18/05/2024 - Edição 540

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Na Cisjordânia, aumenta violência de colonos israelenses contra palestinos

Ativistas dos direitos humanos registram mais episódios de deslocamento forçado e violência por parte de israelenses assentados na região: em Gaza, 70% da população não terá água potável até final do dia, diz ONU

Publicado em 15/11/2023 11:20 - Tania Krämer (DW), DW, Jamil Chade (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Foto: BASHAR TALEB / AFP

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As últimas semanas foram extremamente difíceis, diz Halima Khalil Abu Eid. Mãe de duas meninas, ela vive em Khirbet Susiya, um vilarejo no sul das colinas de Hebron, na Cisjordânia sob ocupação israelense. Há um mês, enquanto a família dormia, colonos israelenses invadiram a casa, bateram no marido dela e os ameaçaram com um ultimato. “Vocês têm que sair daqui. Se não saírem, vamos atirar em vocês. E vocês têm que destruir sua casa”, relata Abu Eid, repetindo as palavras que ouviu naquela noite.

Desde a eclosão do atual conflito entre Israel e Hamas, relata a mulher, colonos israelenses têm aumentado a pressão sobre os moradores de Khirbet Susiya. “Eles estão revistando, destruindo e nos aterrorizando. Da última vez, também atacaram meu marido e o cunhado dele.” Uma das filhas está vomitando de tanto medo, diz.

Khirbet Susiya testemunhou anos de ameaças por parte de colonos que vivem em assentamentos e fazendas próximas dali. Mas desde 7 de outubro, a Cisjordânia assistiu a um aumento “significativo” de episódios de deslocamento forçado e violência contra palestinos por parte de colonos, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (ENUCAH).

Em 7 de outubro, membros do Hamas – um grupo radical islâmico considerado uma organização terrorista por União Europeia e Estados Unidos – invadiram território israelense, matando ao menos 1.200 pessoas que viviam em comunidades próximas à Faixa de Gaza, no sul de Israel – a maioria civis –, e sequestrando outras 240, que continuam em cativeiro.

Israel reagiu com intensos bombardeios a alvos em Gaza e, mais tarde, com o envio de tropas por terra, como parte de sua campanha militar que visa derrotar o Hamas. Enquanto isso, continua a ser alvo de foguetes vindos de Gaza, mas também do Líbano e da Síria.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, território controlado pelo Hamas, a ação israelense no enclave sitiado resultou na morte de mais de 11 mil palestinos.

A agricultora Halima Abu Eid, palestina que vive em Khirbit Susiya e que relata estar sendo intimidada por colonos a sair da região: “Para onde mais podemos ir?”
Foto: Tania Kraemer/DW

Violência na Cisjordânia

O conflito Israel-Hamas também afeta palestinos que vivem na Cisjordânia ocupada. Segundo o ENUCAH, 168 palestinos foram mortos por forças israelenses no território, e outros oito, por colonos israelenses. No lado israelense, três cidadãos foram mortos em ataques perpetrados por palestinos.

Outras 1.149 pessoas de 15 comunidades rurais e beduínas foram deslocadas pelo conflito, obrigadas a fazer as malas ou a demolir as próprias casas e currais, ainda de acordo com as Nações Unidas. Alguns sequer puderam levar seus pertences consigo.

Assim como aconteceu em Khirbet Susiya, grupos de direitos humanos documentaram alguns incidentes nos quais colonos armados invadiram vilarejos palestinos e ameaçaram os moradores se eles não saíssem.

Khirbet Susiya é uma pequena comunidade de famílias palestinas espalhadas pela paisagem montanhosa. A maioria são agricultores e vivem do plantio e da criação de ovelhas. A casa simples de Abud Eid, suas lonas e currais pareciam quase pacíficos no dia em que a DW esteve lá; um gato cochilava sob o sol do meio-dia enquanto as galinhas ciscavam à vontade. Mas a ameaça de violência paira sobre tudo, como uma nuvem carregada. E afeta a existência das pessoas.

“Para onde deveríamos ir? O que eles querem de nós? Querem pegar nossas casas, sabemos disso por causa do passado. Para onde mais podemos ir? Esta é a nossa casa, este é o nosso lar, não podemos deixá-lo”, lamenta Abu Eid.

O ativista de direitos humanos Nasser Nawaj’ah vive em Khirbet Susyia e milita na ONG israelense B’Tselem
Foto: Tania Kraemer/DW

Danos à infraestrutura e ameaças

Os moradores de Khirbet Susiya agora têm que escalar barreiras de terra que bloqueiam entradas e passagens do vilarejo.

“Foi em 16 de outubro que colonos uniformizados e soldados vieram aqui, com um trator blindado, conduzido por um colono que nós conhecemos. Bloquearam todas as vias de acesso a Susiya, e também danificaram duas cisternas de água”, relata Nasser Nawaj’ah, pesquisador do grupo de direitos humanos israelense B’Tselem e morador do vilarejo. Ele elenca ainda outra cisterna danificada e canos de água serrados.

Alguns moradores agora dependem da presença de ativistas israelenses, que vigiam o local por 24 horas. Mas até mesmo esses ativistas foram atacados em diversos locais e assediados por colonos, alguns deles em uniforme militar.

Yehuda Shaul é um ativista israelense que atualmente tem passado boa parte do seu tempo no sul das colinas de Hebron para ajudar os palestinos. Ele é cofundador da ONG israelense Breaking the Silence (Rompendo o Silêncio) e agora atua por outra organização, a Ofek.

“Durante anos os militares não agiram para proteger os palestinos, mas desde o 7 de outubro, quando a guerra começou, temos uma realidade onde as equipes de resposta rápida dos assentamentos – os colonos daqui – foram recrutadas como reservistas, e agora estão uniformizadas, armadas e totalmente equipadas, com a autoridade de soldados”, explica Shaul. “Os palestinos, basicamente, não têm mais nada para protegê-los.”

As Forças de Defesa de Israel (IDF) afirmaram que têm como missão “manter a segurança de todos os moradores da área”, bem como “agir para prevenir terrorismo e atividades que ponham os cidadãos do Estado de Israel em perigo”. “Em caso de violações da lei por israelenses, o principal órgão responsável por dar andamento a essas denúncias é a polícia israelense.”

A instituição diz ainda que soldados na região têm se deparado com episódios de violência contra palestinos ou suas propriedades. “Nesses casos, pedimos a esses soldados que ajam para fazer cessar a violação e, se necessário, reter ou deter os suspeitos até a chegada da polícia. […] Nas situações em que soldados deixam de cumprir as ordens das IDF, os incidentes são cuidadosamente revisados, e ações disciplinares são implementadas.”

Ataques a palestinos na Cisjordânia ocupada

Foram registrados mais de 240 ataques de colonos israelenses a palestinos na Cisjordânia desde 7 de outubro, segundo o ENUCAH. O órgão das Nações Unidas fala em aumento significativo, com uma média atual de sete casos por dia, quatro a mais do que o registrado antes do atual conflito.

Esses ataques resultaram no deslocamento e remoção de comunidades inteiras, a maioria na “Área C”, que corresponde a cerca de 60% da Cisjordânia ocupada. A “Área C” foi criada em 1995, na esteira dos Acordos de Oslo, com o intento de ser gradualmente transferida ao controle palestino, mas continua sob controle militar e administrativo israelense.

A violência na região preocupa líderes internacionais. “Isso tem que parar. Eles precisam ser responsabilizados. Tem que parar agora”, afirmou o presidente americano, Joe Biden. Em visita recente, a ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, advertiu que a Cisjordânia “não deve ser arrastada para esse redemoinho de violência”.

Para o ativista israelense Shaul, a comunidade internacional precisa agir urgentemente para alcançar uma solução política para a situação.”Você não vai conseguir criar um Estado palestino a partir de 165 enclaves desconectados um do outro por assentamentos e uma ‘Área C’ dominada por colonos”, afirma. “Não há dois Estados [um palestino e outro judeu] sem a ‘Área C’ para os palestinos.”

Para alguns palestinos, a ajuda chegou tarde demais. Salah Abu Awad é um pastor de uma outra comunidade próxima dali. Ele foi forçado a deixar sua casa e propriedade no dia 15 de outubro, após ataques constantes de colonos e ameaças contra o povo do vilarejo. “Eles vinham toda sexta e sábado, destruindo coisas, ameaçando a gente. Eu cansei, eu saí.”

Abu Awad já se mudou diversas vezes por causa de intimidação e assédio. Agora, onde ele está, não há pasto para suas ovelhas ou cabras, e ele não sabe mais o que fazer. “Sou pastor. Sem minhas ovelhas, não sou nada. O que é que vou fazer?”, questiona o jovem. “Ninguém se importa conosco.”

Militares de Israel invadem maior hospital de Gaza

As Forças de Defesa de Israel (IDF) entraram no hospital Al-Shifa, o maior da Faixa de Gaza, e estão realizando operações no local nesta quarta-feira (15/11).

Segundo as IDF, estão sendo executadas “operações precisas e direcionadas contra o Hamas numa área específica do hospital Al-Shifa, com base em informações dos serviços secretos”.

Antes de entrar no hospital, as tropas se depararam com “explosivos e grupos de terroristas, e começou um confronto em que terroristas foram mortos”, afirmou o porta-voz militar Daniel Hagari, acrescentando que quatro membros do Hamas foram abatidos do lado de fora do complexo médico. Segundo Hagari não houve incidentes com funcionários do hospital

Hagari acrescentou ainda que os soldados israelenses levaram ao hospital Al-Shifa incubadoras e comida para bebês. A direção do hospital afirma que há mais de 30 bebês prematuros no local.

Youssef Abu Rish, um funcionário do governo do Hamas, afirmou que tanques e soldados estão dentro do setor de emergência do hospital.

Um jornalista da agência de notícias AFP relatou que soldados israelenses estão interrogando pessoas dentro do hospital, incluindo médicos e pacientes. O governo do Hamas afirmou que o local abriga 9 mil pessoas.

O chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS) disse na quarta-feira que a agência da ONU perdeu contato com o pessoal do Al-Shifa, em Gaza.

“Relatos de incursão militar no hospital al-Shifa são profundamente preocupantes”, escreveu o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, nas redes sociais, relata a Reuters.

“Perdemos contato novamente com o pessoal de saúde do hospital. Estamos extremamente preocupados com a segurança deles e de seus pacientes.”

Base militar no subsolo do hospital?

De acordo com Israel, o hospital serve como base militar do Hamas. Os funcionários do hospital e o Hamas negam essa acusação.

Os Estados Unidos afirmaram também ter informações de que o Hamas e outras milícias palestinas estão usando hospitais da Faixa de Gaza e túneis no subsolo deles para se esconder, apoiar operações militares e manter reféns.

Um desses hospitais é justamente o Al-Shifa, segundo o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, que sublinhou que os Estados Unidos não apoiam ataques a estabelecimentos de saúde.

Questionado sobre provas para sustentar a afirmação de que os hospitais de Gaza estão sendo usados como esconderijo por terroristas, Kirby respondeu que elas “provêm de várias fontes de informação”, sem dar mais detalhes.

OMS: incursão em hospital é inaceitável

Numa coletiva de imprensa nesta quarta-feira (15), o chefe da OMS, Tedros Ghebreyesus, afirmou que há três dias já não recebe atualizações de mortes e feridos em Gaza, o que torna difícil avaliar a situação.

“Apenas um quarto dos hospitais funciona. Dos 36 locais que existiam em Gaza, 26 estão fechados”, disse. Segundo ele, muitos pacientes não conseguem entrar ou sair de vários dos hospitais.

“Antes da guerra, 3,5 mil leitos existiam nos hospitais de Gaza. Hoje, são apenas 1,4 mil. “E existem muitos mais pacientes que leitos”, disse Tedros.

Segundo ele, médicos estão tendo de “tomar decisões impossíveis sobre quem viva e quem morre”.

Para o chefe da OMS, a incursão de Israel no hospital de Al Shifa é “totalmente inaceitável”. “Os hospitais não são campos de batalha”, disse Tedros, que teme pelos pacientes e funcionários.”Perdemos contatos com os funcionários do hospital”, admitiu.

Israel alega que o Hamas usa o local como base. Mas, para Tedros, isso não é uma justificativa para que Israel ataque de forma indiscriminada o local. A resposta precisa ocorrer com proporcionalidade e os sistemas de saúde e pacientes precisam ter sua integridade preservada.

Rik Peeperkorn, representante da OMS para os territórios palestinos, relatou que a entidade foi informada que 82 pacientes que não sobreviveram foram enterrados em fossas comuns. 80 corpos ainda estão por ser enterrados.

70% dos palestinos não terão água potável até final do dia, diz ONU

Num apelo desesperado, as agências humanitárias da ONU alertam que a situação na Faixa de Gaza é de “carnificina” e que, até o final do dia, 70% dos 2,2 milhões de habitantes da região não terão mais acesso à água potável.

O alerta foi emitido nesta manhã pela Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA). Israel não permite a entrada de combustível para Gaza, sob a alegação de que poderia servir para abastecer o Hamas. Por isso, as autoridades de Israel têm feito apenas concessões limitadas.

“A UNRWA recebeu hoje pouco mais de 23.000 litros de combustível para a Faixa de Gaza sitiada. As autoridades israelenses restringiram o uso desse combustível apenas para transportar a pequena ajuda vinda do Egito”, disse a entidade.

“Esse combustível não pode ser usado para a resposta humanitária geral, inclusive para instalações médicas e de água ou para o trabalho da UNRWA”, alertaram.

“É terrível que o combustível continue a ser usado como arma de guerra. Nas últimas cinco semanas, a UNRWA tem implorado para conseguir combustível para apoiar a operação humanitária em Gaza. Isso paralisa seriamente nosso trabalho e a prestação de assistência às comunidades palestinas em Gaza”, explica a entidade.

Segundo a agência,”até o final do dia de hoje, cerca de 70% das pessoas em Gaza não terão água limpa”.

” Os principais serviços, incluindo usinas de dessalinização de água, tratamento de esgoto e hospitais, deixaram de funcionar”, completou.

Na avaliação da entidade, ter combustível apenas para caminhões não salvará mais vidas. “Esperar mais tempo custará vidas”, disse. “É necessário muito mais combustível. Precisamos de 160.000 litros de combustível todos os dias para operações humanitárias básicas”, explica a agência.

“Peço às autoridades israelenses que autorizem imediatamente a entrega da quantidade necessária de combustível, conforme exigido pelo direito humanitário internacional”, completou a ONU.

ONU fala em carnificina

Numa outra declaração, o chefe da Operação Humanitária da ONU, Martin Griffiths, descreveu a situação dos palestinos de “carnificina que atinge novos níveis de horror a cada dia. “O mundo continua a assistir, em estado de choque, a hospitais sendo atacados, bebês prematuros morrendo e uma população inteira sendo privada dos meios básicos de sobrevivência”, alertou.

“Não se pode permitir que isso continue”, insistiu. “As partes em conflito devem respeitar a lei humanitária internacional, concordar com um cessar-fogo humanitário e interromper os combates”, completou.


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