18/05/2024 - Edição 540

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Extrema direita leva uma ‘ducha de água fria’ na Argentina

Massa passa Milei com temor por transporte caro e ‘bolsonarização’ de armas

Publicado em 23/10/2023 11:48 - Leonardo Sakamoto - UOL

Divulgação Reprodução

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Após uma campanha eleitoral em que adversários apontaram os riscos que um governo de ultradireita significará, com cortes de subsídios a serviços públicos e violência nas escolas com a liberação de armas, o peronista Sergio Massa passou para o segundo turno à frente do seu adversário Javier Milei, com 36,6% a 30%.

Vai ser uma disputa difícil, talvez tão apertada quanto àquela que tivemos no ano passado no Brasil – cuja eleição terminou com 1,8 ponto percentual de diferença. Vale lembrar que, desde o começo, a eleição argentina é basicamente de duas forças à direita contra uma à esquerda.

Mas o resultado é uma ducha fria na cabeleira de Milei, que trabalhava com a hipótese de vitória no primeiro turno.

Os eleitores da candidata de centro-direita, Patricia Bullrich (24% dos votos), são majoritariamente antiperonistas. Natural, portanto, que a maior parte de seus votos caminhem para Milei, independentemente da posição que ela adotar no segundo turno (se depender do ex-presidente Mauricio Macri, nome forte de seu partido, ela abraça o ultradireitista).

Mas nem todos os seus eleitores devem migrar para ele, porque boa parte deles não são antissistema e desconfiam do discurso de ataque às instituições propagado pelo candidato outsider.

Deve entrar na conta de Massa a maioria dos votos do peronista Juan Schiaretti e da candidata de esquerda Myriam Bregman, que terminaram com 6,8% e 2,7% dos votos, respectivamente. O que dá quase 10%, o que não é desprezível.

Logo depois das primárias, em que Milei saiu na frente, eu disse aqui no UOL que o eleitor argentino ficaria com receio de perder os serviços públicos garantidos pelo Estado, que estão na mira do candidato de ultradireita. E isso poderia fazer a diferença para manter o peronismo no poder.

Não à toa, a campanha de Sergio Massa se dedicou a mostrar o que pode acontecer com os preços dos serviços se os subsídios que Milei prometeu cortar forem realmente para o espaço. O metrô de Buenos Aires ganhou propagandas com o valor da passagem com a ajuda pública (56 pesos) e sem ela (1100 pesos).

Aqui vale uma explicação importante. A força de instituições como sindicatos e partidos é grande na Argentina, principalmente no peronismo kirchnerista. Isso não significa desprezar a força das redes sociais, usadas por jovens apoiadores de Milei, e que ajudaram a eleger e a quase reeleger Bolsonaro. Mas também mostra que o processo político tradicional não está morto.

Pelo contrário, os anúncios no metrô, obra do sindicato, mostram isso.

Além disso, também bateu-se muito na proposta de Milei de substituir a educação pública gratuita pela distribuição de vouchers para famílias pagarem a escola dos filhos.

Se você acha isso familiar, é porque tem boa memória. O governo Jair Bolsonaro tentou emplacar a mesma medida estapafúrdia com creches e escolas, mas, por sorte das crianças e adolescentes brasileiros, não teve competência para tanto.

Outra coisa em comum com o pacote bolsonarista é que ambos são a favor da flexibilização do acesso a armas para a população, sendo que o ex-presidente facilitou o acesso a pistolas, fuzis e munição ao cidadão comum durante seu mandato.

Tanto que, durante uma entrevista ao canal de TV argentino C5N, neste domingo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que foi ao país apoiar Milei, defendeu a liberação de armas.

Com isso, a transmissão de sua fala foi cortada e ele foi ridicularizado pelos jornalistas. O apresentador, Gustavo Sylvestre, ironizou: “por isso que os brasileiros, com lógica, tiraram o seu pai do poder, felizmente”.


A posição “bolsonarista” de Milei quanto à liberação das armas foi amplamente explorada na reta final da campanha, o que também pode ter provocado medo em parte do eleitorado, que já sofre com graves problemas de segurança pública. Tanto que o tema, incluindo ações de gangues e homicídios, vem sendo central da eleição.

Por conta disso, no último debate presidencial, Patricia Bullrich atacou o candidato ultradireitista. “Milei quer liberar as armas e as armas liberadas vão cair nas mãos dos deliquentes, dos traficantes”, disse ela, que é ex-ministra exatamente da Segurança Pública do governo Macri.

“Para as mães e pais, digo a vocês que, se liberarem as armas, vão parar nas mãos dos traficantes e vão terminar em massacres nas escolas”, afirmou a candidata – em uma clara referência ao que acontece no Brasil e nos Estados Unidos. Ele defende o mesmo que Bolsonaro, que se bandidos têm armas, o resto dos cidadãos também precisa ter.

Milei terá até o dia 19 de novembro para trazer os eleitores de Bullrich, modular seu discurso quanto a temas polêmicos e mostrar que não é doido.

Ao mesmo tempo, Massa precisará aprofundar a campanha que mostra o impacto negativo das promessas de Milei para uma sociedade que, historicamente, defende a ideia de Estado de bem-estar social, além de conseguir algum resultado no controle da inflação.

Para ambos, trazer novos eleitores para o processo será decisivo. A abstenção, neste domingo (22), registrou 22%.

Por curiosidade: a campanha de Lula lutou para reduzir a abstenção – que passou de 20,95%, no primeiro turno, para 20,58%, no segundo. Parece pouco porque esconde algo maior, uma vez que o ano de 2022 foi a primeira vez em que o não comparecimento na etapa final foi menor que na etapa inicial de votação.


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