18/05/2024 - Edição 540

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Como Milei pode interferir nas relações Brasil-Argentina?

Lula tenta avançar em acordo entre Mercosul e União Europeia

Publicado em 21/11/2023 11:16 - Lucas Pordeus León e Sabrina Craide (Abr), Lucas Neiva (Congresso em Foco), DW, ICL Notícias – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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A vitória do candidato de extrema direita Javier Milei para presidência da Argentina, no domingo (19), levantou dúvidas em relação ao futuro das relações diplomáticas e econômicas entre Brasil e Argentina devido a posturas do candidato ao longo da campanha. Milei defendeu a saída da Argentina do Mercosul, mas depois recuou e passou a defender apenas mudanças no bloco econômico, que reúne também Uruguai, Brasil e Paraguai.

Milei disse também que não faria negócios com o Brasil, nem com a China, os dois principais parceiros comerciais da Argentina, e ainda fez duras críticas contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lançando dúvidas sobre as relações entre os dois países. A Argentina, afinal, é o terceiro principal destino das exportações brasileiras, perdendo apenas para China e Estados Unidos.

Para entender como a vitória do extremista pode afetar as relações com o Brasil, ouvimos especialistas que estudam a América Latina.

Para o professor Nildo Ouriques, a relação entre Brasil e Argentina, dada a dependência entre os dois países, não deve ser alterada. O presidente do Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (Iela-UFSC) defendeu que a política é feita de atos, não de declarações.

“Uma campanha eleitoral na América Latina não tem a menor importância prática se você não vincular as declarações com os atos. Vamos ver o que o Milei vai fazer, mas será muito pouco. O Mercosul é o paraíso das multinacionais. Por isso mesmo, o bloco não corre nenhum risco. Acha que Lula ou Milei vão se enfrentar com as multinacionais? De jeito nenhum. Das 15 maiores empresas do comércio entre Brasil e Argentina, 13 são multinacionais”, explicou.

Ouriques acrescentou que as relações comerciais vão depender das condições econômicas dos dois países. “Pode aumentar o comércio do Brasil com a Argentina de Milei se for de interesses das multinacionais e dos comerciantes argentinos. O resto é discurso, é a arte de iludir necessária para processos eleitorais”, destacou.

O cientista político argentino Leandro Gabiati destacou que aliados e assessores do futuro presidente da Argentina, apesar de afirmarem que ele não terá relação pessoal com o presidente Lula, afirmam que haverá contatos institucionais via Itamaraty ou ministérios.

“Ainda que os dois presidentes não conversem diretamente, há interesses em comum que farão com que as relações entre os dois países continuem relativamente normais. Enxergo como algo parecido com o que aconteceu entre o ex-presidente Bolsonaro e o presidente argentino Alberto Fernández. Os dois não dialogaram durante suas gestões, mas muita coisa continuou avançando”, ponderou.

Gabiati acredita, porém, que medidas de teor liberal, ainda que não tire a Argentina do Mercosul, pode enfraquecer o bloco. “Não será uma relação fácil entre Argentina e Brasil, mas não se chegará ao radicalismo de tirar a Argentina do Mercosul porque isso traria sérios impactos para economia e indústria argentina”, afirmou.

O professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) Giorgio Romano Schutte ressaltou que ainda é cedo para avaliar como ficarão as relações entre os dois países, mas acredita que o comércio não deve ser alterado.

“As relações comerciais são feitas por atores econômicos. Isso não deve sofrer tanto. O comércio vinha sofrendo por causa da situação econômica na Argentina. Agora, há um fato de incerteza, que é de como os investidores vão avaliar a eleição. Mas a tendência é que as relações comerciais existentes não devem sofrer tanto assim”, ponderou.

Sobre o Mercosul, Schutte avaliou que Milei pode tentar mudar as regras, mas que caberá ao Brasil resistir. Além disso, destacou que as propostas do atual governo do Brasil de revitalizar a integração latino-americana devem ser prejudicadas, devido a postura do futuro presidente argentino. “Essa ideia de fortalecer a inserção brasileira no mundo por meio de uma integração latino-americana vai ficar muito difícil”, acrescentou.

Brics  

A pesquisadora do Observatório de Política Externa e da Isenção Internacional do Brasil (Opeb) Audrey Andrade Gomes destacou que a vitória de Milei deve reduzir a coesão do Mercosul e interferir no Brics, bloco econômico que o Brasil participa e reúne potências emergentes, como China, Rússia, África do Sul e Índia e que, recentemente, incluiu a Argentina no bloco.

“Talvez ele não consiga cumprir suas promessas de campanha, como a distância que ele quer manter com a China e o Brasil. Ele não tem como se desvencilhar dos principais parceiros da Argentina. Mas, ainda assim, ele pode criar problemas de integração que dificultem a coesão e solidez do Mercosul. Mas o problema maior é o Brics, porque esse bloco tem proposta de usar outra moeda para transações comerciais que fujam ao dólar e essa não é a proposta do Milei”, afirmou. Milei defende que a Argentina adote o dólar estadunidense como moeda nacional do país.

Governistas temem flertes autoritários de Milei e afastamento do Brasil

Logo após o anúncio da vitória de Milei, líderes do governo brasileiro na Câmara e no Senado desejaram sucesso ao futuro presidente, mas manifestaram receio com posições autoritárias e a possibilidade de o país vizinho se isolar e se afastar do Brasil.

O presidente Lula foi o primeiro chefe de Estado a se pronunciar em suas redes. Sem citar o nome de Milei, parabenizou a Justiça eleitoral da Argentina, ressaltando que “a democracia é a voz do povo, e ela deve ser sempre respeitada”. O mandatário desejou sorte ao novo governo, garantindo que “o Brasil sempre estará à disposição para trabalhar junto com nossos irmãos argentinos”.

Alexandre Padilha, secretário de Relações Institucionais do Planalto, somou-se à fala do presidente. “Desejo sucesso e prosperidade para o país sob a nova liderança”, declarou. O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), replicou o gesto, porém demonstrando sua preocupação com os caminhos do país vizinho. “Independentemente do resultado, Javier Milei deve governar para todos e manter o diálogo com todos os países. É o que se espera de um chefe de Estado”, publicou.

A preocupação de Contarato não acontece por acaso. Ao longo de sua campanha, Javier Milei anunciou que romperia relações com países não alinhados à sua pauta, incluindo o Brasil, que é o terceiro maior parceiro comercial da Argentina. O senador acrescentou o desejo de “que as autoridades eleitas considerem sempre o necessário e imperioso compromisso com os Direitos Humanos”.

O senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), líder do governo no Congresso Nacional, foi direto ao expressar o temor quanto às consequências da vitória eleitoral de Milei. “O resultado das eleições argentinas corroboram que o avanço da extrema-direita, potencializado pelas redes, é uma realidade em todo o mundo. (…) Para nós, no Brasil, fica a lição e o alerta. É preciso estar atento e forte!”, afirmou.

A deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do PT, também ressaltou o temor a respeito do impacto de Milei sobre os caminhos do Brasil. “Seguiremos solidários no desafio de construir a integração entre nossos países e o fortalecimento do Mercosul. Esperamos que tais esforços não sejam interrompidos pelo novo governo, porque representam a possibilidade de um futuro melhor e mais justo para toda a América do Sul”, disse em seu perfil no Twitter.

O PT deu apoio oficial direto à candidatura do peronista Sergio Massa, tendo inclusive enviado publicitários à Argentina para auxiliar em sua campanha. Gleisi destacou a importância de reconhecer a derrota, manifestando a confiança na força de oposição eleita ao parlamento. “Confiamos que o povo argentino e suas instituições saibam atravessar este novo e duríssimo teste para a sua democracia, representado pela eleição de Milei”.

O cientista político André Pereira César, da consultoria legislativa Hold, explica que a vitória de Milei ao Poder Executivo não foi acompanhada pela formação de maioria em nenhuma das Casas legislativas do país. Além disso, ao contrário do que comumente acontece no Brasil, não há uma ala pragmática expressiva no Congresso argentino, como o Centrão brasileiro. “Javier Milei vai governar com sérias dificuldades, havendo risco de sequer concluir o mandato”, apontou.

Juliano Medeiros, dirigente e ex-presidente do Psol, que foi à Argentina acompanhar a campanha de Sergio Massa, também defendeu que a oposição mantenha a postura firme durante o próximo governo. “Já vivemos tragédia semelhante à que viverão os argentinos com Milei. E sabemos como vencer: resistência, unidade e mobilização. Os irmãos e irmãs argentinas podem contar com os lutadores e lutadoras do Brasil. Derrotar a extrema direita é missão de todos nós”, relembrou.

Milei pode dificultar pacto Mercosul-UE, diz ministro alemão

O ministro alemão da Agricultura, Cem Özdemir, disse ontem (20) que a eleição de Milei pode criar dificuldades para a aprovação do acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul.

“Temos que nos apressar, não será fácil, o ambiente será mais difícil, o populismo está aumentando tanto lá [na América do Sul] quanto aqui [na Europa]”, disse Özdemir ao chegar a uma reunião do Conselho de Agricultura em Bruxelas.

“Nem todo mundo entendeu ainda que não estamos sozinhos no mundo, que há muitas potências que têm uma agenda diferente, que querem que os autoritários prevaleçam”, destacou o ministro alemão.

Ele pediu que as democracias e “aqueles que estão interessados em que lideremos o caminho para a proteção da floresta tropical” trabalhem “juntos” para que “governos autoritários, tanto aqui quanto lá, não ganhem força”.

No segundo turno das eleições argentinas no domingo e, durante a campanha, o extremista de direita demonstrou sua rejeição ao Mercosul, chegando a defender a saída da Argentina do bloco, o qual classificou como “união aduaneira de má qualidade, que cria distorções comerciais e prejudica os membros”.

Também ontem, um porta-voz da Comissão Europeia disse que o grupo mantém a intenção de fechar o acordo Mercosul-UE ainda este ano.

“Continuamos trabalhando para cumprir o prazo estabelecido para que este acordo seja concluído antes do final do ano”, declarou o porta-voz do executivo comunitário para a pasta do Comércio, Olof Gill.

“O que posso dizer é que as negociações [sobre o acordo UE-Mercosul] estão em curso e estão sendo extremamente construtivas e concentradas, tendo sido realizadas três reuniões entre os principais negociadores em outubro e na semana passada”, destacou Gill.

A UE e o Mercosul assinaram o acordo comercial em 2019, após 20 anos de negociação, mas, para ser ratificado, precisa do aval de todos os países envolvidos. Após três anos na gaveta, a eleição no ano passado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu novo fôlego aos debates. Mas, agora, com a posse de Milei marcada para 10 de dezembro, alguns interlocutores defendem que as negociações precisam ser aceleradas.

A esperança é de que o acordo possa ser concluído até a cúpula do Mercosul, marcada para 7 de dezembro, no Rio de Janeiro.

Se ratificado, será o maior acordo comercial do mundo, abrangendo os 27 Estados-membros da UE mais Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o equivalente a 25% da economia global e 780 milhões de pessoas, quase 10% da população mundial.

Lula tenta avançar em acordo entre Mercosul e União Europeia

O andamento das negociações do acordo entre o Mercosul e a União Europeia foi o tema da conversa por telefone entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também na segunda-feira.

Segundo o Palácio do Planalto, a conversa durou cerca de meia hora e tratou dos pontos finais do acordo entre os dois blocos. “Os dois concordaram em acompanhar de perto o trabalho dos negociadores nos próximos dias e deverão voltar a se encontrar na próxima semana, durante a COP28, em Dubai, Emirados Árabes”, informou a assessoria.

A finalização do acordo também foi tratada recentemente em conversa entre Lula e o presidente do governo da Espanha, Pedro Sánchez, que ocupa a presidência rotativa do bloco europeu.

A presidência do governo brasileiro no Mercosul vai até o dia 7 de dezembro, três dias antes da posse do presidente eleito da Argentina.

Aprovado em 2019, após 20 anos de negociações, o acordo Mercosul-UE precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países dos dois blocos para entrar em vigor. A negociação envolve 31 países.

Milei foi criado pela TV para defender o neoliberalismo

Em entrevista ao ICL Notícias (veja acima) o jornalista e professor de Relações Internacionais Bruno Lima Rocha desfiou a história de Javier Milei. Bruno afirma que Milei é um personagem criado pela TV argentina, na qual foi comentarista de economia e defensor do neoliberalismo.

O jornalista também ressaltou a figura da irmã de Javier Milei, Karina Milei, que exerce grande influência sobre o futuro presidente argentino.

Na eleição, Milei angariou grande apoio entre os “jovens desalentados” que, segundo Bruno Lima, “vivem a vida pela internet, tem futuro incerto, não tem uma carreira pela frente e nem segurança no trabalho”.

“Ele é um personagem, trabalhou 15 anos no maior concessionário da Argentina, que é dono da América TV. Ele foi posto na América TV para ser papagaio neoliberal e aí, criou o personagem Javier Milei”, explica Bruno Lima.


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