18/05/2024 - Edição 540

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Chanceler do Chile: fala de Bolsonaro foi “gravíssima” e afeta relação entre os dois países

Em reunião com Lula, eurodeputados falam em fim do ‘pesadelo’ Bolsonaro

Publicado em 30/08/2022 2:01 - Lucas Neiva (Congresso em Foco), Jamil Chade (UOL), Eduardo Maretti (RBA) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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O governo do Chile publicou na segunda-feira (29) um comunicado por meio de seu Ministério de Relações Exteriores, onde manifesta repúdio à fala do presidente Jair Bolsonaro, que acusou o presidente chileno Gabriel Boric de vandalismo durante sua fala no debate presidencial exibido no último domingo, na Band. Além de expressar repúdio, o ministério ainda solicitou uma explicação por parte da embaixada brasileira em Santiago.

Desde o final de 2019, Bolsonaro vem sofrendo duras derrotas em seu círculo de alianças entre as lideranças na América Latina: na Argentina, o ex-presidente Mauricio Macri, de orientação de centro-direita, foi derrotado nas eleições para Alberto Fernandez, de esquerda. Na Colômbia, o candidato progressista Gustavo Petro derrotou Iván Duque Márquez, de extrema-direita. No Chile, Sebastián Piñera, aliado de Bolsonaro, foi derrotado em 2021 por Gabriel Boric.

Em sua fala de encerramento no debate da Band, Bolsonaro se apresentou como uma alternativa à tendência dos países vizinhos, associando aos novos presidentes os problemas internos de cada país. “Olha para onde está indo a economia da nossa Argentina. O presidente da Argentina, antes de ser presidente, visitou o Lula na cadeia. (…) Hoje, 40% da população argentina está na linha da miséria. Lula apoiou o presidente do Chile também. O mesmo que praticava atos de tocar fogo em metrôs. Para onde está indo o nosso Chile?”, narrou.

A declaração incomodou o governo chileno, que avaliou o ataque a Boric como “inaceitável e não condizente com o trato respeitoso a que se devem os chefes de Estado e nem com as relações fraternas entre países latinoamericanos”. O comunicado ainda ressalta que, apesar de Boric já ter apontado suas diferenças com relação a Bolsonaro, o chileno sempre ressaltou a importância de manter boas relações com o Brasil.

O governo chileno considera que Bolsonaro utiliza declarações baseadas em “mentiras, desinformação e deturpação” com fins eleitorais para se referir aos relacionamentos bilaterais, e que essa postura “corrói não apenas o vínculo entre nossos países, mas também a democracia, abalando as confianças e afetando a irmandade entre os povos”. Apesar disso, manifestam convicção de que o Brasil e o Chile possuem uma história e interesses comuns, “razão pela qual espera continuar fortalecendo os permanentes laços de amizade e cooperação entre nossos países”.

O governo do Chile irá entregar ao embaixador do Brasil em Santiago uma nota de protesto, diante das falas de Bolsonaro. No encontro, espera-se também que o representante do Itamaraty dê explicações sobre os comentários do chefe de estado do Brasil. O UOL Notícias apurou que o diplomata brasileiro Paulo Pacheco não será recebido pela chanceler do país sul-americano. A função ficará ao secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores do país, que apresentará ao embaixador a queixa formal.

Em conversa com o jornalista Jamil Chade (UOL), a chanceler de Boric, Antonia Urrejola, qualificou o ato de Bolsonaro como “gravíssimo” e parte de uma campanha de desinformação. Para ela, o que o presidente disse era “falso” e alertou que tal postura pode significar um constrangimento na relação entre duas das principais economias da América Latina.

Antes de assumir o cargo, a chanceler havia sido representante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e tecido duras críticas contra as políticas de Bolsonaro.

Horas antes de falar com o UOL, num evento público, ela já havia alertado que tal comportamento de Bolsonaro era uma ofensa não apenas ao presidente chileno, mas também ao povo do país sul-americano.

Informações obtidas pela reportagem confirmam que a nota que será entregue para Pacheco vai na mesma direção do comunicado de imprensa que Santiago divulgou, nesta tarde.

“O Governo do Chile considera que as declarações feitas contra o Presidente Gabriel Boric pelo Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, durante um debate presidencial ontem, são inaceitáveis e não estão de acordo com o tratamento respeitoso devido aos chefes de Estado ou com as relações fraternas entre dois países latino-americanos”, declarou.

“A utilização política da relação bilateral para fins eleitorais, baseada em mentiras, desinformações e deturpações, corrói não apenas os laços entre nossos países, mas também a democracia, prejudicando a confiança e afetando a irmandade entre os povos”, afirma.

Santiago insistiu que, mesmo diante das diferenças, o governo de Boric optou por manter boas relações com Brasília.

“O Presidente Boric declarou publicamente as diferenças que o separam do Presidente Bolsonaro, mas, ao mesmo tempo, salientou a importância de manter boas relações entre os estados do Brasil e do Chile”, disse.

“Além dessas infelizes declarações, o Governo do Chile expressa sua convicção de que nosso país e o Brasil não só têm uma história comum, mas também enormes desafios a enfrentar de forma colaborativa, razão pela qual espera continuar fortalecendo os laços permanentes de amizade e cooperação entre nossos países”, completa a nota.

Em reunião com Lula, eurodeputados falam em fim do ‘pesadelo’ Bolsonaro

Em encontro na segunda-feira (29) com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em São Paulo, representantes da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, conhecida como Grupo S&D, manifestaram expectativas de que, com uma possível eleição do candidato da coligação Brasil de Esperança, as relações entre o país e os países da União Europeia “voltem à normalidade”, depois de quase quatro anos de “pesadelo”

O termo “pesadelo” foi utilizado pelo vice presidente do Grupo S&D, o deputado português Pedro Marques, membro do Parlamento Europeu, para classificar o período de Jair Bolsonaro na Presidência do Brasil. “A luta travada aqui é travada no mundo inteiro, e começou a ser travada com a eleição de (Donald) Trump e Bolsonaro”, disse Marques.  Ele acrescentou que a luta teve prosseguimento recentemente na França, onde “foi ganha, e perdemos na Hungria”.

O presidente Emmanuel Macron foi reeleito pelos franceses em abril, após a formação de uma ampla frente democrática para derrotar e candidata da extrema-direita, Marine Le Pen. Por outro lado, na Hungria o ultranacionalista Viktor Orbán foi eleito em maio para o quarto mandato consecutivo como primeiro-ministro.

Brasil de volta ao mundo

O deputado euro-português mencionou que “a luta foi travada” também na América no Sul, “e foi ganha bem recentemente”. “Precisamos do Brasil de volta ao mundo”, disse. “Como Europa, somos importantes, sim, no mundo, mas seremos muito mais na nossa parceria com América do Sul, Brasil e com a África. Foram quatro anos de pesadelo, de interrupção do Brasil pelo mundo”, afirmou.

O eurodeputado Sergei Stanishev, ex-primeiro-ministro da Bulgária e membro da aliança socialista, disse que os parlamentares do grupo estão “muito preocupados com a violência e a brutalização impostas pela direita populista” no processo eleitoral brasileiro. “A Europa está observando de perto, porque eles (o bolsonarismo) querem solapar os resultados”, disse. “Estaremos muito atentos e vamos fazer o melhor com os progressistas da Europa e apoiar a democracia  e a campanha”, continuou.

Lula e questões climáticas

Em discurso em que se concentrou principalmente em questões climáticas – um dos temas mais importantes da esquerda europeia na atualidade – o ex-presidente Lula disse esperar que a guerra acabe na Europa. “Que Rússia e Ucrânia possam viver em paz”, afirmou. “O mundo precisa voltar à normalidade.” Segundo ele, esse retorno implica no respeito ao meio ambiente.

Para Lula, o Brasil ocupará papel de liderança. No caso da Amazônia, o país “não abre mão da soberania”. No entanto, ponderou o petista, a floresta não está apenas no território brasileiro. “É importante lembrar que não é só nossa”, declarou, citando Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, “um pouco na Bolívia” e as Guianas.

Ele deu uma indicação de como seria o debate sobre a questão climática em âmbito diplomático em um eventual governo seu, falando da Conferência de Copenhague (a Cop 15), em 2009. “Os Estados Unidos e a União Europeia queriam jogar a culpa da poluição na China. A China está poluindo, mas quero saber se a Inglaterra e os Estados Unidos vão pagar a poluição histórica desde a industrialização, senão é difícil culpar os chineses”, disse Lula.

Tempo de cooperação

A deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), anfitriã do encontro, destacou “o tempo de reforçar a cooperação da Europa e América Latina” e lembrou que há “várias lutas em comum” com os socialistas no Parlamento Europeu, como a própria democracia e “os direitos humanos, das pessoas e dos trabalhadores”. A presidenta do PT anunciou que está em discussão com o grupo vindo da Europa um memorando de cooperação que deve ser assinado em breve.

Em discurso muito breve, o ex-chanceler Celso Amorim destacou os pontos em comum que, ao seu ver,  América Latina, Europa e África têm de enfrentar como desafios do mundo: “a guerra em primeiro lugar, as mudanças climáticas que ameaçam o planeta e as pandemias, É o que nos une de modo geral”, disse.

A presidente da Aliança dos Socialistas e Democratas, deputada Iratxe García Pérez, enfatizou a deterioração da política no Brasil, assim como a imagem do país no exterior. “Vemos com preocupação como o Brasil foi destruído, esse Brasil da igualdade social, da defesa da democracia e da justiça.” Ela acrescentou: Vimos o ataque evidente a grupos como as mulheres. Pudemos comprovar isto no debate”.

Durante a tarde, Lula encontrou-se, também na capital paulista, com o jurista francês Willian Bourdon, um dos autores do Manifesto Internacional de Juristas pela liberdade de Lula, publicado em 2019, quando o petista estava preso.


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2 respostas para “Chanceler do Chile: fala de Bolsonaro foi “gravíssima” e afeta relação entre os dois países”

  1. Alexandre disse:

    Excelente texto e análise, parabéns aos envolvidos na publicação da matéria

  2. Victor Barone disse:

    Excelente reportagem. A extrema direita está com as manguinhas de fora.

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