18/05/2024 - Edição 540

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Lula afirma que Israel também comete atos de terrorismo: ‘Crianças e mulheres não estão em guerra’

700 pacientes podem morrer em hospital em Gaza devido ao bloqueio e a ataques israelenses

Publicado em 14/11/2023 11:54 - DW, UOL, Jamil Chade (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles), Carolina Pimentel (Abr)

Divulgação Agência Brasil

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Ao recepcionar o grupo de brasileiros e familiares que deixaram a Faixa de Gaza e chegaram na noite de segunda-feira (13) a Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Estado de Israel também comete atos de terrorismo durante a operação militar no território palestino.

“Se o Hamas cometeu um ato de terrorismo e fez o que fez, o Estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo ao não levar em conta que nem as crianças nem as mulheres estão em guerra. Não estão matando soldados, estão matando crianças”, declarou.

“A quantidade de mulheres e crianças que já morreram, e a quantidade de crianças desaparecidas a gente não tem conhecimento em outra guerra”, afirmou, lembrando que foi um “ato de terrorismo do Hamas” que desencadeou a resposta israelense. No entanto, “a solução do Estado de Israel é tão grave quanto foi a do Hamas”, afirmou.

Posicionamento do Brasil no conflito

Após o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, Lula condenou a ofensiva sem precedentes contra o Estado judaico e chamou de “ataque terrorista” o ocorrido, mas evitou citar o Hamas diretamente.

Lula passou a ser cobrado por esse posicionamento. Mas foi apenas no dia 20 de outubro que o presidente brasileiro afirmou pela primeira vez que o Hamas cometeu atos de terrorismo com os ataques, que descreveu também como “atos de loucura”.

Na ocasião, em que lembrava os 20 anos do Bolsa Família, ele afirmou que Israel reagiu de forma “insana” com ataques retaliatórios e bombardeios contínuos à Faixa de Gaza, e voltou a expressar solidariedade com as crianças mortas no conflito.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, gerido pelo Hamas, mais de 11 mil palestinos, incluindo mulheres e menores de idade, foram mortos desde o início do conflito Israel-Hamas. O órgão não diferencia entre mortes de civis e combatentes do grupo fundamentalista islâmico.

De acordo com autoridades israelenses, mais de 1.200 pessoas em Israel morreram, a maioria durante o ataque terrorista do Hamas, e cerca de 240 reféns foram levados de Israel para Gaza por membros do grupo.

O Brasil não classifica o Hamas como organização terrorista porque só adota essa definição se um grupo for considerado assim pela Organização das Nações Unidas, como no caso dos grupos extremistas Al-Qaeda e Estado Islâmico. O Hamas é considerado um grupo terrorista por Estados Unidos, União Europeia e vários países ocidentais.

A posição brasileira é semelhante à da Noruega e da Suíça, por exemplo, países com histórico de neutralidade. Ao adotarem essa postura, eles podem servir eventualmente como mediadores em conflitos.

Historicamente, o Brasil adotou na maioria do tempo uma política de equidistância entre árabes e israelenses, de apoio aos palestinos e de reconhecimento das preocupações de Israel com relação à sua segurança.

Na década de 1940, a diplomacia brasileira teve um papel importante na criação de Israel. O Brasil presidiu a histórica sessão da ONU que aprovou a partilha da antiga Palestina britânica e que acabou culminando na criação de Israel. Na época, era previsto também a criação do Estado da Palestina. Desde então, o Brasil defende uma solução de dois Estados: um palestino e um israelense.

Ao subir o tom nas críticas a Israel no conflito contra o Hamas, Lula assume um posicionamento que diversos líderes mundiais estão evitando neste momento. “Lula e [Emmanuel] Macron [presidente da França], que também tem se colocado de forma dura contra essa retaliação de Israel como está sendo feita, acabam dando voz a uma parcela significativa do mundo que está preocupada com isso. O que Lula está falando é relevante. Ele coloca uma vocalização que muitos líderes mundiais estão evitando fazer neste momento”, afirma o jornalista Leonardo Sakamoto, colunista do UOL.

Sakamoto destacou que Lula, ao endurecer seu discurso, dá voz a uma parcela significativa da população que se posiciona contra o governo de Israel, como se pode notar em diversos protestos pelo mundo. O colunista ressaltou que o petista assume um papel relevante no cenário internacional por seu posicionamento, enquanto algumas potências ficam em cima do muro.

“É importante existir líderes mundiais que não carimbem [a resposta de Israel]. China e Rússia fazem uma crítica aqui e ali, mas não se colocam de forma firme porque também têm seus problemas. Os EUA estão abraçados com Israel. Por mais que Biden faça críticas, Netanyahu deu uma banana e vai até o final por saber que os EUA estão no mesmo atoleiro que ele. Biden precisa do voto conservador”, disse o jornalista.

Clima de emoção marcou chegada de brasileiros da Faixa de Gaza

A chegada dos 32 repatriados da Faixa de Gaza foi marcada por muitos abraços e muita emoção. Assim que duas crianças desceram da aeronave VC-2, da Força Aérea Brasileira (FAB), um homem correu para abraçá-las na pista da Base Aérea de Brasília, momento acompanhado por todos que foram recepcionar o grupo resgatado da região mais afetada pelo conflito entre Israel e o Hamas.

Era Mohammed Jabr Ismil que aguardava há mais de 30 dias para abraçar os filhos. A esposa de Mohammed e os três filhos do casal, de 13, 11 e 9 anos, estavam entre os repatriados no voo.

“O importante é que estão vivos e agora vou fazer tudo para eles”, disse Mohammed, em tom de alívio e felicidade.

Mohammed Ismil, palestino com cidadania brasileira, conta que a família viajou em maio a Gaza para visitar parentes, com volta prevista para setembro. Ele, que é comerciante e está no Brasil há cinco anos, permaneceu em Brasília, onde vivem.

Assim que a guerra começou, a angústia tomou conta da família. Aos jornalistas, que acompanharam a chegada dos repatriados, Mohammed contou que nesses mais de 30 dias a rotina da família foi marcada por medo, falta de água e energia, falta de comida e dificuldade de comunicação.

“Mandava uma mensagem para mim a cada dois, três, quatro dias. Só uma mensagem e descarregava a bateria do celular”, disse.

Ele relatou que a esposa e os filhos – dois meninos e uma menina – precisaram mudar de casa três vezes em razão dos bombardeios no enclave palestino.

“O pior foi ver pessoas mortas” 

Aos 9 anos de idade, Lin, filha de Mohammed, disse que não quer se lembrar dos momentos vividos em Gaza com a mãe e os irmãos. Ao ser perguntada qual foi o pior momento, ela respondeu: “Ver pessoas mortas”.

A garota demonstrou alívio em deixar a região e voltar para casa. “Sinto que estou em uma cidade maravilhosa. Só quero ficar no Brasil”, afirmou.

A esposa de Mohammed contou que não há mais como viver em Gaza, que a região está cada vez mais perigosa.

Mohammed disse que quatro irmãos ainda estão no enclave e lamenta que não tenham como deixar o local. “Eles não têm opção, pois a Faixa de Gaza está fechada”.

“Estou viva” 

Quem também estava no voo era a jovem Shaed Albanna, de 18 anos, que durante as últimas semanas mostrou nas redes sociais e em vídeos o que os brasileiros estavam enfrentando no território.

Ao lado da irmã, ela desceu do avião abraçada à Bandeira brasileira.

“Não consigo acreditar que estou aqui. Viva, feliz, emocionada de verdade. Não estamos acreditando que chegamos. Finalmente estamos seguros. É muito bom a gente se sentir seguro. Faz muito tempo que não me sentia assim”.

A jovem, que morava em São Paulo, foi para a Palestina com a mãe, que estava com câncer avançado e desejava ficar próxima de parentes. Ela  presenciou os primeiros bombardeios em Gaza quando saía de casa, pela manhã, para ir à faculdade.

Shaed Albanna pediu apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para resgatar parentes que ainda estão no meio do conflito.

O presidente, que recepcionou e abraçou os repatriados na Base Aérea junto com diversos ministros, afirmou que o governo brasileiro continuará tentando buscar todos os que quiserem sair da região do conflito e voltar para o Brasil ou, no caso de estrangeiros, acompanhar os parentes brasileiros.

“A gente vai fazer todo o esforço que estiver ao alcance da diplomacia brasileira para tentar trazer todos os brasileiros que lá estão e que queiram vir para o Brasil. Inclusive, alguns companheiros que tinham parentes não brasileiros eu pedi para trazer, e a gente trataria de legalizar as pessoas aqui”, disse Lula.

Acolhimento

Os repatriados ficarão hospedados, por dois dias, em um alojamento da Força Aérea Brasileira (FAB) na Base Aérea de Brasília. Nesse período, vão receber atendimento médico, psicológico e vacinação, além de regularizar a situação no país para ter acesso a políticas públicas e emprego.

Depois, parte do grupo irá para outras cidades: 24 para São Paulo (sendo 12 para casas de parentes e 12 em abrigos para refugiados no interior do estado), um para Novo Hamburgo (RS), um para Cuiabá e dois para Florianópolis. Quatro continuarão em Brasília. Os deslocamentos serão feitos em aviões da FAB.

O voo foi o décimo da Operação Voltando em Paz, do governo federal, que resgatou brasileiros que estavam na área de conflito. Dos 32 repatriados, 22 são brasileiros, sete palestinos naturalizados brasileiros e três palestinos parentes de brasileiros.

Desde o início do conflito no Oriente Médio, 1.477 passageiros – 1.462 brasileiros, 11 palestinos, três bolivianas e uma jordaniana – e 53 animais domésticos foram resgatados.

Israel já perdeu, destrua ou não o Hamas, liberte ou não os reféns

O ministro israelense dos Negócios Estrangeiros, Eli Cohen, tão ou mais de extrema direita do que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, admitiu na segunda-feira (13) que aumenta a pressão sobre Israel por um cessar-fogo na Faixa de Gaza.

Cohen estimou que a janela política que resta para Israel até a um aumento significativo na pressão internacional é de cerca de duas a três semanas, mas esclareceu ao mesmo tempo que a pressão não deve impedir Israel de completar as missões de guerra.

Completar quando? Ele não disse. Completar como? Com a reocupação da Faixa de Gaza? Com o confisco de novas extensões de terra na Cisjordânia onde Israel já plantou centenas de colonos fortemente armados e protegidos por seu exército? Não disse.

Palavras de Cohen, talvez em um rasgo de sinceridade: ““Do ponto de vista político, reconhecemos que Israel está sob mais pressão. A pressão não é muito alta, mas está aumentando. Há também aqueles que solicitam – não publicamente – que nos esforcemos por um cessar-fogo”.

Segundo Cohen, a mudança de humor em relação a Israel está enraizada na transição da cobertura global da guerra para se concentrar no que está a acontecer em Gaza, enquanto diminuiu a preocupação com o ataque do Hamas em 7 de outubro.

Cohen queixou-se: “Nas conversas que mantenho com os ministros dos Negócios Estrangeiros, eles enfatizam a questão humanitária [em Gaza]. Sua identificação e seu choque com o massacre de 7 de outubro são reduzidos. Conseguimos captar a cobertura do massacre e das imagens difíceis durante mais de um mês. Mas, nos últimos dias, a mídia mundial mostra principalmente imagens de Gaza”.

É natural. Essa é uma guerra assimétrica. De um lado, as Forças de Defesa mais poderosas do Oriente Médio; do outro, o Hamas, cerca de 30 mil combatentes que não negam o propósito de destruir Israel; no meio, os palestinos sob bombas.

O presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, ficará rouco de tanto repetir que os hospitais de Gaza cercados por Israel “devem ser protegidos”. A Organização Mundial da Saúde disse que o maior hospital do enclave, o Al-Shifa, “não funciona mais como hospital”.

Dezenas de funcionários do Departamento de Estado americano assinaram memorandos internos expressando sério desacordo com a abordagem da administração Biden à campanha militar de Israel em Gaza. Foram pelo menos três memorandos.

O mais recente deles propunha que Israel trocasse os prisioneiros palestinos que retém, alguns dos quais não condenados, pelos mais de 240 cidadãos de Israel sequestrados pelo Hamas. As famílias dos sequestrados cobram, furiosamente, a libertação dos seus parentes.

“Minha família não foi sequestrada por causa do Hamas. Foi sequestrada porque o exército não apareceu para nos defender. O Hamas é minúsculo se comparado ao gigante Israel”, declarou Avichai Brodatz em entrevista ao Canal 12, no domingo último.

Hagar, mulher de Brodatz, e os filhos Ofrio, Yuval e Uriah estão nas mãos do Hamas. Há um mês, as famílias dos reféns foram pressionadas por Cohen para que não comparecessem a uma reunião com o secretário-geral da ONU, António Guterres.

Não pegaria bem para a imagem do governo de Netanyahu, que se diz capaz de resolver os problemas de Israel. Para isso, pede apenas mais armas aos aliados, mais armas, e respeito ao seu direito de defender-se como quiser e achar melhor.

Netanyahu quer um cheque em branco. Não terá. Nem dos seus governados.

700 pacientes podem morrer em hospital em Gaza

Os ataques ao hospital Al Shifa e o fim do abastecimento de energia colocam em risco todos os 700 pacientes que ainda estão no local, em Gaza. O alerta é da OMS (Organização Mundial da Saúde), que anunciou na manhã desta terça-feira que 20 pessoas já morreram nas últimas 48 horas. Desde o dia 11 de novembro, foram 32 mortes, incluindo três recém-nascidos.

O local está sem combustível, o que levou os médicos a desligar as máquinas que garantem a vida de dezenas de pacientes. 36 bebês que ficaram sem incubadoras estão entre os mais ameaçados, além de pacientes que precisam de diálise.

“Os funcionários estão fazendo um esforço heroico, mas se eles não puderem trabalhar, todos correm o risco de não sobreviver”, disse a porta-voz da OMS, Margaret Harris.

No total, 700 pacientes ainda estão dentro do local, além de 400 funcionários e 3 mil desabrigados. “Estamos implorando por um cessar-fogo. A situação pode ser ainda pior. O foco de um hospital é de salvar vidas, não retira-las”, insistiu Harris. “É extraordinário que esses 700 pacientes ainda estejam vivos”, disse.

Segundo ela, Gaza registra o “maior número de ataques em curto período contra locais de saúde”. “É o pior que já vemos. Mais de 150 ataques em pouco mais de um mês. O entendimento de que o hospital é local seguro parece que foi esquecido”, disse.

Harris indicou que, hoje, dois terços dos hospitais já fecharam suas portas, justamente quando Gaza mais precisava.

O governo de Israel acusa a comunidade internacional de não ter escutado a orientação dos militares de que esses hospitais deveriam ser esvaziados, sob a alegação de que o Hamas estaria usando o subsolo do prédio para se esconder.

Para a OMS, a ordem de Israel não poderia ser cumprida. “Pediram que os funcionários fizessem algo, sabendo que os pacientes morreriam na evacuação”, disse. Shifa é destinado aos doentes mais graves e vulneráveis. Outro problema, segundo Harris, é o fato de que não há mais para onde levar essas pessoas, ja que todos os demais hospitais estão locados.

Israel ainda acusa o Hamas de ter rejeitado a entrega de combustível ao local. Para a OMS, o hospital precisa de “grande quantidades de combustível, o que não está chegando”.

Segundo Harris, a tensão é de tal dimensão dentro do hospital que médicos evitam andar perto das janelas e mesmo de colocar pacientes neste locais, sob o risco de que sejam almejados por atiradores posicionados em prédios ao lado.

O que diz o raio-x da ONU sobre a situação de saúde em Gaza:

A situação dos hospitais no norte continua terrível. Todos os hospitais, com exceção de um, não estão mais funcionando. Os hospitais Shifa e Al Quds estão sendo alvo de ataques pesados.

Nas últimas 24 horas, continuaram os bombardeios e os confrontos entre as tropas israelenses e os grupos armados palestinos ao redor do hospital Shifa.

Pessoas dentro e perto do hospital, incluindo um funcionário técnico, um paciente e deslocados internos, teriam sido alvejados por franco-atiradores.

As instalações da UTI, a maternidade e o último andar do prédio de cirurgia foram atingidos e danificados. Um incêndio ocorreu perto do departamento que trata de pacientes com problemas renais.

Os militares israelenses alegaram várias vezes que grupos armados palestinos operam um complexo militar dentro e embaixo do hospital Shifa. A administração do hospital e o Ministério da Saúde palestino negaram veementemente essas alegações e pediram uma investigação independente.

Hoje, de acordo com os militares israelenses, um grupo armado palestino abriu fogo nas proximidades e dentro do complexo do hospital Al Quds, administrado pela Sociedade do Crescente Vermelho Palestino, enquanto os civis fugiam das instalações; dezenas de membros desses grupos armados palestinos teriam sido mortos pelas forças israelenses. A Sociedade do Crescente Vermelho negou veementemente as alegações israelenses sobre indivíduos armados que lançaram projéteis de dentro do hospital.

Em 13 de novembro, um comboio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha que se dirigia ao hospital Al Quds, na cidade de Gaza, para evacuar pacientes, foi forçado a retornar depois de sair de Khan Younis, devido ao bombardeio incessante e à insegurança em torno do hospital. A equipe médica, os pacientes e suas famílias permanecem sitiados no hospital, sem comida, água ou eletricidade.

Operações terrestres ativas no coração da cidade de Gaza e perto dos hospitais na província de Gaza Norte interromperam o movimento de equipes de resgate e ambulâncias. Centenas de ligações foram recebidas no número de emergência de palestinos sitiados na cidade de Gaza, solicitando urgentemente ambulâncias para os feridos, evacuação para famílias presas e assistência para os que estão presos sob escombros.


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