18/05/2024 - Edição 540

Mundo

Herdeira do fascismo de Franco, extrema direita na Espanha triplica número de eleitos

Em eleição questionada, fascismo de Erdogan mantém-se no poder na Turquia

Publicado em 29/05/2023 10:40 - Jamil Chade (UOL), José Urrejola (DW) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O Vox, partido de extrema direita, saiu fortalecido das eleições regionais e municipais na Espanha neste fim de semana. O grupo, herdeiro do franquismo e aliado ao bolsonarismo no Brasil, viu o número de votos dobrar em comparação às eleições há quatro anos. Como resultado, o partido triplicou o número de eleitos para as câmaras municipais e regionais, e se consolida como uma força política indiscutível.

O grupo conseguiu ser eleito em todas as regiões e somou mais de 1,5 milhão de votos. O crescimento em comparação a 2019 foi o mais acentuado entre todos os partidos políticos espanhóis.

O que chamou a atenção de analistas políticos foi o fato de que o grupo conseguiu ser eleito em câmaras regionais que até hoje não conseguiam votos suficientes para ter seus representantes. Foram cinco eleitos em Extremadura, dois em La Rioja, entre outras regiões do país.

Se até agora o partido tinha 530 vereadores e representantes eleitos pela Espanha, a eleição do fim de semana aumenta o número para mais de 1,6 mil.

Para o presidente do Vox, Santiago Abascal, os resultados representam “a consolidação do partido como projeto nacional”.

Se a eleição de uma forma geral foi vencida pelo Partido Popular, de direita, os resultados apontam que a formação não terá como governar se não entrar em alianças com a extrema direita. O Partido Socialista de Pedro Sánchez foi o grande derrotado.

Nos dias que antecederam às eleições, o partido de extrema direita distribuiu cartazes contra as ajudas sociais aos imigrantes. Ao longo dos últimos anos, Vox causou polêmicas com suas propostas. Em 2021, o partido chegou a pedir que o termo “motivação racista” fosse retirada do delito de ódio no Código Penal espanhol.

Muitos de seus adeptos e representantes são apoiadores declarados da ditadura de Franco, algo que por anos ficou abafado no cenário político e social do país. Mais recentemente, o aniversário da morte do ex-ditador passou a ser lembrado, inclusive em missas.

Oficialmente, o líder do partido insiste que Vox não tem uma posição sobre Franco, já que supostamente não existiria consenso dentro do grupo sobre o que o ditador representou na história do país.

Mas, em 2022, no Parlamento Espanhol, o deputado Francisco José Contreras afirmou que, sob Franco, houve “uma verdadeira reconciliação”. Entre os candidatos do partido, generais aposentados figuram entre seus principais nomes.

Acusados de homofóbicos, o partido ainda passou a usar a narrativa da “reconquista” como forma de buscar apoio entre espanhóis. O termo se refere ao momento da retomada do território da península ibérica por parte dos reis católicos contra muçulmanos que tinham ocupado a região.

Mais recentemente, o grupo ainda protestou contra a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Parlamento Espanhol.

Parlamento dissolvido

O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, anunciou nesta segunda-feira (29) a convocação de eleições legislativas nacionais no país para 23 de julho. A decisão foi tomada depois de o seu partido, o PSOE, ter sido derrotado pela direita nas eleições regionais e municipais. Ele perdeu para os conservadores em cinco das nove regiões autônomas que governava. Já o Partido Popular (PP, de direita) conquistou sete vitórias, duas delas com maioria absoluta, em Madrid e La Rioja.

Em declaração pública, o premiê afirmou que tomou a decisão “considerando os resultados das eleições de domingo” e informou o rei Felipe VI da “decisão de dissolver o Parlamento e proceder à convocação de eleições gerais”, que serão realizadas “no domingo, 23 de julho”. As eleições legislativas espanholas estavam previstas para ocorrer dentro de seis meses, em dezembro.

Os deputados regionais e presidentes de regiões socialistas “serão afastados” dando lugar aos eleitos do PP e do Vox, informou o chefe de governo.

O próprio Sánchez reconheceu que o significado do voto veicula mensagem que “vai além” dos resultados municipais e regionais, assumindo de alguma forma que se trata de um voto de punição contra o governo, contra a ação do Executivo.

“Como primeiro-ministro e secretário-geral do PSOE, assumo os resultados e vou submeter o resultado democrático à vontade popular”, disse ele, acrescentando que demonstra clarificação sobre a vontade da população espanhola. “Acredito que é necessário dar uma resposta”.

Levando em conta a vitória da direita, o governante acredita que é necessário um esclarecimento dos espanhóis sobre as forças políticas que devem liderar esta fase. “O melhor é que os espanhóis tomem a palavra para definir os rumos políticos do país”, frisou.

“Só há um método infalível para tirar essas dúvidas: a democracia. Creio que o melhor é que os espanhóis tomem a palavra para decidir o rumo do país”.

Sánchez justificou que “nesta altura da legislatura”, que está a seis meses do final, o governo que lidera já adotou a generalidade das reformas do programa com que tomou posse e outras que acertou com a União Europeia.

A decisão de dissolver o Parlamento e antecipar as eleições deve também significar que Sánchez renuncia à presidência espanhola da União Europeia, que começa em 1º de julho.

Pedro Sánchez é primeiro-ministro de Espanha desde 2018 e na atual legislatura, iniciada em janeiro de 2020, liderou um Executivo de coligação entre o Partido Socialista (PSOE) e a plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos. O mapa regional e autárquico da Espanha deixou de ser dominado pelos socialistas com as eleições regionais e locais de domingo, que o Partido Popular (PP, direita) ganhou, reivindicando o início de “novo ciclo político” no país.

O PSOE, à frente do governo nacional desde 2018, liderava os executivos regionais de nove das 12 regiões autônomas que tiveram eleições no domingo. Ao final da contagem dos votos, tinha perdido mais de metade, conservando apenas quatro: Astúrias, Canárias, Castela La Mancha e Navarra. No entanto, não venceu com maioria absoluta em todas as regiões e vai depender, em alguns casos, do apoio do VOX (extrema-direita) para conseguir governar, como é o caso da Extremadura, Aragão ou Baleares.

Está previsto para esta segunda-feira à tarde um Conselho de Ministros extraordinário.

A Espanha é um país racista?

Os insultos racistas proferidos contra o atacante brasileiro do Real Madrid Vinícius Júnior durante a partida de sua equipe contra o Valencia no último domingo (21/05), geraram repúdio e indignação numa escala internacional.

Alguns argumentaram que tais atitudes racistas não ocorriam no passado, algo que não é verdade, conforme evidenciado por outros jogadores e ex-jogadores de futebol. Outros tentaram minimizar a situação, alegando que a torcida valenciana chamou Vini Jr. de “tonto” e não de “macaco”.

Mas nada justifica o que aconteceu e nem mudará o tema central da discussão: aos olhos do mundo, e citando as palavras do próprio jogador afetado, a Espanha ficou com a imagem de “um país de racistas”.

Estádios de futebol como reflexo da sociedade

O que especialistas ouvidos pela DW reconhecem é que o país europeu tem dificuldades em coibir o racismo, além do que se passa nos estádios de futebol e que muitas vezes é interpretado como reflexo da sociedade.

“Não se pode dizer que a Espanha é um país racista”, disse à DW David Moscoso, professor de Sociologia do Esporte na Universidade de Córdoba. “O que é verdade é que grupos de extrema direita estão semeando uma ideologia de ódio contra estrangeiros de diferentes cores de pele ou etnias.”

Segundo o especialista, tal conduta acaba sendo “transferida para o campo do jogo, porque o esporte é mais um espaço de expressão dos valores e comportamentos da nossa sociedade”. No caso do futebol, os estádios foram convertidos num espaço onde parece ser mais fácil que se vejam comportamentos racistas e xenófobos.

Em conversa com a DW, Sebastian Rinken, sociólogo do Instituto Espanhol de Estudos Sociais Avançados (IESA), concorda que caracterizar a Espanha como um país racista não faz sentido. Mas pondera: “É inegável que existem racistas e, nesse sentido, a Espanha tem um problema com o racismo, pois não conseguiu impedir que uma parte da população continue alimentando tais atitudes.”

É possível medir quão racista é um país?

Discurso de ódio, xenofobia e racismo são situações difíceis de quantificar. Poucas pessoas se identificam como racistas ou admitem sê-lo abertamente. Além disso, as vítimas muitas vezes não reportam essas experiências negativas às autoridades.

“O racismo é uma atitude muito difícil de mensurar. Principalmente porque muitas pessoas, quase toda a população, admite que isso não é certo. Elas assimilaram a rejeição institucional às atitudes racistas e, portanto, isso não se expressa com muita liberdade”, aponta Rinken.

Rejeição a imigrantes

Uma pesquisa realizada pelo IESA no outono de 2020 revelou, porém, que pelo menos 20% da população espanhola nutre antipatia pelos imigrantes. “E poderia ser mais. Não é um valor baixo, é um quinto da população, mas não é a maioria”, acrescenta Rinken.

Essa antipatia pelos imigrantes, destaca o sociólogo, não é necessariamente motivada pelo racismo. “Mas isso não sabemos e é difícil de medir”, considera.

Após vitória eleitoral, Erdogan atira para todo lado

Antes mesmo de todas as urnas terem sido apuradas, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, já se declarara vencedor. Falando a uma multidão na capital Ancara, no fim da tarde de domingo (28/05), ele agradeceu a todos que lhe haviam possibilitado seguir governando a Turquia nos próximos cinco anos.

Referindo-se a uma “vitória da democracia”, em que ninguém perdera, o político de 69 anos prometeu estar do lado de seus apoiadores “até o túmulo”. E, como durante a campanha, passou a atacar lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.

“Meus irmãos, esse CHP não é a favor de LGBT?”, incitou, referindo-se ao Partido Republicano do Povo (CHP), de seu adversário no segundo turno do pleito presidencial, Kemal Kilicdaroglu. Em sua própria aliança eleitoral, não há uma coisa dessas, frisou Erdogan.

O conservador muçulmano acusou os meios de comunicação estrangeiros de propaganda política: periódicos alemães, franceses e ingleses teriam tentado “derrubá-lo”, mas não conseguiram. “Vocês viram os joguinhos sujos!”, afirmou aos cidadãos reunidos diante do palácio presidencial.

Kilicdaroglu: “eleição mais desleal em anos”

Segundo os resultados parciais, Erdogan obteve mais de 52% dos votos, contra cerca de 48% para o social-democrata Kilicdaroglu. A oposição concorreu com uma aliança de seis partidos, inédita na história turca, a qual, além da democratização do país, prometia adotar linha dura contra os refugiados.

Antes, nunca houvera na Turquia um segundo turno numa eleição presidencial. No primeiro, duas semanas antes, o mandatário ficou menos de cinco pontos porcentuais à frente de Kilicdaroglu e pouco abaixo da maioria absoluta.

Na opinião do candidato do CHP, tratou-se do pleito mais desleal em anos. De fato, além de deter o controle da mídia, Erdogan pôde empregar recursos estatais. Houve ainda relatos de irregularidades no escrutínio, que no entanto não alterariam os resultados.

Mais uma vez, o presidente acusou a oposição de vínculos com o terrorismo, que agora ele pretende combater com mais rigor em sua terceira década no poder. Também prometeu dominar a alta inflação no país – pela qual, no entanto, economistas responsabilizam sua política econômica antiortodoxa.

A moeda turca, que já se desvalorizou mais de 6% desde o início do ano, seguiu caindo após o fechamento das urnas, chegando a quase bater o recorde negativo, de 20,06 liras por dólar, registrado na sexta-feira.

Líderes mundiais saúdam

Entre os primeiros a saudarem o presidente reeleito, esteve seu homólogo russo, Vladimir Putin, chamando Erdogan de “querido amigo” e definindo o resultado das urnas como confirmação de sua “política externa independente”. Estado-membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mesmo após a invasão da Ucrânia pela Rússia a Turquia mantém relações tanto com Moscou e Kiev quanto com a União Europeia.

Em seguida, o chefe de Estado ucraniano, Volodimir Zelenski, declarou que aposta na “parceria estratégica” entre seu país e Ancara, esperando que, juntos, ambos contribuam para o fortalecimento da segurança e estabilidade na Europa.

Ao congratular Erdogan no Twitter, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, evitou referir-se às tensões mais recentes nas relações bilaterais: “Alegro-me de seguir cooperando, na qualidade de aliados da Otan, em assuntos bilaterais e desafios globais comuns.”

Também a Otan e a UE saudaram Erdogan por sua reeleição. O secretário geral da aliança atlântica, Jens Stoltenberg, disse estar antecipando a continuação da colaboração e os preparativos para a cúpula da Otan em julho, na capital da Lituânia, Vílnius. Da pauta consta o bloqueio do ingresso da Suécia no grêmio por parte de Ancara.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o do Conselho Europeu, Charles Michel, asseguraram que pretendem seguir impulsionando a consolidação das relações entre a UE e a Turquia. Isso é de “significado estratégico” para ambas, “pelo bem dos nossos povos”, enfatizou Von der Leyen.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *