônia, durante o governo de Jair Bolsonaro, a União Europeia efetivamente ficou de braços cruzados. Mas a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado, que também está ansioso para finalizar o acordo, reacendeu as esperanças de que o pacto pudesse ser levado adiante.

O acordo, provavelmente, levaria a um grande aumento das importações de carne bovina da América do Sul para a Europa – o que enfrenta resistência de agricultores franceses e irlandeses, além de grupos ambientais como o Greenpeace. Os países do Mercosul também têm algumas preocupações sobre o pacto.

Com a Espanha, antiga potência colonial em grande parte da América Latina, assumindo a presidência rotativa da UE em julho, os defensores do acordo esperam que a finalização ganhe força. Madri mantém laços estreitos com a região.

Em sua estratégia, a Comissão Europeia também destacou a necessidade de finalizar um acordo com o Chile, México e fazer com que os países membros do bloco ratifiquem os pactos assinados com Colômbia, Peru e Equador.

O impasse sobre a guerra na Ucrânia

Diplomatas europeus expressaram preocupação sobre o que eles consideram um apoio enfadonho à Ucrânia em sua batalha contra a invasora Rússia. Lula irritou a União Europeia com comentários recentes, insinuando que a Rússia e a Ucrânia dividem a responsabilidade pela continuação da guerra porque nenhum dos dois países teria buscado negociar a paz.

Borrell tentou minimizar essas preocupações nesta quarta-feira. “Nesse caso específico da Ucrânia, houve posições sobre as quais discordámos, que foram objeto de qualificação posterior, mas creio que refletem a vontade de contribuir para a procura da paz”.

O alto representante da UE ressaltou a votação histórica dos governos latino-americanos nas Nações Unidas, onde houve uma forte condenação à invasão russa. Sobre o Brasil, Borrell disse que o país “deixou muito claro a rejeição da invasão da Ucrânia”, manifestada por voto na ONU.

Desigualdade deixada de lado

Na avaliação de Hernan Saenz Cortes, da ONG Oxfam, o foco da União Europeia apenas no comércio coloca em risco a abordagem da crescente desigualdade na região. “Nos últimos três anos, o 1% mais rico acumulou 21% da riqueza criada, enquanto 60%, ou seja, seis em cada dez latino-americanos, estão em situação de vulnerabilidade, que atinge principalmente mulheres e a população indígena e negra”.

De acordo com Cortes, em vez de apenas tentar competir com a crescente presença na China em áreas-chave de investimento como lítio, do qual a região produz 60% da oferta global, a União Europeia deveria se questionar em como oferecer algo diferente. As possibilidades para isso incluem o apoio à sociedade civil ou suporte a políticas de dívidas progressivas em fóruns multinacionais, exemplifica o especialista.

“Se a UE realmente deseja aprofundar as relações com a América Latina, o bloco deve colocar as desigualdades no centro dessa agenda”, ressalta Cortes.


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