18/05/2024 - Edição 540

Mundo

Gastos com armas nucleares sofrem alta histórica e mundo vive ameaça real

Potências abandonam pactos diplomáticos e investem em ogivas

Publicado em 12/06/2023 9:09 - Jamil Chade (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Pixabay

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Os gastos globais com armas nucleares aumentam para US$ 82,9 bilhões e 2022 representou o terceiro ano consecutivo de incremento nos investimentos das potências em ogivas atômicas.

De acordo com um novo relatório da Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares (ICAN), que produz os números mais confiáveis sobre os gastos com armas nucleares, os nove países com bombas nucleares continuam a modernizar e expandir seus arsenais, empresas obtiveram lucros bilionários e bancos ampliaram os empréstimos para o setor

Juntos, EUA, China, Rússia, França, Reino Unido, Israel, Paquistão, Índia e Coreia do Norte gastaram US$ 82,9 bilhões, 3% a mais do que em 2021. Isso representa US$ 157.664 gastos por minuto em armas nucleares em 2022.

Para a entidade, os riscos são “significativos” e podem “colocar um fim à civilização tal qual a conhecemos”.

Os dados estão sendo publicados num momento de tensão na guerra da Ucrânia, permeada por ameaças por parte dos russos sobre a possibilidade do uso de armas nucleares. “Pela primeira vez em décadas, o público geral está sendo confrontado com a ameaça real de um ataque nuclear em 2022”, disse.

A ICAN é uma coalizão de organizações de cerca de cem países que promove a adesão e a implementação do tratado de proibição de armas nucleares das Nações Unidas. Em 2017, ela venceu o prêmio Nobel. Mas, desde então, os investimentos apenas têm aumentado.

Segundo ela, o volume destinado ao setor poderia ter bancado a vacinação de dois bilhões de pessoas contra a COVID-19 ou fornecido água potável e saneamento básico a 1,275 bilhão de pessoas por um ano.

Eis os gastos por país:

  1. EUA: US$ 43,7 bilhões, US$ 83.143/ minuto
  2. China: US$ 11,7 bilhões, US$ 22.219/ minuto
  3. Rússia: US$ 9,6 bilhões, US$ 18.228/ minuto
  4. Reino Unido: US$ 6,8 bilhões, US$ 12.975/ minuto
  5. França: US$ 5,6 bilhões, US$ 10.603/ minuto
  6. Índia: US$ 2,7 bilhões, US$ 5.181/ minuto
  7. Israel: US$ 1,2 bilhão, US$ 2.226/ minuto
  8. Paquistão: US$ 1 bilhão, US$ 1.967/minuto
  9. Coreia do Norte: US$ 589 milhões, US$ 1.221/ minuto

Gasto total

– Em 2022 – $82,9 bilhões ou $157.664 por minuto

– Em 2021 – $82,4 bilhões ou $156.841 por minuto

– Em 2020 – $72,6 bilhões ou $137.666 por minuto

EUA gastam mais que todos os demais países juntos

Os maiores gastos continuam sendo realizados pelos EUA, com US$ 43,7 bilhões. “Embora esse valor tenha sido um pouco menor do que em 2021, os EUA continuam gastando mais do que todos os outros países com armas nucleares juntos”, constata a ICAN.

De acordo com o levantamento, a China gastou um quarto do total dos EUA, US$ 11,7 bilhões, um aumento de pouco mais de 6%. A Rússia foi o terceiro maior gastador, com US$ 9,6 bilhões, o que representa um aumento de 5,74% em relação ao ano anterior.

Mas o país que mais aumentou seus gastos foi a Índia, com um aumento de 21,8%. O outro país que teve um aumento de dois dígitos foi o Reino Unido, que aumentou os gastos em pouco mais de 11%.

Lobby bilionário

O que chama a atenção do grupo é que a ofensiva do lobby nuclear ganha força. Segundo a ICAN, as empresas de armamentos envolvidas na produção de armas nucleares receberam novos contratos no valor de US$ 16 bilhões em 2022. No mesmo ano, elas gastaram US$ 113 milhões em lobby junto a governos apenas nos EUA e na França.

“Globalmente, os países com armas nucleares têm contratos com empresas para a produção de armas nucleares no valor de pelo menos US$ 278,6 bilhões, continuando, em alguns casos, até 2040”, constata.

Os fabricantes de armas nucleares e os países com armas nucleares também gastaram milhões financiando o trabalho de grupos de reflexão que, por sua vez, influenciam as políticas governamentais e as atitudes do público em relação às armas nucleares.

“É terrível que esses nove países tenham gasto US$ 82,9 bilhões em 12.500 armas nucleares”, disse Susi Snyder, coordenadora do programa da ICAN e coautora do relatório.

“Esses bilhões poderiam ter sido gastos na reconstrução após a devastadora pandemia e no combate às mudanças climáticas e à perda de biodiversidade”, defendeu.

“O setor de armas está arrecadando cerca de 35% desse dinheiro, enquanto diz aos acionistas que fazer lobby contra o desarmamento nuclear é bom para os negócios. Mas, felizmente, cada vez mais investidores estão vendo as armas nucleares como um risco significativo e estão se desfazendo dessas empresas”, alertou.

“Os estados com armas nucleares não contribuíram em nada para melhorar a segurança global, pelo contrário, estão piorando a situação”, alertou Alicia Sanders-Zakre, coautora do relatório e coordenadora de políticas e pesquisas da ICAN.

“A verdadeira segurança está sendo fornecida por meio do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, no qual quase metade dos Estados membros da ONU está rejeitando essas ferramentas de terror e intimidação e colaborando para acabar com o terrorismo nuclear”, completou.

Potências abandonam pactos diplomáticos e investem em armas nucleares

Num golpe contra a diplomacia e os projetos de desarmamento, o mundo observa como governos ampliaram seus investimentos em armas nucleares. Os dados foram publicados no domingo pelo Instituto Internacional de Estocolmo para a Pesquisa da Paz (Sipri, em inglês).

Eles “continuam a modernizar seus arsenais nucleares e vários implantaram novos sistemas de armas com armas nucleares ou com capacidade nuclear em 2022”, diz o Sipri.

Do inventário global total de cerca de 12.512 ogivas em janeiro de 2023, cerca de 9.576 estavam em estoques militares para uso potencial. Isso significa 86 unidades a mais do que em janeiro de 2022.

Para a entidade, existe uma contínua deterioração da segurança global. “Os impactos da guerra na Ucrânia são visíveis em quase todos os aspectos das questões relacionadas a armamentos, desarmamento e segurança internacional examinadas”, alerta.

“Estamos entrando em um dos períodos mais perigosos da história da humanidade”, disse Dan Smith, diretor do Sipri.

“É imperativo que os governos do mundo encontrem maneiras de cooperar para acalmar as tensões geopolíticas, desacelerar as corridas armamentistas e lidar com as consequências cada vez piores do colapso ambiental e do aumento da fome no mundo”, defendeu.

Segundo o levantamento, cerca de 3.844 ogivas foram implantadas com mísseis e aeronaves, e cerca de 2.000 — quase todas pertencentes à Rússia ou aos EUA — foram mantidas em estado de alerta operacional elevado. Na prática, isso significa que foram instaladas em mísseis ou mantidas em bases aéreas que abrigam bombardeiros nucleares.

A Rússia e os EUA juntos possuem quase 90% de todas as armas nucleares. Os tamanhos de seus respectivos arsenais nucleares ficaram estáveis em 2022.

Mas um dos principais temores se refere ao colapso dos acordos que existiam entre as duas potências para garantir transparência entre elas. Isso ocorreu após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022.

Retrocessos com a guerra na Ucrânia

Segundo o Sipri, o controle de armas nucleares e a diplomacia do desarmamento sofreram grandes retrocessos após a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022.

“Na sequência da invasão, os EUA suspenderam seu diálogo bilateral de estabilidade estratégica com a Rússia. Em fevereiro de 2023, a Rússia anunciou que estava suspendendo sua participação no Tratado sobre Medidas para Redução e Limitação Adicional de Armas Estratégicas Ofensivas (Novo START) de 2010”, disse. Essa era o último tratado de controle de armas nucleares que limita as forças nucleares estratégicas da Rússia e dos EUA.

As conversações sobre um tratado complementar ao Novo START, que expira em 2026, também foram suspensas. No entanto, conforme a avaliação do SIPRI, as forças nucleares estratégicas implantadas de ambos os países permaneceram dentro dos limites do Novo START em janeiro de 2023.

Esse não foi o único golpe à diplomacia. O apoio militar do Irã às forças russas na Ucrânia e a situação política no Irã também ofuscaram as conversas sobre a revitalização do acordo de 2015 destinado a impedir que o Irã desenvolva armas nucleares.

Além disso, os EUA e o Reino Unido se recusaram a divulgar informações ao público sobre suas forças nucleares em 2022, o que haviam feito nos anos anteriores.

“Nesse período de alta tensão geopolítica e desconfiança, com os canais de comunicação entre rivais com armas nucleares fechados ou mal funcionando, os riscos de erros de cálculo, mal-entendidos ou acidentes são inaceitavelmente altos”, diz Dan Smith.

“Há uma necessidade urgente de restaurar a diplomacia nuclear e fortalecer os controles internacionais sobre as armas nucleares”, defendeu o diretor do Sipri.

China amplia arsenais nucleares

Quem ampliou seu arsenal nuclear foi a China, que passou de 350 ogivas em janeiro de 2022 para 410 em janeiro de 2023. A expectativa do instituto é de que esse número continue crescendo e não se exclui que a China poderá ter o mesmo número de mísseis balísticos intercontinentais quanto os EUA ou a Rússia até a virada da década.

“A China iniciou uma expansão significativa de seu arsenal nuclear”, afirma Hans Kristensen, pesquisador do Programa de Armas de Destruição em Massa do SIPRI e Diretor do Projeto de Informações Nucleares da Federação de Cientistas Americanos (FAS). “É cada vez mais difícil conciliar essa tendência com o objetivo declarado da China de ter apenas as forças nucleares mínimas necessárias para manter sua segurança nacional”, alertou.

De acordo com o levantamento, Índia e Paquistão parecem estar expandindo seus arsenais nucleares, e ambos os países introduziram e continuaram a desenvolver novos tipos de sistemas de lançamento nuclear em 2022. “Embora o Paquistão continue sendo o foco principal da dissuasão nuclear indiana, a Índia parece estar dando ênfase cada vez maior a armas de longo alcance, incluindo aquelas capazes de atingir alvos em toda a China”, alerta.

Já Coreia do Norte continua a priorizar seu programa nuclear militar como um elemento central de sua estratégia de segurança nacional. “Embora não tenha realizado nenhuma explosão de teste nuclear em 2022, a Coreia do Norte realizou mais de 90 testes de mísseis”, destacou. O SIPRI estima que o país já montou cerca de 30 ogivas e possui material físsil suficiente para um total de 50-70 ogivas, aumentos significativos em relação às estimativas de janeiro de 2022.

A entidade também destaca como existem informações que também apontam para o fato de que Israel esteja modernizando seu arsenal nuclear.

“A maioria dos estados com armas nucleares está endurecendo sua retórica sobre a importância das armas nucleares, e alguns estão até fazendo ameaças explícitas ou implícitas sobre a possibilidade de usá-las”, disse Matt Korda, pesquisador associado do Programa de Armas de Destruição em Massa do SIPRI. “Essa elevada competição nuclear aumentou drasticamente o risco de que as armas nucleares possam ser usadas com raiva pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial”, disse.

O Reino Unido também deve ver um crescimento do estoque de ogivas, diante do anúncio do governo britânico em 2021 de que estava aumentando seu limite de 225 para 260 ogivas. “O governo também disse que não divulgaria mais publicamente suas quantidades de armas nucleares, ogivas implantadas ou mísseis implantados”, indicou a entidade.

Outro que investiu foi a França que, em 2022, deu continuidade a seus programas para desenvolver um submarino de mísseis balísticos de terceira geração movido a energia nuclear e um novo míssil de cruzeiro lançado do ar, bem como para reformar e atualizar os sistemas existentes.

“Com programas de bilhões de dólares para modernizar e, em alguns casos, expandir os arsenais nucleares, os cinco estados detentores de armas nucleares reconhecidos pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear parecem estar se distanciando cada vez mais de seu compromisso com o desarmamento previsto no tratado”, disse Wilfred Wan, diretor do Programa de Armas de Destruição em Massa do SIPRI.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *