18/05/2024 - Edição 540

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Lula tenta conter Maduro com ‘morde e assopra’ na crise com a Guiana

Sempre que dá uma de cachorro louco, Maduro embaraça o Brasil

Publicado em 05/12/2023 1:13 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL)

Divulgação Vitor Abdala - Abr

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O Brasil vem aplicando a política do “morde e assopra” diante da Venezuela, segundo fontes do Palácio do Planalto e do Ministério das Relações Exteriores ouvidas pela coluna. Isso explica uma declaração diplomaticamente dura dada por Lula, neste domingo (3), sobre o referendo realizado pelo governo de Nicolás Maduro sobre a anexação de mais de 70% do território da Guiana.

“Obviamente, o referendo vai dar o que o Maduro quer. Porque é um chamamento ao povo para aumentar aquilo que entende que seja o território dele”, afirmou a jornalista, em Dubai, durante a COP28, a cúpula da ONU sobre o clima. Ou seja, o governo venezuelano convocou uma votação não para consultar a população, mas para fortalecer a sua posição pró-anexação e, claro, sua própria imagem.

Dos mais de 20 milhões de eleitores registrados no país, mais de 10,5 milhões compareceram às urnas neste domingo para se manifestar sobre cinco perguntas postas pelo governo sobre anexação da região do Essequibo. A posição de Maduro venceu com 96% de apoio. Diplomatas apontam que as perguntas formuladas induziam a respostas.

A província é reivindicada pela Venezuela desde o século 19, mas não estava na órbita dos governos bolivarianos até a Guiana começar a explorar grandes jazidas de petróleo no mar e a conceder à iniciativa privada a prospecção.

Membros do governo Lula afirmaram que o Brasil ficou quase seis anos sem acompanhar de perto a política interna na Venezuela, tendo até retirado o corpo diplomático de Caracas. Com isso, estão tentando entender como está a composição de forças de apoio a Maduro.

O ex-presidente Jair Bolsonaro quase chegou às vias de fato com fazendo um teatro com um pequeno caminhão que invadiria o país vizinho levando “ajuda humanitária”.

Neste momento, o governo Lula quer mostrar que está disposto a ajudar na normalização das relações deles com a América do Sul, mas, ao mesmo tempo, deixar claro que há limites para aventuras que a Venezuela pode iniciar na região. A eclosão de um conflito armado seria uma tragédia econômica e geopolítica, gerando uma crise gigantesca de refugiados.

Na diplomacia, gestos são importantes. Lula afirmou na coletiva de imprensa que conversou duas vezes por telefone com o presidente da Guiana, Irfaan Ali. Mas não falou diretamente com Maduro, tarefa que ficou a cargo do assessor especial da Presidência da República, o ex-chanceler Celso Amorim.

O governo brasileiro está, neste momento, tentando calibrar os incentivos para que a Venezuela deixe de ser um elemento de desestabilização da política regional.

Ouvidos pela coluna que atuaram na Venezuela duvidam que Maduro tente ocupar militarmente o Essequibo e que a ação serve para fomentar o nacionalismo visando às eleições gerais do ano que vem.

Citam que também é uma cortina de fumaça para os problemas internos – mesmo com a redução das sanções impostas por outros países, como os Estados Unidos, por conta do cerceamento da democracia, a produção e a exportação de petróleo são hoje apenas sombras do que eram.

Independente de qual seja a razão, ela bebe na estratégia do “em apuros, crie uma guerra” – prática adotada por governos em todo o mundo, de democracias a ditaduras.

Mas como lembra um outro ouvido pela coluna, grande parte da lógica do governo venezuelano é a defesa nacional e a questão da soberania sobre os recursos naturais. Se Maduro se meter em uma aventura militar e sair derrotado, toda a lógica que legitima esse controle social desaba. Na Argentina, a derrota nas Malvinas acelerou a crise que levou ao fim da ditadura.

Sempre que dá uma de cachorro louco, Maduro embaraça o Brasil

Mal comparando, a Venezuela cultiva uma semelhança com o Império Ianque do Norte, que Nicolás Maduro diz odiar. Quando Caracas e Whashington precisam unir a nação em seu apoio, seus governantes costumam comprar briga com outro país. Os Estados Unidos acreditam ter a missão divina de policiar o mundo. Não podendo se impor ao planeta, a Venezuela de Maduro dedica-se a ameaçar de invasão a vizinha Guiana.

Candidato à enésima reeleição em 2024, Maduro não dispõe de nada a oferecer ao eleitor além de ruínas e teatro. Por isso, armou a teatralização de um referendo às vésperas da chegada do ano eleitoral. Pelas informações oficiais, quase 96% dos votantes autorizaram o ditador a anexar ao território da Venezuela a área do Essequibo, um pedaço do mapa rico em petróleo e minérios, com 160 mil km2 e 125 mil habitantes, hoje sob controle da Guiana.

A legitimidade da consulta popular é questionável. As agências internacionais informam que o comparecimento às urnas foi baixo. Mas nada inibe o teatro de Maduro. Ele ressuscita uma encrenca é antiga. Os limites territoriais sob disputa foram ajustados num tratado firmado em 1899 entre a Venezuela e o Reino Unido, que ocupou a Guiana até 1966, quando o país obteve sua independência. Foi nessa ocasião que a Venezuela passou a questionar o tratado, apontando a existência de hipotética fraude.

Sob Hugo Chávez, que presidiu a Venezuela entre 1999 e 2013, o litígio permaneceu anestesiado. O sucessor Maduro ressuscitou-o por razões econômicas. Há cerca de oito anos, a multinacional Exxon descobriu petróleo no litoral de Essequibo. À frente de uma autocracia ruinosa, Maduro reativa de tempos em tempos a ambição venezuelana. A ONU tenta há anos, sem sucesso, mediar o conflito.

Duvida-se que Maduro utilize o plebiscito como pretexto para iniciar uma aventura bélica na Guiana. Seus arroubos são vistos como meros latidos de um ditador em apuros eleitorais. O problema é que, cada vez que Maduro dá uma de cachorro louco, Maduro constrange alguém no Brasil. Lula pede juízo. Enviou seu assessor internacional Celso Amorim a Caracas um par de vezes em missões pacificadoras. A essa altura, uma guerra improvável no quintal amazônico do Brasil aniquilaria a liderança regional do Brasil.


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