18/05/2024 - Edição 540

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Brasil critica potências, cobra ONU e quer acordo político para palestinos

Dia de solidariedade ao povo palestino é celebrado nesta quarta: data foi criada pela ONU em 1977

Publicado em 29/11/2023 12:52 - Jamil Chade (UOL), Lucas Pordeus León (Agência Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Marcelo Camargo - Abr

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva critica a falta de união da comunidade internacional para lidar com a crise no Oriente Médio, cobra o Conselho de Segurança da ONU a fazer mais pela paz e alerta que apenas um acordo político pode trazer uma solução para israelenses e palestinos.

Os comentários foram feitos por Mauro Vieira, chanceler brasileiro e que participou nesta quarta-feira de uma reunião do Conselho de Segurança convocada para lidar com a crise no Oriente Médio no Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Em um discurso, porém, ele criticou abertamente a falta de união na comunidade internacional para dar uma resposta à crise entre palestinos e israelenses.

Em sua avaliação, os acordos que estabeleceram uma trégua nos últimos dias em Gaza são “sinais de esperança”. Mas o diplomata alerta que isso não é, por si só, a solução.

O governo brasileiro insiste que a criação de um estado palestino reconhecido internacionalmente precisa fazer parte de um acordo de paz. Segundo Vieira, qualquer iniciativa diplomática que conduza a esse caminho terá o apoio do Brasil.

O chefe do Itamaraty também fez questão de alertar para a desunião que permeou o Conselho de Segurança ao lidar com a crise. O órgão precisou de semanas até que um acordo fosse estabelecido.

Para Vieira, há um “horror sem precedentes” em Gaza. E nem isso gerou uma resposta unida da comunidade internacional.

“No Conselho de Segurança, nós também temos que nos unir e ser solidários com todos os necessitados. A situação no Oriente Médio, incluindo a questão palestina, é, no entanto, um dos assuntos mais vetados do Conselho de Segurança. Esse registro é um testemunho infeliz do fato de que, na maioria das vezes, as divergências triunfam sobre o interesse comum nesse órgão”, disse.

Segundo ele, “o conflito no Oriente Médio não desapareceu, pois não conseguimos nos entender no Conselho de Segurança”.

“O agravamento da situação entre Israel e a Palestina nos últimos anos não nos obrigou a nos unirmos e agirmos em prol do objetivo comum de alcançar a paz para os palestinos, israelenses e o povo do Oriente Médio em geral”, criticou.

Para ele, o Conselho de Segurança também tem responsabilidade em não conseguir atingir seu objetivo de defender a paz e a segurança internacional.

“O que é pior: não nos unimos no passado. E parece que não estamos prontos para nos unirmos agora”, disse o chanceler.

Crimes denunciados de ambos os lados

O governo brasileiro ainda listou os crimes cometidos em Gaza, entre eles as mais de cinco mil crianças mortas e o total de 14 mil vítimas. “Os números de deslocamento são impressionantes, atingindo quase 1,7 milhão de pessoas, ou 80% da população de Gaza”, disse Vieira.

“Estima-se que 41.000 casas foram destruídas ou severamente danificadas. 18 hospitais foram fechados. O número de caminhões com assistência humanitária é totalmente insuficiente para atender às necessidades básicas da população, como alimentos, água, medicamentos e combustível”, alertou.

Para ele, as supostas violações do Direito Internacional Humanitário e do Direito Internacional dos Direitos Humanos continuam à medida que a infraestrutura civil é destruída.

Vieira ainda insistiu que o Brasil é “inequivocamente solidários às famílias israelenses, cujos membros inocentes foram feitos reféns”. “Nesse sentido, o Brasil saúda a libertação de 74 reféns nos últimos dias. No entanto, 167 pessoas ainda são mantidas em cativeiro. Compartilhamos sua dor e o sofrimento insuportável de suas famílias. Não podemos suportar a ideia de crianças tiradas de suas famílias, em nenhuma circunstância e sem qualquer justificativa”, lamentou. Para o Brasil, porém, todos os inocentes devem ser soltos de forma incondicional.

Brasil cobra Conselho da ONU

Na visão do Brasil, o Conselho e a comunidade internacional devem unir forças para garantir o fim da violência e para garantir o acesso da ajuda humanitária em Gaza.

O Brasil aplaudiu a trégua entre as partes e indicou que a medida “é um sinal de que o acordo é possível, mesmo quando parece inalcançável e inatingível”.

Mas a trégua é apenas um primeiro passo para a redução da violência. O chanceler insistiu que nem a resolução aprovada na ONU, há duas semanas, e nem os apelos por pausas são suficientes.

“O Brasil entende que esse Conselho deve fazer mais. Ele deve se unir para adotar um curso de ação mais decisivo e abrangente que possa consolidar os ganhos; abordar de forma sustentável e previsível a terrível situação no local; e promover um futuro mais seguro e esperançoso”, defendeu.

Para o Brasil, o acordo deve ser a base para a “retomada do processo de paz entre Israel e a Palestina”. “Não podemos perder de vista a necessidade de abordar as causas fundamentais da questão palestina por meio do diálogo, da vontade política e da boa diplomacia”, disse.

Vieira ainda defendeu que o processo seja “totalmente inclusivo, considerando as perspectivas de todas as partes interessadas relevantes”.

“Todos os países e parceiros com influência sobre as partes devem ser chamados a assumir suas responsabilidades para chegar a uma solução duradoura para essa questão central. E, é claro, este Conselho também deve estar à altura de suas responsabilidades”, disse.

Dois estados

Para o Brasil, apenas a solução com a criação de dois estados pode trazer paz. “Enterrar a solução dos dois Estados é enterrar qualquer perspectiva de paz”, disse. “Um Estado palestino viável, vivendo lado a lado em paz e segurança com Israel, dentro de fronteiras mutuamente aceitas e reconhecidas internacionalmente, é o cumprimento da autodeterminação palestina”, afirmou.

Segundo ele, qualquer iniciativa de negociação de paz, na forma de uma conferência internacional, como alguns Estados membros propuseram, conta com o apoio inequívoco do Brasil. “As legítimas aspirações de palestinos e israelenses por paz e segurança em seus próprios países não podem mais ser ignoradas ou negligenciadas”, apelou.

Para ele, a ONU precisa cumprir suas responsabilidades na manutenção da paz e da segurança internacionais. “O Conselho de Segurança deve se unir em torno de um bem comum e se elevar acima de qualquer interesse individual de seus membros”, completou.

Implementação de resolução é insuficiente, diz ONU

Para a ONU, a resolução aprovada pelo Conselho de Segurança há duas semanas e que estabelece uma trégua humanitária ainda não é uma realidade plena. Na avaliação do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a decisão está sendo apenas “parcialmente implementada” e sua tradução na prática é “insuficiente”.

“O sucesso não pode ser determinado em caminhões que entram em Gaza. Mas em vidas salvas”, disse. Para ele, a população da região palestina vive “uma catástrofe épica”.

Guterres insistiu que a região precisa de uma “verdadeira cessar-fogo humanitário” e um processo que permita a criação de dois estados que possam conviver lado a lado. Um fracasso nesse processo vai “condenar todos a um ciclo de violência e morte”.

A ONU aplaudiu os acordos entre Israel e Hamas para uma trégua e tenta traduzir a situação em um acesso maior da ajuda internacional à população local. Mas Guterres insiste que o que existe é ainda “completamente inadequado para atender 2 milhões de pessoas”.

O volume de combustível autorizado a entrar na região é também “insuficiente” para manter operações básicas.

“Muito mais precisa ser feito. A fome continua sendo uma ameaça. Gaza precisa de ajuda humanitária maior e consistente”, defendeu Guterres.

Em sua avaliação, novos pontos de entrada em Gaza devem ser estabelecidos. Raffah, segundo ele, não tem a capacidade suficiente para permitir que o volume de ajuda necessário entre na região.

Segundo Guterres, mais de 14 mil pessoas foram mortas em Gaza, das quais dois terços são crianças e mulheres. O chefe da ONU constata que o sistema de saúde entrou em colapso e apontou que, em apenas algumas semanas, morreram mais crianças que nos últimos anos em conflitos no mundo todo.

Para Guterres, o atual processo de negociação de uma trégua é um sinal de esperança. Mas alerta que 80% dos palestinos foram forçados a deixar suas casas, 45% de todas as casas foram afetadas ou destruição, um milhão de pessoas estão em abrigos da ONU e Gaza registrou maior perda de funcionários na história da ONU.

Na avaliação de Guterres, o Hamas tampouco tem cumprido a resolução de forma suficiente. Até agora, 60 reféns israelenses foram liberados. “Mas todos precisam ser liberados, sem condições”, disse.

Israel diz que cessar-fogo é dar sobrevida para Hamas

Ao tomar a palavra, a delegação de Israel alertou que o foco dos debates está errado. Para eles, mais alimentos e ajuda para Gaza “não vai levar à solução”. “Hamas apenas querem implementar a solução de Hitler. Um cessar-fogo é deixar que Hamas viva mais um dia”, alertou o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan.

Para ele, a ONU foi “cooptada” por aqueles que não querem solução e as agências internacionais foram “instrumentalizada” para atacar Israel.

Israel ainda acusou Hamas de falsificar o número de mortos e insiste que o mundo precisa ajudar o país a erradicar o grupo palestino. “Esse é o cessar-fogo que pode durar décadas”, disse.

Palestina: querem nos eliminar do mapa e da história

Para Riad Al Maliki, chanceler palestino, “a trégua precisa ser transformada em cessar-fogo”. “Isso não é guerra. É carnificina”, disse. Para ele, a pausa deste momento precisa ser mantida. “O cerco precisa acabar”, defendeu.

Em sua visão, a região vive uma “encruzilhada histórica”. “Vivemos uma ameaça sistêmica. Há um plano para destruir a palestina e implementada à luz do dia. Estamos sendo borrados do mapa. Estamos sendo puxados para fora da história e do mapa”, alertou.

Chamando Gaza de “inferno na terra”, o chanceler insiste que a “palestina livre é o único caminho pelo paz”.

Dia de solidariedade ao povo palestino é celebrado hoje

Em 1977, dias após condenar a manutenção da ocupação militar de Israel nos territórios palestinos, a Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou a resolução 32/40 B, criando o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, a ser comemorado todo 29 de novembro. Devido a atual escalada do conflito no Oriente Médio, o dia será lembrado em diversas cidades brasileiras e do mundo.

O dia 29 de novembro é o mesmo dia da aprovação da resolução 181 da ONU, de 1947, que recomendou a partilha da Palestina entre judeus e árabes. Após 30 anos dessa resolução, em 1977, os palestinos continuavam sem Estado e acumulavam 10 anos sob ocupação militar de Israel. Foi nesse contexto que a ONU criou o dia para prestar solidariedade ao povo palestino.

A resolução afirma que a data é necessária para dar “maior divulgação possível de informações sobre os direitos inalienáveis do povo palestino e sobre os esforços das Nações Unidas para promover a realização desses direitos”.

A criação da data ocorreu, na avaliação do professor de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) Bernardo Kocher, por causa do apagamento que a questão palestina sofreu após a criação do Estado de Israel. Estima-se que 750 mil palestinos precisaram deixar suas terras e mais de 500 aldeias palestinas foram destruídas em consequência dos conflitos decorrentes da criação de Israel.

“Essa história foi surpreendentemente apagada porque na mídia ocidental, principalmente, essa história foi contada como uma compensação ao Holocausto. No entanto, o problema não só não se resolveu, como se agravou e a ONU foi a responsável por dar início a partilha [do território]”, explicou o professor de História Contemporânea.

Para Kocher, contribuíram para aumentar a visibilidade da causa palestina a entrada na ONU de países recém-independentes da África e do mundo árabe, o contexto da Guerra Fria e a crise do capitalismo da década de 1970. “A ONU começou a sofrer pressões que levavam em conta a causa Palestina, e ela foi obrigada a se sensibilizar. Houve uma brecha para que a questão palestina viesse a luz”, afirmou.

Ações da ONU

Entre as ações da ONU em favor da causa palestina, destaca-se a Resolução 194, de 1948, que autorizou o retorno dos palestinos às suas terras, mas que nunca foi cumprida. Outra resolução que segue sem ser atendida é a 242, de 1967, que determinou “a retirada das forças armadas israelitas dos territórios que ocuparam”.

Apesar dessa resolução, a construção de assentamentos israelenses na Cisjordânia continuou e hoje são 300 colônias consideradas ilegais, segundo a ONU, dentro da Cisjordânia ocupada, onde vivem cerca de 700 mil colonos israelenses.

Em função da questão palestina, a ONU criou, ainda em 1949, a Agência para Refugiados Palestinos (UNRWA), e mantém, desde 1993, um relator especial sobre direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, como forma de dar visibilidade a causa do povo palestino.

No último informe publicado em outubro deste ano, a relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, Francesca Albanese, citou uma série de supostas violações de direitos humanos sofridas pelas crianças palestinas, em especial devido às prisões. “Os julgamentos duram, em média, 3 minutos, durante os quais as crianças podem ver a sua família e o advogado pela primeira vez desde a prisão, após longos períodos separados”, relatou.

Desde 2000, cerca de 13 mil crianças palestinas foram detidas, interrogadas, processadas e presas pelas forças de ocupação israelenses, com uma média de 500 a 700 crianças detidas anualmente. “A maioria das crianças é acusada de atirar pedras contra veículos blindados das forças israelitas, o que pode resultar em penas de 10 a 20 anos”, informou o relatório da ONU.


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