18/05/2024 - Edição 540

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Israel não cumpre acordo e brasileiros estão fora da lista para deixar Gaza: “terror”

Um mês da guerra: desastre humanitário na região já é o maior em meio século

Publicado em 08/11/2023 1:52 - Plinio Teodoro e Alice Andersen (Fórum), Fernando Miller e Caique Lima (DCM), Josias de Souza (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução Redes Sociais

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A previsão dos 34 brasileiros-palestinos para deixar a faixa da Gaza por meio da fronteira com o Egito nesta quarta-feira (8) foi frustrada mais uma vez e o grupo segue em meio aos bombardeios das forças israelenses no sul da região, próximo à fronteira com o Egito.

O veto aos brasileiros na sexta lista dos estrangeiros que deixam a zona de conflito descumpre um acordo que foi feito por Israel com a diplomacia do Brasil.

O ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, havia dito na semana passada que o chanceler Eli Cohen, do governo sionista de Israel, havia lhe garantido que os brasileiros deixariam Gaza até esta quarta. A nova previsão é que o grupo entre na lista desta quinta-feira (9).

Nas redes sociais, Hasan Rabee, que mora em São Paulo e foi para Gaza com a família em setembro para visitar a mãe, chegou a fazer uma publicação no Instagram nesta terça-feira (7) dizendo: “boa noite pode acontecer amanhã”.

Rabee está com a esposa, duas filhas e mais de dez familiares na casa da mãe dele em Khan Yunis, no sul da região, aguardando a repatriação e relata um cenário desesperador pelo qual estão passando.

“Além do sofrimento causado pelos bombardeios, o mais difícil agora é encontrar comida. É quase impossível! Muita gente está passando fome. É um terror”, contou ao portal Uol.

Segundo ele, não há mais energia, água encanada e gás e a comida é escassa e cara. Um saco de farinha que era vendido por cerca de R$ 40 é encontrado hoje até por R$ 300.

“Mais de 30 dias de guerra, de conflito, e não encontramos gás. Energia não existe mais, água encanada também não. Infelizmente, não há previsão para chegar. A farinha que a gente usa para fazer pão não existe mais no mercado. Macarrão e enlatados a gente não encontra”, afirma. “Quando elas [filhas] estão com fome, comem pepino porque é mais barato”, emendou.

Segundo o embaixador brasileiro na Cisjordânia, Alessandro Candeas, na lista desta quarta estão 228 ucranianos, 107 filipinos, 100 estadunidenses, 75 alemães, 51 romenos e 40 canadenses.

Brasil tomará medidas contra Israel caso brasileiros não possam sair de Gaza

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem demonstrando forte descontentamento com a demora de Israel em permitir a saída dos brasileiros da Faixa de Gaza. No entanto, a orientação do governo é evitar críticas públicas, pelo menos enquanto houver expectativa de autorização para cruzar a fronteira com o Egito.

Caso a liberação não ocorra nos próximos dias, o governo brasileiro adotará medidas mais enérgicas em relação ao governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, seguindo o exemplo de Bolívia, Chile e Colômbia. A Bolívia rompeu relações com Israel em protesto contra a ofensiva na Faixa de Gaza, e Colômbia e Chile convocaram seus embaixadores em Tel Aviv para consultas.

O presidente Lula já tomou a decisão de posicionar o Brasil, nos fóruns internacionais, de forma decidida contra a permanência de Israel na Faixa de Gaza após o término da guerra. Netanyahu expressou a intenção de manter a ocupação militar sobre a região por um período indefinido após a guerra.

No Palácio do Planalto e na diplomacia brasileira, a crença é que a não liberação dos 34 brasileiros que aguardam a saída de Gaza em direção ao Brasil não é um mero ato retaliatório.

A ala radical do governo de Netanyahu não aceita a postura do Brasil de apoiar o cessar-fogo em Gaza, e a diplomacia brasileira acredita que esses mesmos radicais defendem a manutenção da ocupação militar na Faixa de Gaza, inclusive com planos de permitir ou incentivar a instalação de colonos na região, de maneira similar ao que ocorreu na Cisjordânia.

Até o momento, a ONU se posicionou contra a presença de colônias israelenses em território palestino, apesar do descumprimento das recomendações internacionais por parte de Israel. Contudo, agora, a expectativa entre os diplomatas é de que a reação internacional seja mais intensa se Israel persistir na ocupação.

Os diplomatas brasileiros ressaltam a importância do Brasil na criação do Estado de Israel, com a participação fundamental de Oswaldo Aranha, um diplomata brasileiro que presidiu a 2ª Assembleia Geral da ONU, responsável por votar o plano de partição da Palestina para a formação do Estado de Israel. As ações de Aranha foram consideradas decisivas, refletindo-se na homenagem a ele com ruas e praças em diversas cidades israelenses.

‘Fugindo de bomba e atrás de comida’, diz brasileiro que tenta deixar Gaza

O comerciante Hasan Rabee saiu de São Paulo para visitar a mãe na Faixa de Gaza no final de setembro e não conseguiu mais sair de lá. Com a intensificação dos bombardeios, ele, a esposa e as duas filhas vivem agora com mais de dez familiares que deixaram o norte de Gaza e se acomodaram na casa da mãe dele, em Khan Yunis, no sul da região.

Rabee diz que está sem energia, água encanada e gás de cozinha. “Mais de 30 dias de guerra, de conflito, e não encontramos gás. Energia não existe mais, água encanada também não. Infelizmente, não há previsão para chegar. A farinha que a gente usa para fazer pão não existe mais no mercado. Macarrão e enlatados a gente não encontra.”

“Vocês nem imaginam o sofrimento que o povo passa, com criança e sem água e sem luz, muita gente morrendo, passando fome. Uma tristeza, espero que ninguém passe por isso”, relata.

“Quando elas [filhas] estão com fome, comem pepino porque é mais barato.” Segundo o brasileiro, a alimentação da família é composta basicamente por pães, salada e legumes.

Rabee relata que a única forma de preparar alimentos é utilizando madeira, em fornos a lenha. “Muita gente não tinha lenha para fazer essas comidas. Cada dia, piora mais ainda. Na minha casa já não existe mais gás. Os restaurantes estão fazendo comida para doações em escolas, onde tem lugar com bastante gente.”

O comerciante conta que os alimentos têm ficado mais caros nos mercados. “O mais difícil é achar farinha, o saco da farinha estava R$ 40 e hoje está R$ 150, R$ 200, R$ 300. A gente não encontra.”

Rabee diz que a falta de água é outro problema que atinge parte da população de Khan Yunis. “Cada dia é pior do que o outro. Água encanada a gente já não tinha, nem mineral. Só teremos para poucos dias. Agora, nem água salgada temos.”

Tranca de brasileiros em Gaza exige diplomacia menos macia

Nas relações exteriores, pouca coisa é mais insultuosa do que o desdém. Em certas circunstâncias, a ofensa embutida no descaso tem um alcance extremamente longo. Quem não reage à altura acaba merecendo o ultraje. A tranca que prende um grupo de brasileiros na Faixa de Gaza é uma dessas afrontas que exigem resposta compatível.

Os portões de Rafah, na fronteira com o Egito, foram abertos para estrangeiros pela primeira vez há uma semana. Desde então, deixaram Gaza cerca de 2,9 mil civis estrangeiros ou com dupla nacionalidade. Não havia entre eles nenhum dos 34 nomes enviados pelo Itamaraty a autoridades de Israel e do Egito.

Na última sexta-feira, o chanceler brasileiro Mauro Vieira disse ter obtido do seu colega israelense Eli Cohen o compromisso de que o grupo do Brasil seria autorizado a deixar Gaza no máximo até esta quarta-feira. Saiu de madrugada a sexta lista. Manteve-se a rotina. De novo, nenhum brasileiro.

Até aqui, embora suspeitasse que a demora é retaliação de Israel em função das posições sustentadas pelo Brasil na ONU, o Itamaraty reagiu com a maciez própria do ramo diplomático. Mas a exclusão dos nomes dos brasileiros na nova lista exige uma diplomacia menos macia.

Para quem está na zona de guerra, a batida do coração é o tic-tac. Em Gaza, o tempo já não existe. Só existe o passar do tempo. É preciso cuidar dos segundos, porque as horas e as bombas passam. Junto com o relógio, avançam as tropas israelenses. A cada instante, há mais mortos do que vivos ao redor.

“Lamentável”: chanceler critica “paralisia” da ONU sobre guerra em Gaza

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que existe uma “paralisia” no Conselho de Segurança da ONU durante discurso em fórum realizado pelo governo federal com investidores no Palácio do Itamaraty. O chanceler diz que é “lamentável” o grupo não conseguir aprovar uma resolução sobre o conflito entre Israel e o Hamas.

Ele afirma que o Brasil assumiu a presidência do conselho em outubro deste ano, data “que coincidiu com os trágicos desenvolvimentos em Israel e na Faixa de Gaza”. Vieira aponta que o país tentou buscar uma solução para a “alarmante situação humanitária na região”.

“Mobilizamos todos os nossos esforços para reverter a paralisia do principal órgão do sistema multilateral em favor de uma solução para a alarmante situação humanitária na região. É lamentável, além de moralmente inaceitável, que uma vez mais o conselho de segurança não tenha conseguido estar à altura do seu nobre mandato”, afirmou o chanceler.

No período em que presidiu o conselho, a diplomacia brasileira tentou aprovar uma resolução com um cessar-fogo ou à abertura de corredores humanitários para a retirada da população civil da Faixa de Gaza, mas não teve sucesso. A China é a responsável pela presidência do colegiado atualmente.

Várias resoluções – de autoria do Brasil, dos Estados Unidos e Rússia – foram propostas no período. Todas elas foram vetadas, com base em diversas alegações, e não houve acordo para aprovar nenhum dos documentos dentro do conselho.

O presidente Lula defende uma reforma no Conselho de Segurança e já se manifestou contra o poder de veto dado a alguns países, como Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.

Um mês da guerra: desastre humanitário em Gaza já é o maior em meio século

Os confrontos entre as forças israelenses e o grupo Hamas já estão ocorrendo há um mês. Desde quando o festival Nature Party foi atacado pelo Hamas no dia 7 de outubro, próximo à Faixa de Gaza, o Estado de Israel vem promovendo ataques desproporcionais no território palestino, deixando feridos e mortos sem precedentes.

Na época, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou guerra ao Hamas em resposta aos ataques. As forças israelenses conseguiram isolar o norte da Faixa de Gaza do restante do território um mês após aquele sábado. Segundo a Associated Press,o conflito, que já é o mais violento entre palestinos e israelenses em décadas, ainda não tem fim à vista.

Com cerca de 10 mil mortos na Palestina e 70% dos 2,3 milhões de residentes de Gaza fora de suas casas, a região vive um caos econômico, político, social e humanitário, reforçado pela guerra.

Medicamentos, alimentos, combustível e água são extremamente limitados, e as escolas operadas pela ONU, transformadas em abrigo, estão com sua capacidade esgotada. Inúmeras pessoas se veem obrigadas a passar a noite nas ruas. Além disso, hospitais e campos de refugiados se tornaram alvos das bombas, que fizeram crianças e mulheres entre as maiorias das vítimas. Segundo Ministério da Saúde de Gaza, já são 4.104 crianças.

Na segunda-feira (6), as forças israelenses realizaram bombardeios na região como parte dos preparativos para uma possível incursão terrestre na Cidade de Gaza, que é a maior área dentro do território.

Richard Hecht, porta-voz militar de Israel, anunciou na terça (7) que as forças israelenses completaram o cerco à Faixa de Gaza, dividindo o território em duas partes: o norte, controlado pelo Hamas, e o sul, controlado pelas forças israelenses e palestinas.

Atrocidade

De acordo com a relatora das Nações Unidas para os Direitos Humanos e integrante do Instituto para o Estudo de Migração Internacional da Universidade de Georgetown, Francesca Albanes, a destruição em Gaza por Israel é uma realidade.

“O que aconteceu no dia 7 de outubro foram crimes de guerra cometidos pelo Hamas contra civis. A questão é que Israel é uma superpotência militar com uma enorme capacidade de destruir a outra. O Hamas não tem capacidade para destruir Israel. Isso é ficção, é uma abstração, apesar da atrocidade que foi cometida. E a destruição de Gaza é uma realidade”, disse ela.

Em um alerta anterior publicado em uma página da ONU, foi mencionada a possibilidade de que eventos semelhantes à Nakba (Catástrofe) de 1948 e à Naksa (Dia do Retrocesso) de 1967 pudessem se repetir. Esses eventos resultaram na expulsão de mais de 1 milhão de palestinos de suas residências e terras devido às vitórias militares de Israel.

Em pouco tempo de conflito, as tensões entre Israel e o Hezbollah, grupo militante do Líbano, aumentaram: em Jerusalém, um homem matou uma policial israelense com uma facada e depois foi morto a tiros. Na Cisjordânia ocupada, as forças israelenses mataram a tiros quatro homens palestinos dentro de um veículo.

Em 1967, durante a Guerra do Oriente Médio, Israel tomou controle de Jerusalém Oriental, Gaza e a Cisjordânia. Os palestinos almejam essas três regiões para um futuro estado. A anexação de Jerusalém Oriental por Israel, uma medida não reconhecida pela maioria da comunidade internacional, é vista por Israel como a totalidade de sua capital.

A população palestina no mundo se aproxima dos 15 milhões de pessoas. Destas, cerca de 2 milhões residem em Israel, enquanto outros 5 milhões vivem nos territórios ocupados, que incluem Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Ademais, mais de 2 milhões de palestinos habitam a Jordânia, e aproximadamente 600 mil na Síria.

“Existe um grave perigo de que estejamos testemunhando uma repetição da Nakba de 1948 e da Naksa de 1967, numa escala maior. A comunidade internacional deve fazer tudo para impedir que isto aconteça novamente. Israel já realizou uma limpeza étnica em massa dos palestinos sob a névoa da guerra”, ressalta a relatora da ONU.

Cessar-fogo

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, composto pelos Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido, realizou reuniões para discutir possíveis ações diante do conflito, mas não conseguiu chegar a um consenso.

Durante os 31 dias em que o Brasil liderou o Conselho de Segurança da ONU, tentou mediar acordos entre os países-membros, mas todas as quatro propostas de resolução sobre o conflito foram rejeitadas, em especial o voto único dos EUA contra o cessar-fogo. Israel, apesar da pressão internacional, condiciona a decisão à libertação de todos os reféns pelo Hamas e recusa-se a encerrar os bombardeios na Faixa de Gaza.


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