18/05/2024 - Edição 540

Mundo

Dez mil mortos em Gaza exibem esforço de Israel em passar de vítima a vilão

Nova lista autoriza 605 estrangeiros a deixarem a região: alvos da vingança israelense, brasileiros, novamente, não estão incluídos

Publicado em 07/11/2023 9:52 - Leonardo Sakamoto (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles), Nicolás Satriano (ICL Notícias), Lucas Pordeus León (Agência Brasil)

Divulgação Yasser Qudih/AFP via Getty Images

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O conflito entre o governo de Benjamin Netanyahu e o Hamas completou um mês ontem (6), com Gaza registrando 10 mil mortos – fruto do cerco e dos bombardeios israelenses. Isso é sete vezes o número de vítimas do ataque terrorista do Hamas em Israel. Uma criança morre a cada 10 minutos em Gaza, segundo a ONU.

Em religiões como o cristianismo e o judaísmo, o número 7 é poderoso. Neste caso, ele também é emblemático: está marcando um momento de virada na percepção internacional. O Estado de Israel, que era a vítima inicial deste capítulo do conflito, resolveu por conta própria também se tornar um vilão.

À medida em que as imagens das atrocidades do Hamas em Israel são soterradas em número pelas imagens de atrocidades do governo Netanyahu na Palestina, os entendimentos iniciais ganham contorno diferentes. Pedaços de corpos de crianças e corpos destruídos ao lado de ambulâncias atacadas fazem questionar se o “direito de resposta ao terrorismo” também pode incluir crime de guerra e crimes contra a humanidade.

Soma-se a isso o fato de que Tel Aviv e Washington rechaçam um cessar-fogo e a abertura de corredores humanitários, impedindo qualquer resolução do Conselho de Segurança ou acordo internacional nesse sentido. Agravam a fome, a sede e o desespero representado por médicos em hospitais sem energia que operam sem anestesia e com a luz do celular.

Os convites a jornalistas em vários países para mostrar imagens das execuções de crianças pelo Hamas confirmam que Israel sabe que vem perdendo terreno na dimensão simbólica da guerra e tenta contra-atacar.

A questão é que a popularização das redes sociais fizeram com que qualquer morador de Gaza com um celular na mão, apontando para a realidade à sua frente, seja mais eficaz que uma bazuca. Essas imagens alimentam manifestações em massa, inclusive nos EUA, pedindo o fim das hostilidades.

Dois efeitos colaterais do conflito são o aumento preocupante tanto do antissemitismo e da islamofobia – há imbecis dos dois lados. Isso preocupa a classe média urbana israelense e judeus em todo o mundo, o que aumenta a pressão sobre o governo Netanyahu – que precisa de uma vitória indiscutível e rápida para tentar se manter no poder após a falha vergonhosa de sua inteligência em prever os ataques.

Jornais israelenses já discutem que a janela de Netanyahu está se fechando. A questão: é quantos de civis inocentes mais ela vai gerar enquanto continuar aberta com a conivência, a incompetência e a inoperância internacional?

Gaza, um cemitério a céu aberto para crianças e adolescentes

Em média, um menor de idade é morto e dois são feridos a cada 10 minutos em Gaza desde o início do conflito entre Israel e Hamas, em 7 de outubro, informou a agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês).

É preciso dizer mais o que para que cesse a guerra entre Israel e Hamas? Se não basta, então vamos lá. Mais de 10 mil pessoas morreram na Faixa de Gaza; entre elas, 4.104 menores de idade e 2.641 mulheres. O número de feridos subiu para 25.408.

Centenas ainda estão desaparecidas e podem estar sob os escombros. Dos 2,2 milhões de habitantes do enclave, metade é menor de idade. A falta de suprimentos essenciais, como água e energia, põe em risco a sobrevivência de bebês em incubadoras.

A Faixa de Gaza, hoje, é um “cemitério a céu aberto para milhares de crianças e adolescentes”, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e para seus pais, tios, parentes próximos e distantes. Faz um mês que a guerra começou.

Carnificina avança com o cerco de Israel à cidade de Gaza

Com seus bulevares, praças e casas de padrão bem superior ao quadro geral de pobreza de Gaza, Rimal, o local mais sofisticado e considerado um dos mais seguros da cidade de Gaza, foi reduzido a pó sob o peso de intenso bombardeio israelense.

Vingança devido à invasão de Israel pelo grupo radical Hamas? As Forças de Defesa de Israel dizem que não, que Rimal apenas pagou o preço de abrigar dirigentes do Hamas. E eles estavam lá quando as bombas caíram? Ninguém sabe.

Os militares dizem que muitos estavam, mas não é possível verificar. Dizem também que havia dirigentes do Hamas no comboio de ambulâncias que levariam feridos para o Egito. Por isso, algumas delas foram bombardeadas.

A alegação dos militares procede? Ninguém sabe, nem eles mesmos. Sabe-se que o bombardeio matou e feriu dezenas de civis, como ocorreu com ataques a hospitais, escolas, a universidade de Gaza, e campos de refugiados em áreas urbanas. Guerra que segue.

Ou melhor: mortes que seguem. Amanhã completará um mês dos ataques terroristas do Hamas contra Israel. A carnificina não tem data para acabar. Dentro de 48 horas, a cidade de Gaza estará completamente cercada pelo exército de Israel.

Pela terceira vez, a internet e as linhas telefônicas foram cortadas na Faixa Gaza. É o aviso de que as portas do inferno se abrirão de novo. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu voltou a rejeitar os apelos para um cessar-fogo sem que os reféns sejam libertados.

O Hamas já ofereceu a libertação dos reféns, mais de 240, em troca da suspensão dos bombardeios. Netanyahu finge que não escutou. No fim de semana, a intensificação do conflito refletiu-se ainda na fronteira Norte de Israel com o Líbano.

Ali, três crianças com idades entre os oito e os 14 anos, e a sua avó, foram mortas quando um ataque israelense atingiu o carro que as transportava. O ministro dos Negócios Estrangeiros libanês anunciou que irá queixar-se à ONU. Adiantará alguma coisa?

Em Gaza, Israel bombardeou outro campo de refugiados, o de Maghazi, no centro do território. Pelo menos 47 pessoas foram mortas, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza. Já morreram 9.770 palestinianos, dos quais 4.800 crianças.

Saeed al-Nejma, de 53 anos, que dormia com sua família em Maghazi quando as bombas caíram, disse à agência inglesa de notícias Reuters: “De noite, eu e outros homens tentamos recolher os mortos entre os destroços. Apanhamos crianças, pessoas desmembradas, pedaços de corpos”.

Os movimentos de protesto contra a guerra em Gaza em muitos países tiveram uma evolução preocupante na Turquia no dia em que era esperada a chegada ao país do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.

Manifestantes pró-Palestina tentaram invadir a base militar dos Estados Unidos de Incirlik. Foram dispersados pela polícia com canhões de água e bombas de gás lacrimogêneo. A saída de cidadãos feridos em Gaza para o Egito continuou suspensa.

O domingo ficou marcado por mais dois episódios. O ministro do Património de Israel, Amichay Eliyahu, disse que lançar uma bomba atômica em Gaza era “uma opção”. Netanyahu desautorizou-o dizendo que ele estava “desligado da realidade”.

O Comando Central dos Estados Unidos comunicou que um submarino nuclear foi enviado ao Oriente Médio. Ele irá juntar-se a dois porta-aviões, o USS Gerald Ford e o USS Dwight D. Eisenhower, que já estão na região desde o início da guerra.

Brasileiros retidos em Gaza

Foi divulgada uma nova lista com nomes de 605 estrangeiros autorizados a deixar a Faixa de Gaza. Entretanto, nenhuma das pessoas que passam a entrar na fila de espera para sair da região é brasileira. A relação publicada hoje, terça-feira (7), foi essa:

  • Alemanha (159 pessoas);
  • Canadá (80);
  • França (61);
  • Filipinas (46);
  • Moldávia (51);
  • Reino Unido (2);
  • Romênia (104);
  • e Ucrânia (102).

O grupo de mais de 30 brasileiros segue à espera de terem os nomes incluídos na lista. O que não significa que será o fim do tormento. Mesmo constando na relação, eles ainda terão que esperar serem chamados para atravessar a Passagem de Rafah, único acesso de Gaza ao Egito e por onde a ajuda humanitária tem entrado a conta gotas.

Enquanto isso, novos bombardeios são realizados por Israel, inclusive no sul de Gaza.

Arquivo Reuters – Costas Baltas

Ícone da causa palestina, ativista Ahed Tamimi é presa por Israel

A jovem ativista palestina Ahed Tamimi, de 22 anos, foi presa na madrugada de segunda-feira (6) pelo Exército de Israel na Cisjordânia ocupada. Ícone da resistência palestina, Tamimi foi acusada de “incitação ao terrorismo”.

Segundo o Exército israelense, Tamimi foi detida em uma operação “destinada a deter indivíduos suspeitos de estarem envolvidos em atividades terroristas e de incitamento ao ódio”, segundo a agência internacional de notícias RTP.

A ativista ficou mundialmente famosa aos 14 anos, em 2012, ao ser filmada mordendo um soldado israelense para tentar impedir a detenção do irmão mais novo. Em 2017, ela ficou detida por oito meses por ter dado tapas em dois soldados israelenses próximo à residência da sua família, em Nabi Saleh, na Cisjordânia Ocupada, enquanto pedia que eles fossem embora. Em relatório divulgado à época, a Anistia Internacional considerou que Ahed Tamimi foi “presa injustamente”.

Em uma rede social, o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Bem Gvir, publicou uma foto da ativista sendo presa e comemorou a detenção. “Tolerância zero com terroristas e apoiadores do terrorismo”, disse.

A prisão de Tamimi ocorre em meio a uma série de operações do Exército de Israel na Cisjordânia ocupada, que viu a violência aumentar após o ataque do Hamas contra Israel, no dia 7 de outubro.

Desde então, o número de palestinos assassinados por força de Israel na Cisjordânia chegou 141, incluindo 43 crianças. Outros oito palestinos foram mortos por colonos israelenses e dois israelenses foram mortos por palestinos, segundo informe do Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários (Ocha).

O Ministério da Saúde da Faixa de Gaza informou que pelo menos 10.022 palestinos foram mortos, incluindo 4.104 crianças, em ataques israelenses em Gaza desde 7 de outubro, segundo a agência Reuters.

O território da Palestina reconhecido internacionalmente é formado pela Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, e pela Cisjordânia, controlada parcialmente pela Autoridade Palestina, entidade essa que, ao contrário do Hamas, é reconhecida por Israel e pela maior parte da comunidade internacional como o legítimo representante do povo palestino.


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