18/05/2024 - Edição 540

Mundo

Fascistas voltam ao poder na Itália

Ameaçada de perder Brasil, extrema direita festeja sobrevivência na Europa. No Brasil, Eduardo Boslonaro comemora

Publicado em 26/09/2022 3:14 - DW, Jamil Chade (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone by Midjourney

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

A aliança de direita formada pelos partidos Irmãos da Itália (Fratelli d’ItaliaFdI), Liga e Força Italia (FI), saiu vencedora das eleições parlamentares italianas de domingo (25) ao obter 43,9% dos votos, segundo resultados parciais, após a contagem de cerca de 99% das urnas.

O partido de ultradireita FdI, de raízes pós-fascistas e liderado por Giorgia Meloni, é o mais votado, de acordo com o levantamento, tendo obtido 26,1% dos votos. Seus parceiros de coalizão conseguiram percentuais bem menores, a Liga, de Matteo Salvini, obteve 8,8% e a FI, do magnata Silvio Berlusconi, 8,1%. A aliança de direita deve conseguir maioria suficiente para controlar as duas casas do Parlamento.

A coalizão progressista liderada pelo Partido Democrático (PD), encabeçado por Enrico Letta, ficou com 26,2%. Com 15,3%, o Movimento Cinco Estrelas (M5S) se tornou o terceiro partido no país – atrás do PD, que obteve, isoladamente, 19,10%.

Com a vitória da aliança de direita, a Itália terá o governo mais à direita desde a Segunda Guerra Mundial, com Meloni, de 45 anos, possivelmente se tornando a primeira mulher a liderar o Executivo do país, já que seu partido foi o mais votado.

Meloni minimiza as raízes pós-fascistas de sua legenda e a retrata como uma sigla conservadora. Ela prometeu durante a campanha apoiar a política ocidental de apoio à Ucrânia e não correr riscos indevidos com a terceira maior economia da zona euro.

O nível de participação no pleito foi menor do que na eleição anterior, tendo sido de cerca de 65 %, frente aos 73% da última votação, em 2018, segundo os primeiros dados oficiais do Ministério do Interior.

Inflação e energia

A campanha eleitoral foi dominada por temas como inflação e custos da energia. No entanto transcorreu durante o verão, com muitos italianos de férias, e só incluiu um debate na televisão: entre Meloni e Enrico Letta, do PD, primeiro-ministro italiano de 2013 a 2014.

Durante a campanha, a coligação de direita prometeu combater a “islamização” da Europa, a favor de “italianos em primeiro lugar” e propôs a flat tax, uma escala única de impostos para todos os cidadãos, independentemente dos salários. Os três partidos apresentam diferenças marcantes, por exemplo, em seu posicionamento perante a União Europeia e a guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia.

As eleições deste domingo foram convocadas depois que o Movimento Cinco Estrelas decidiu abandonar a coalizão governamental e o primeiro-ministro Mario Draghi renunciar, em julho, fazendo cair o governo, dois anos após sua formação.

Ameaçada de perder Brasil, extrema direita festeja sobrevivência com Itália

Depois de se manter em silêncio por semanas, o movimento de extrema direita respirou aliviado no domingo e comemorou. Para os líderes ultraconservadores, a ameaça de perder a eleição no Brasil foi em parte compensada com a vitória de Giorgia Meloni na Itália.

Com a derrota do governo de Donald Trump, nos EUA, grupos de extrema direita focaram suas atenções no Brasil e em sua capacidade diplomática de influenciar na agenda internacional. Emails internos de membros da Casa Branca chegaram a recomendar aos integrantes do movimento ultraconservador que o ponto focal da agenda reacionária passaria a ser o governo de Jair Bolsonaro, na ausência de Trump.

Mas, entre os membros dos grupos de extrema direita, o cenário de uma derrota de Bolsonaro já passou a ser considerado inclusive com um fortalecimento do campo progressista em toda a América Latina. A preocupação, portanto, era sobre quem teria a capacidade de levar adiante a agenda reacionária, já que países como Hungria, Sérvia ou Polônia têm um impacto limitado no cenário internacional.

De acordo com lobistas do movimento de extrema direita na ONU, a queda do governo de Mario Draghi, na Itália, reabriu as esperanças do grupo que, ao longo da campanha de Meloni, se manteve estrategicamente discreto.

O objetivo do relativo silêncio era o de não dar sinais de radicalismo e buscar, justamente com um tom de moderação, votos suficientes para chegar ao poder. Temas como imigração, aborto ou LGBT foram substituídos pelo debate sobre a inflação e a renda dos italianos.

Funcionou.

Mas assim que os resultados foram anunciados, uma avalanche de comentários e declarações foram feitas por parte das principais lideranças da extrema direita mundial, muitos deles processados por desmontar a independência do Judiciário ou ameaçar a democracia. Segundo a coluna apurou, o sentimento foi de “alívio” e uma esperança de que, mesmo sem o Brasil de Bolsonaro, o movimento poderia sobreviver no cenário internacional, agora com Meloni.

Um dos exemplos desse sentimento veio de Santiago Abascal, o líder do partido de extrema direita Vox da Espanha e um dos aliados do clã Bolsonaro no Brasil. “Milhões de europeus estão depositando suas esperanças na Itália”, escreveu.

A líder da extrema direita na França, Marine Le Pen, foi outra que acumulou em maio 13 milhões de votos em seu país e chegou ao segundo turno da eleição presidencial adotando um tom “moderado”, mas sem mudar seu plano de governo. Nesta segunda-feira, ela comemorou o êxito de sua colega em Roma. “O povo italiano decidiu tomar seu destino em mãos, elegendo um governo patriótico e soberanista. Parabéns a Giorgia Meloni e a Matteo Salvini por terem resistido às ameaças de uma União Europeia antidemocrática e arrogante, conquistando esta grande vitória”, disse.

Na Alemanha, o partido Alternative für Deutschland (AfD) também festejou a vitória. “Apesar de todos os avisos antidemocráticos do presidente da comissão Von der Leyen e de outros políticos, os italianos, como os democratas suecos antes deles, decidiram a favor de uma mudança política”, disse o grupo, que está sob monitoramento das autoridades alemãs por ameaçar a democracia.

“Esse sucesso eleitoral é mais uma vitória para o bom senso. A Alemanha parece bastante solitária na Europa neste momento”, alertou o grupo, numa referência ao governo de centro-esquerda em Berlim.

Balázs Orbán, braço direito do primeiro-ministro Viktor Orbán, também mostrou sua satisfação. “Nestes tempos difíceis, precisamos mais do que nunca de amigos que compartilhem de uma visão e abordagem comum aos desafios da Europa”, escreveu. Orbán é considerado como o epicentro da extrema direita na Europa. Mas vem sofrendo ataques por parte da Comissão Europeia, alarmada com sua atitude de desmonte do poder Judiciário. Agora, conta com uma aliada providencial.

Eduardo Bolsonaro comemora extrema direita na Itália com vídeo que ataca “lobby LGBT”

Eduardo Bolsonaro, deputado e filho do presidente Jair Bolsonaro, comemorou nas redes sociais os primeiros resultados da eleição na Itália e que dão a vitória ao movimento ultraconservador. Ao citar a provável nova primeira-ministra, Giorgia Meloni, o parlamentar postou um vídeo no qual ela ataca o “lobby LGBT”, a imigração e o islamismo.

O vídeo foi retirado de um encontro de Meloni num evento organizado pela extrema direita espanhola, também aliada do bolsonarismo. “Sim à família natural, não ao lobby LGBT”, declarou Meloni. Ela ainda completa: “Sim à identidade sexual. Não à ideologia de gênero”.

Num outro trecho, ela também ataca a imigração e faz uma defesa do cristianismo. “Sim à universalidade da cruz, não à violência islâmica. Sim às fronteiras seguras. Não à imigração em massa”, declarou. “Sim à nossa civilização e não aqueles que querem destruídos”, completou.

Eduardo Bolsonaro ainda tentou minimizar a relação do partido de Meloni com o fascismo, alertando que a “mídia” vai dizer que o “fascismo da ultradireita” venceu. “Assim como o Brasil, a Itália agora é “Deus Pátria e Família”, afirmou o parlamentar brasileiro.

Meloni, hoje com 45 anos, presidiu a ala jovem da Aliança Nacional, um bloco político que nasceu das cinzas do fascismo. Para alguns analistas na Itália, Meloni e seu partido representam o que poderia ser chamado de “movimento pós-fascista”.

Seus críticos apontam que o movimento está repleto de símbolos do passado. Sua sede, por exemplo, continua sendo na Via della Scrofa 39, o mesmo local ocupado desde 1946 pelos grupos nacionalistas que herdaram o movimento político de Benito Mussolini.

Ao longo dos últimos anos, o jornal ligado ao grupo político, Secolo d’Italia, publicou colunas que flertavam com algumas das principais ideias fascistas.

No partido que hoje se apresenta como uma das forças políticas do país está ainda Rachele Mussolini, neta de Benito Mussolini e vereadora de Roma pelo partido de Meloni.

Durante sua meteórica carreira política, as declarações de Meloni deixaram margem para dúvidas. Numa delas, ela disse que Mussolini tinha uma “personalidade complexa”. Numa autobiografia, ela tampouco rompe com o passado. “Somos os filhos de nossa história, de toda nossa história”, disse. “O caminho que percorremos é complexo, muito mais complicado do que muitos querem que acreditemos”, escreveu.

Assim como Bolsonaro, Meloni mantém uma estreita relação com o húngaro Viktor Orbán, com a ultradireita da França e da Espanha, além de participar de eventos políticos e religiosos nos EUA ao lado ex-presidente Donald Trump.

“Moderada”, líder do partido pede que aliados evitem saudação fascista

Mas, assim como ocorreu na França com Marine Le Pen, Meloni passou a suavizar seu tom ultraconservador nas últimas semanas. A meta era a de ampliar sua base de votos.

Uma das decisões foi a de enviar uma orientação a todos os membros de seu partido, instruindo aos candidatos e apoiadores a não usar a saudação fascista em eventos. Ela também pediu que declarações extremistas sejam abandonadas e que os grupos evitem fazer referências ao fascismo.

Sua agenda também foi modificava. No lugar dos temas tradicionais da extrema direita, a ordem é a de focar em benefícios para as famílias, redução de burocracia e impostos. Mas o tema da imigração não desapareceu e um de seus slogans é direto: “Itália e os italianos primeiro”.

Ao contrário de outros movimentos de extrema direita na Europa, ela evitou qualquer sinalização positiva ao presidente russo, Vladimir Putin, e insiste que, se eleita, a Itália estará ao lado dos ucranianos. Meloni também abandonou em parte das críticas contra a Comissão Europeia, uma das bandeiras dos ultranacionalistas. A mudança de tom surtiu efeito e sua base de apoio foi ampliada para além das zonas rurais.

Mas tanto a oposição como grupos de direitos humanos alertam que a mudança de tom pode ser apenas uma estratégia eleitoral. Um exemplo para muitos é o que ocorreu em 2017 quando a extrema direita chegou ao poder na pequena cidade de Ladispoli.

Uma das medidas anunciadas foi rebatizar a praça central. O nome escolhido: Giorgio Almirante, um dos ministros do governo fascista de Mussolini. E a inauguração da nova placa chegou a ser benzida por um bispo local.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *