18/05/2024 - Edição 540

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Israel mantém brasileiros presos em Gaza como ‘troco’ pelo país ter pedido trégua humanitária: ‘Nosso sangue vale menos’, diz embaixador

Unicef diz que 400 crianças são mortas ou feridas a cada dia por ataques de Israel à região

Publicado em 03/11/2023 2:53 - Lucas Pordeus León (Agência Brasil), Josias de Souza e Leonardo Sakamoto (UOL), UOL, Brasil de Fato – Edição Semana On

Divulgação Mohammed Abed, AFP

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Uma nova lista com o nome de 571 estrangeiros autorizados a deixa a Faixa de Gaza foi divulgada nesta sexta-feira (3). Novamente não houve brasileiros entre os contemplados. Das 571 pessoas, 367 são estadunidenses e outras 127 são britânicas. Há pessoas ainda da Alemanha, da Itália, da Indonésia e do México, informou a Representação do Brasil em Ramala, na Cisjordânia.

Na segunda lista divulgada na quinta-feira (2), dos 576 estrangeiros autorizados a deixar Gaza, 400 eram dos Estados Unidos. Havia ainda nacionais do Azerbaijão, Barhein, Bélgica, Coréia do Sul, Croácia, Grécia, Holanda, Hungria, Itália, Macedônia, México, Suíça, Sri Lanka e Tchade.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, conversou na quinta-feira com o chanceler do Egito, Sameh Shoukry, e reiterou o pedido para que os brasileiros retidos na Faixa de Gaza possam passar pela fronteira de Rafah.

Os 34 brasileiros estão abrigados nas cidades de Khan Younes e Rafah, próximas à fronteira com o Egito. Segundo o Itamaraty, o esquema de resgate está de prontidão e prevê auxílio desde a saída da Faixa de Gaza – com equipes e ônibus, medicamentos e alimentação – até o embarque no Aeroporto do Cairo, onde um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) os aguarda.

A primeira lista com estrangeiros autorizados a deixar o enclave palestino alvo dos bombardeios de Israel foi divulgada na quarta-feira (1º). Até então, uma média de 500 pessoas de outras nacionalidades estão sendo autorizadas a deixar a área do conflito. O Itamaraty informou que espera que, em breve, os brasileiros entrem na lista para deixar a região.

Cresce a suspeita de que o ‘fator revide’ retém brasileiros em Gaza

O Brasil foi ignorado nas três primeiras listas de estrangeiros autorizados a deixar a Faixa de Gaza. A ausência dos Estados Unidos na primeira relação estimulou a crença na isenção. A segunda lista, feita majoritariamente de americanos, acendeu uma vela para a suspeita de favorecimento. Na terceira, a nova profusão de americanos e a inclusão de cidadãos britânicos fizeram surgir em Brasília um sentimento novo.

Embora nenhuma autoridade admita publicamente, a frustração do governo brasileiro começa a ser substituída pela decepção provocada pela hipótese de que a demora pode ser motivada por uma retaliação de Israel. Nessa versão, a protelação seria um troco de Israel às posições exibidas pelo Brasil na vitrine do Conselho de Segurança da ONU.

Diz-se que o grupo do Brasil pode estar na lista deste sábado. Ou na de domingo. Quer dizer: intencional ou não, o suplício imposto aos brasileiros já se tornou agonizante. Quem espera na derradeira fila da repatriação precisa manter sempre ao alcance da mão, como um comprimido de Isordil, uma dose de ceticismo. Em Gaza, ninguém está livre do infarto, das bombas ou de sofrer as dores da decepção com a ausência de uma menção na lista.

A fé remove montanhas. Mas o chanceler brasileiro Mauro Vieira não hesita em continuar empurrando, enquanto os 34 nomes que o Itamaraty enviou às autoridades de Israel e do Egito rezam para que mísseis não lhes caiam sobre a cabeça. Na quinta-feira, em conversa telefônica com o chanceler egípcio Sameh Shoukry, Vieira rogou novamente pela liberação do grupo do Brasil.

No meio da semana, a representação diplomática de Brasília no Cairo havia recebido a sinalização de que a lista desta sexta-feira traria boas-novas. Era lorota. A despeito do esforço da diplomacia e do fervor dos que anseiam pela fuga, as montanhas permaneceram inamovíveis nas últimas 72 horas. Israel dá as cartas. O Egito apenas manuseia a chave do portal de Rafah, que faz fronteira com os bombardeios.

Já não há força no universo capaz de deter no primeiro escalão do governo Lula a maledicência segundo a qual o “fator revide” retarda a repatriação. A comprovação da suspeita tornou-se irrelevante. A essa altura, a rotina dos brasileiros retidos em Gaza virou uma calamidade em prestações.

Cada minuto a mais na zona de guerra é uma eternidade a menos na taxa de sanidade mental dos que esperam. Diz-se nos bastidores que o pavio de Lula ficou mais curto. Nada melhor do que a impotência para esticar o pavio. Resta a quem não dispõem da força lembrar que a diplomacia traz a maciez injetada no nome.

‘Nosso sangue vale menos’, diz embaixador sobre brasileiros ainda em Gaza

O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, disse, em entrevista ao UOL News, que parece haver mais valor à “vida e ao sangue” de cidadãos de países ricos na elaboração das listas de cidadãos estrangeiros autorizados a deixar a Faixa de Gaza pela fronteira de Rafah.

“Não quero exagerar, mas possivelmente é porque somos de Terceiro Mundo e o sangue e a vida daquele Primeiro Mundo vale mais. É uma realidade. O mundo está tendo um desequilíbrio. Quando se trata da morte de palestinos, parece um ‘efeito colateral’ e que a vida deles não vale tanto quanto a dos outros. Esta é uma realidade que sentimos e o mundo está sentindo”, diz Ibrahim Alzeben.

Ao falar sobre o ataque ocorrido hoje a um comboio de ambulâncias em Gaza, Alzeben disse não ter dúvidas sobre a responsabilidade de Israel. Para o embaixador, colocar em dúvida a autoria do bombardeio é uma “estratégia para encobrir os crimes de guerra” cometidos pelos israelenses.

“Claro que é Israel que está bombardeando. Fica meio esquisito pensar em outro. De onde vai vir? Israel está atacando e ameaçando. Esta forma de colocar em dúvida [a autoria dos ataques] é para, lamentavelmente, encobrir este crime. Israel está fazendo um genocídio nestes 28 dias. Estes bombardeios de Israel levam a este ambiente de genocídio e de crime de guerra”, afirma o embaixador.

Para Alzeben, os EUA têm nas mãos o poder para ao menos estabelecer uma pausa humanitária em Gaza. O embaixador, porém, condenou a postura do governo americano, que vetou a resolução proposta pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU.

“O apoio dos EUA é incondicional aos israelenses aos seus ataques. Quem pode parar esse conflito são os EUA, que estão praticamente dando carta branca para que Israel siga cometendo, durante 28 dias, todos os massacres e esse genocídio contra o povo palestino. O Brasil tentou usar sua influência no Conselho de Segurança para pôr fim a este conflito. Os EUA sempre usaram seu direito ao veto. O conflito poderia ser parado há sete, dez dias. Os EUA podem parar a guerra já, deixando passar uma resolução e obrigar Israel a parar com sua chacina. O povo palestino está pagando e os EUA, permitindo isso”, disse.

Ministro de Israel celebra demolição de construções palestinas em Gaza

Um ministro de Israel postou, na quinta, em sua conta no Facebook, o vídeo de uma escavadeira demolindo casas supostamente em Gaza. Na legenda, Amichai Eliyahu, ministro do Patrimônio e membro do partido de extrema-direita Otzma Yehudit, afirmou: “Precisamos falar sobre o dia seguinte”.

E disse que, do seu ponto de vista, este momento está abrindo espaço para “todos aqueles que lutaram por Gaza ao longo dos anos e para os exilados de Gush Katif”. Ou seja, para a expulsão dos palestinos e a colonização com israelenses. O governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu afirmou que tropas israelenses cercaram a cidade de Gaza, a maior do território.

“Norte da Faixa de Gaza, sempre lindo. Explodem e se estendem por todos os lados, simplesmente um deleite aos olhos”, também postou Eliyahu.

Gush Katif foi um conjunto de 17 assentamentos israelenses no sul da Faixa de Gaza. Em agosto de 2005, o Exército israelense retirou 8.600 residentes como parte do processo de saída do território. Desde então, a região tem sido usada como símbolo de resistência dos extremistas que defendem o território como parte de Israel.

A proposta de ocupação não tem respaldo junto ao principal aliado de Tel Aviv, o governo dos Estados Unidos, tampouco com a maioria da população de Israel. Nem o próprio Netanyahu apoia abertamente esse tipo de ação. Pelo menos, não por enquanto.

Mas, de acordo com Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, esse tipo de postagem “ajuda a alimentar a violência contra moradores palestinos da Cisjordânia por parte de colonos israelenses”. Até agora, 133 palestinos morreram nessa parte do território, segundo serviços locais de saúde.

Em Gaza, foram mais de 9 mil mortos desde o início da retaliação israelense aos ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro, que deixaram mais de 1400 mortos.

Ministério da Inteligência sugeriu remover palestinos de Gaza

A postagem provocou mais revolta entre cidadãos árabes e muçulmanos nas redes sociais – que já estavam irritados com um documento do Ministério da Inteligência de Israel que sugere uma realocação forçada dos mais de 2,2 milhões de habitantes de Gaza para a Península do Sinai, no Egito, após uma hipotética derrubada do Hamas.

Questionado pelo Haaretz, um dos mais importantes jornais israelenses, o gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu minimizou o texto, afirmando que se trata de um “documento inicial” e que não está sendo considerado neste momento.

Datada de 13 de outubro, a proposta prevê a construção de acampamentos com tendas no Norte do Sinai e, depois, cidades permanentes separadas da fronteira com Israel e Gaza por uma “zona tampão” de alguns quilômetros para dificultar os palestinos de tentarem voltar.

‘Gaza não se levantará novamente’

Em entrevista ao Israel National News, em 25 de outubro, o ministro Amichai Eliyahu afirmou que Israel deveria retomar o controle não apenas de Gush Katif, mas também de Gaza.

“Gaza não se levantará novamente. Porque se isso acontecer encontraremos a mesma situação no Líbano, na Judeia e na Samaria, e entre os árabes israelitas. Devemos saber como erradicar o câncer dos nazis muçulmanos – caso contrário, estaremos convidando mais rondas de violência”, disse o ministro.

E, em agosto, antes dos ataques terroristas do Hamas, ele já havia defendido a restrição de locomoção de palestinos na Cisjordânia comparando-a com a manutenção de criminosos atrás das grades.

“Numa prisão, revogo os seus direitos civis para que o resto da sociedade possa viver melhor”, disse. “Isso é apartheid? Isso não é apartheid, mesmo que o alguém grite mil vezes.” Em outros momentos, ele já havia defendido a anexação da Cisjordânia e o fim da solução de dois Estados para o conflito.

O Ministério do Patrimônio é responsável pelos bens históricos nacionais tangíveis e intangíveis de Israel.

Unicef: 400 crianças são mortas ou feridas a cada dia por ataques de Israel a Gaza

Em comunicado divulgado na noite de ontem na rede social X, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) descreveu os bombardeios do Exército de Israel ao campo de refugiados de Jabalia, no Norte da Faixa de Gaza, como “cenas de carnificina”. A entidade aponta que já teriam morrido ou sido feridas cerca de 400 crianças por dia de conflito.

“As cenas de carnificina ocorridas no campo de Jabalia, na Faixa de Gaza, após os ataques de ontem [terca-feira] e de hoje [ontem], são horríveis e aterradoras”, diz o comunicado, destacando que centenas crianças estariam entre as vítimas.

“Os ataques seguem a 25 dias, com bombardeios contínuos, que resultaram alegadamente na morte de mais de 3.500 crianças – sem incluir as mortes de hoje [ontem] – e em mais de 6,8 mil alegadamente feridas. Significaria mais de 400 crianças mortas ou feridas diariamente, durante 25 dias consecutivos. Isto não pode se tornar o novo normal”, informou o Unicef.

Na nota, a entidade reitera apelo por um cessar-fogo humanitário imediato. Segundo o Unicef, os campos de refugiados, os assentamentos para deslocados internos e os civis que habitam os territórios estão todos protegidos pelo Direito Internacional Humanitário (DIH). “As partes em conflito têm a obrigação de respeitá-las e protegê-las de ataques”, diz o texto.

Segundo o jornal O Globo, as Brigadas Al-Qassam, braço armado do Hamas, afirmaram ontem que sete reféns morreram após ataque de Israel ao campo de refugiados. Entre as vítimas estão três pessoas “titulares de passaportes estrangeiros”.

Ao todo, os bombardeios e incursões militares de Israel em Gaza já teriam deixado mais de 8 mil pessoas mortas na Faixa de Gaza. Do lado israelense, o número seria de cerca de 1,4 mil vítimas fatais.

O governo de Israel confirmou ter bombardeado pelo segundo dia consecutivo o campo de refugiados de Jabalia, região pobre que existe desde 1948 e com cerca de 1,4 mil quilômetros quadrados. A maioria dos acampados depende de ajuda humanitária.

De acordo com as Nações Unidas, a região teria cerca de 116 mil refugiados, o que aumenta a pressão internacional sobre Israel. Também ontem, o secretário-geral da ONU, António Guterres, se disse “horrorizado” com a situação e pediu respeito ao Direito Internacional, que proíbe ataques indiscriminados a alvos civis.

Nas redes sociais, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos relatou que, “dado o elevado número de vítimas civis e a escala da destruição causada pelos ataques aéreos israelenses ao campo de refugiados de Jabalia, estamos seriamente preocupados que estes sejam ataques desproporcionais que possam constituir crimes de guerra”.

Israel, por sua vez, afirma que matou um chefe da unidade antitanques do Hamas no bombardeio e que o grupo ainda mantém 240 civis israelenses como reféns. Em comunicado hoje, o porta-voz do Exército israelense, contra-almirante Daniel Hagari, afirmou que a ofensiva está ocorrendo “de acordo com o planejado”.

“As forças israelenses continuam a desmantelar as linhas de defesa do Hamas no Norte de Gaza e a assumir o controle das áreas centrais. Continuamos defendendo ferozmente a nossa fronteira norte e atacando por ar ou por terra qualquer tentativa de atirar ou de se infiltrar em Israel”, informou.


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