18/05/2024 - Edição 540

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Brasileiro repatriado tenta trazer 3 filhos após morte de ex-mulher em Gaza

Embaixada tira 85 brasileiros de áreas de intenso confronto na região

Publicado em 06/12/2023 11:37 - Jamil Chade (UOL), ICL Notícias, Hugo Souza (Come Ananás) – Edição Semana On

Divulgação Ramadan Hasan Abdou e seus filhos, antes da guerra, em Gaza.

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O brasileiro-palestino Ramadan Hasan Abdou diz que jamais imaginou que viveria um drama de tal proporção. No mês passado, ele foi resgatado de Gaza pelo governo, mas deixou para trás a ex-mulher e três filhos que não tinham cidadania brasileira.

Viajou com sua atual esposa e uma filha.

Se sua vida já havia sofrido um abalo com o conflito, os acontecimentos dos últimos dias deixaram-no sem rumo.

Segundo ele, há uma semana, o prédio onde estava a mãe de seus três filhos foi bombardeado no sul da Gaza. Ela e todos seus parentes morreram. Os corpos continuam sob os escombros do imóvel, assim como tem sido a realidade para milhares de vítimas.

Os filhos de Abdou, porém, não estavam no edifício naquele momento e escaparam. Hoje, segundo ele, vivem nas ruas de Raffa, cidade que faz fronteira com o Egito, com suas tias, irmãs de Abdou.

“Não consigo dormir e estou preocupado com meus filhos e irmãs”, disse o palestino-brasileiro.

“Khaled tem 5 anos de idade; Inshirah, 7, e Ala, 6. Não sobrou ninguém para eles lá. Meus filhos estão morrendo de frio”, lamentou.

“A guerra se intensificou, e a mãe foi morta. Agora, apelo a todas as agências governamentais, incluindo o presidente e o Itamaraty, para que trabalhem numa terceira lista dos que estão retidos lá”, pediu.

Abdou conta que tem tentando pedir ao governo brasileiro que transfira as crianças para uma casa segura. Hoje, o Itamaraty mantém quatro residências em Raffa, onde 41 pessoas inscritas numa segunda lista de evacuação estão abrigadas.

Mas, segundo ele, a chancelaria afirmou que não poderia abrigar as crianças e suas tias por não fazerem parte da lista que já foi entregue aos governos de Israel e Egito para análise. Sem a chancela dos dois governos, não há uma evacuação possível.

“Eles não têm nenhum abraço. Só o meu”, completou, contando como tem sido difícil a comunicação.

A intensificação dos ataques de Israel após o fim da trégua levou os brasileiros já evacuados de Gaza a temer pelos seus parentes que ficaram na região.

No total, já são mais de cem pessoas que tentam ainda sair do conflito, com a ajuda do Brasil. Ao receber o primeiro grupo de repatriados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu que o país não deixaria ninguém para trás.

Embaixada tira 85 brasileiros de áreas de intenso confronto em Gaza

Mais 85 brasileiros conseguiram ser reunidos em Rafah, no Sul da Faixa de Gaza, e agora esperam autorização para deixar a zona atacada por Israel. É o que informou nesta quarta-feira (6) o embaixador do Brasil na Palestina, Alessandro Candeas. O diplomata afirmou que o grupo reúne pessoas de três locais onde há intenso confronto em Gaza.

“Conseguimos concentrar 85 brasileiros e familiares próximos em Rafah, retirando-os dos teatros de operações mais intensos de Khan Younes, Deir al Balah e do campo de refugiados de Nuseirat, e colocando-os muito próximos do passo de fronteira. Aguardamos apenas a autorização para a evacuação”, afirmou Candeas.

Em meados de novembro, os primeiros 32 brasileiros presos em Gaza conseguiram deixar a zona conflagrada. Foram semanas de espera angustiante até que Israel, finalmente, liberasse a saída deles pela Passagem de Rafah, no sul de Gaza. No dia 12 daquele mês, os brasileiros passaram pelo posto de controle migratório e entraram no Egito, de onde decolaram tendo o destino final o Brasil.

O Itamaraty foi obrigado a colocar brasileiros e familiares palestinos de pessoas já evacuadas ao Brasil em novos abrigos, depois que Israel ampliou sua ofensiva sobre o Sul de Gaza, nos últimos dois dias.

Membros do governo confirmaram que quatro casas foram alugadas em Raffa, perto da fronteira com o Egito e como forma de garantir que, autorizadas, essas pessoas possam cruzar para o país vizinho de forma rápida.

Alguns que estão na lista entregue pelo Brasil para serem evacuadas ainda de Gaza ficaram sem casa. No total, 74 pessoas estão no pedido do governo brasileiro para que possam ser retirados. 41 delas estão em casas alugadas pelo Itamaraty. O restante continua em seus respectivos apartamentos e residências.

Nos últimos dias, o governo de Israel retomou sua ofensiva, focando principalmente nas áreas do Sul, justamente a região considerada até então como mais segura. O resultado, segundo a ONU, tem sido um número recorde de pessoas deslocadas, com 85% da população de Gaza afetada – 1,9 milhão de pessoas.

Havia a esperança no governo brasileiro de que, com a trégua de quase uma semana, espaços fossem criados para a evacuação das pessoas inscritas na segunda lista. Mas a retomada dos ataques fez derreter as chances de uma saída imediata.

No total, mais de 60 pessoas estão nesta situação, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem usado cada um dos encontros com líderes da região para buscar uma saída para esses palestinos e brasileiros.

Com a nova ofensiva, a esperança das famílias é de que a situação crítica pressione o governo ainda mais a buscar uma solução para aqueles que ficaram em Gaza.

Ao receber os primeiros brasileiros e parentes que deixaram Gaza, no mês passado, Lula prometeu que iria retirar todas aqueles que desejassem.

Israel intensifica operações no sul 

Dezenas de veículos militares israelenses cruzaram o sul da Faixa de Gaza e operam nas proximidades da cidade de Khan Younes, a maior cidade do sul de Gaza. A movimentação foi detectada em novas imagens de satélite divulgadas pelo jornal The New York Times, sinalizando o início de uma nova fase da guerra de Israel contra o Hamas.

Testemunhas afirmaram que Israel estabeleceu um novo posto de controle na entrada da cidade de Khan Younes. Além disso, as Forças de Defesa de Israel estão lutando contra o Hamas na estrada Salah al-Din, em Gaza, que Israel havia designado anteriormente como uma rota segura de deslocamento para os civis palestinos.

Na segunda-feira, Tel-Aviv admitiu que um trecho da estrada havia se transformado em um “campo de batalha” e que os civis não deveriam se aproximar. “Não há nenhum lugar seguro para ir e muito pouco para sobreviver para os civis palestinos em Gaza”, apontou um porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres.

Um apagão de comunicações em todo o território também prejudicou a resposta humanitária durante a noite.

Grupos de ajuda humanitária afirmaram que os civis palestinos têm dificuldade de seguir as orientações de Tel-Aviv por conta das operações israelenses em toda a Faixa de Gaza.

Na noite de segunda-feira, a organização humanitária Sociedade do Crescente Vermelho Palestino afirmou que havia perdido contato com equipes médicas em Gaza, depois que o principal provedor de telefonia e internet, Paltel, confirmou que todos os serviços de telecomunicações foram cortados.

ONU diz que Israel intensifica guerra e soma 11 mortos por hora em Gaza

Num levantamento divulgado ontem (5), as agências da ONU revelam que, prestes a completar 60 dias de conflitos, a Faixa de Gaza vive uma intensificação dos combates, o fim da trégua e uma situação na qual 85% da população já não vivem em suas residências, quase 1,9 milhão de pessoas. Trata-se, para a OMS, da “hora mais sombria da humanidade”.

Para usar os poucos banheiros, a população precisa entrar em filas que chegam a durar horas. Em média, existe uma latrina em funcionamento para cada 400 pessoas.

Os dados oficiais indicam que quase 16 mil mortos já foram registrados, com 349 apenas nas últimas 24 horas entre palestinos e três soldados israelenses. 60% dos mortos são mulheres e crianças. “A guerra contra as crianças voltou”, denunciou James Elder, porta-voz da Unicef.

Em média, são 11 mortos a cada hora em Gaza.

Para a OMS, a intensificação do bombardeio foi registrado desde o fim de semana e a situação “piora a cada minuto”. O que choca as agências é que, depois de atacar o norte de Gaza, Israel faz sua ofensiva ao sul, não deixando qualquer lugar seguro.

“Praticamente não há hospital para ir. Fui a um deles e é uma zona de horror, com pessoas gritando e pacientes no chão”, disse Rik Peeperkorn, representante da OMS em Gaza. “Isso vai além do que podemos acreditar”, afirmou.

Segundo ele, em menos de dois meses, a explosão de doenças já é visível. São 86 mil casos de diarreia, 30 vezes maior que a taxa normal.

Eis os detalhes do novo raio-X:

Os bombardeios israelenses por ar, terra e mar em Gaza, bem como as operações terrestres e os combates se intensificaram significativamente, enquanto os grupos armados palestinos continuaram a disparar foguetes contra Israel.

Em 4 de dezembro, 100 caminhões de ajuda que transportavam suprimentos humanitários e 69 mil litros de combustível entraram em Gaza vindos do Egito, aproximadamente o mesmo que no dia anterior. Isso está bem abaixo da média diária de 170 caminhões e 110 mil litros de combustível que entraram durante a pausa humanitária implementada entre 24 e 30 de novembro.

O Coordenador Humanitário para o Território Palestino Ocupado declarou que “não existem as condições necessárias para fornecer ajuda ao povo de Gaza. Se possível, um cenário ainda mais infernal está prestes a se desenrolar, um cenário no qual as operações humanitárias podem não ser capazes de responder. O que vemos hoje são abrigos sem capacidade, um sistema de saúde de joelhos, falta de água potável, falta de saneamento adequado e má nutrição para pessoas que já estão mental e fisicamente exaustas: uma fórmula clássica para epidemias e um desastre de saúde pública”.

Em 3 de dezembro, os militares israelenses designaram uma área que cobre cerca de 20% da cidade de Khan Younis para evacuação imediata. Antes do início das hostilidades, essa área abrigava cerca de 117 mil pessoas. A área também inclui 21 abrigos que abrigam cerca de 50 mil pessoas deslocadas internamente, a grande maioria das quais foi deslocada anteriormente do norte, o que significa que as pessoas já deslocadas estão sendo deslocadas novamente.

Os moradores foram instruídos a se mudarem para a cidade de Al Fukhari, a leste de Khan Younis, e para os bairros de Ash Shaboura e Tell As Sultan, em Rafah, que já estão superlotados.

Em 3 e 4 de dezembro, ocorreram intensos bombardeios e combates em torno de três dos quatro hospitais parcialmente operacionais no norte de Gaza e do hospital Nasser no sul. Alguns deles foram atingidos diretamente, causando vítimas e danos às instalações hospitalares. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza (MoH), os hospitais estão “inundados com um fluxo de cadáveres”.

O número de vítimas fatais desde 7 de outubro e até a retomada das hostilidades em 1º de dezembro inclui pelo menos 198 médicos palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza; 130 funcionários da ONU; 77 jornalistas e trabalhadores da mídia.

No total, 80 soldados israelenses foram mortos em Gaza desde o início das operações terrestres israelenses, de acordo com fontes oficiais israelenses.

De modo geral, estima-se que cerca de 1,8 milhão de pessoas em Gaza, ou quase 80% da população, estejam deslocadas internamente.

Devido à superlotação e às condições sanitárias precárias nos abrigos da ONU no sul, houve um aumento significativo de algumas doenças e condições transmissíveis, como diarreia, infecções respiratórias agudas, infecções de pele e condições relacionadas à higiene, como piolhos. Também há relatos iniciais de surtos de doenças, incluindo potencialmente a hepatite A.

Os hospitais no sul de Gaza mal conseguem lidar com o fluxo de feridos. Médicos Sem Fronteiras (MSF) relatou que esse é o caso de dois hospitais que apoia – Al Aqsa, na Área Central, e Nasser, no sul. MSF informou que, nos dias 3 e 4 de dezembro, mais de 100 mortos e 400 feridos chegaram ao hospital de Al Aqsa. Para lidar com esse aumento, uma unidade temporária de curativos foi criada para oferecer tratamento de feridas a pacientes com feridas ou lesões crônicas.

Os 12 hospitais no sul estão funcionando parcialmente. No momento, a capacidade de leitos em Gaza é de 1.400, abaixo dos 3.500 existentes antes das hostilidades.

Na Cisjordânia, ‘onde não há guerra’, Israel matou 63 crianças palestinas e feriu 508

Desde o último 7 de outubro, dia do ataque do Hamas a Israel, 238 palestinos, 63 deles crianças, foram assassinados por militares ou colonos israelenses na Cisjordânia, ali onde não há trégua porque não há “guerra entre Israel e o Hamas” – expressão pusilânime imposta pelo Grupo Globo aos jornalistas da casa para chamar o assunto do genocídio palestino em Gaza sem chamá-lo pelo nome.

Deste 238 palestinos mortos, 229 foram assassinados pelo exército de Israel, oito por colonos israelenses e um em conjunto por sionistas militares e civis. O número de palestinos feridos na Cisjordânia desde o 7 de outubro já passa de três mil. Destes, pelo menos 508 são crianças.

Os dados constam no mais recente relatório do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha) sobre a situação na Palestina Histórica, publicado nesta quarta-feira, 29.

Nas últimas sete semanas, Israel mais que dobrou o número de suas vítimas na Cisjordânia em 2023 em relação aos nove primeiros meses do ano – o ano mais mortífero para os palestinos nos territórios ocupados desde 2005. Mais da metade dos 238 palestinos mortos na Cisjordânia desde 7 de outubro foram baleados em situações que não envolveram confrontos armados.

Numa palavra, foram executados.

Os casos de execução mais recentes são os dos meninos Adam Samer Othman Al-Ghoul, de oito anos, e Basel Suleiman Tawfiq Abu Al-Wafa, de 15, alvejados um na cabeça, outro no peito, nesta quarta-feira, 29, por militares israelenses que praticavam tiro aos “animais humanos” de dentro de um veículo blindado na cidade de Jenin, a terceira maior da Cisjordânia.

“As crianças palestinas de Jenin têm sido alvos frequentes dos militares israelenses. É chocante que as forças de Israel, sentadas num veículo blindado, possam matar a tiros duas crianças em plena luz do dia e a comunidade internacional se recuse a responsabilizá-las”, disse Ayed Abu Eqtaish, diretor do Programa de Responsabilização da organização Defense for Children International – Palestine (DCIP).

Na Faixa de Gaza, a trégua, cessar-fogo, “pausa humanitária” vem servindo menos para a chegada de comida, água e remédios para os palestinos e mais para os palestinos acharem mais mortos por debaixo dos escombros. Só na segunda e na terça-feira desta semana foram mais de 160 corpos encontrados.

Quase sete mil palestinos de Gaza ainda estão desaparecidos. Sem contar estes corpos ainda por descobrir, o número de mortos em Gaza já passa de 15 mil. Destes mortos por Israel, 6.150 eram crianças.


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