18/05/2024 - Edição 540

Mundo

Ataques israelenses matam nove funcionários da ONU e centenas de civis em Gaza

Não há diferença entre o Hamas e o Governo de extrema direita de Israel: ambos são entidades terroristas

Publicado em 11/10/2023 11:12 - Jamil Chade (UOL), Igor Carvalho (Brasil de Fato), Victor Nunes (DCM), Lusa, Alex Rodrigues (Agência Brasil), Ricardo Noblat (Metrópoles), Andrew Fishman (Intercept_Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Fotoilustración / VANGUARDIA

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Os mísseis disparados por Israel contra a Faixa de Gaza mataram nove funcionários da UNRWA, a agência das Nações Unidas para refugiados palestinos. A informação foi anunciada hoje por Juliette Touma, chefe de comunicações da agência. As mortes ocorreram em decorrência dos ataques que destruíram suas casas.

De acordo com a entidade, Israel tem a obrigação de evitar causar dano contra a população civil, sob o risco de eventualmente ser considerado como um crime de guerra. Na avaliação da ONU, tanto o Hamas como as forças israelenses devem ser questionadas sobre suas ofensivas militares.

A ONU fez um apelo para que o Hamas liberte os reféns israelenses e condenou os ataques contra civis, em território de Israel.

Mas destacou que a resposta do governo de Benjamin Netanyahu já levou 187 mil palestinos a buscar abrigos em escolas da ONU em Gaza.

A agência da ONU anunciou também que sua sede na Cidade de Gaza foi alvo de mísseis, causando “danos significativos” no prédio.

“Todos os funcionários internacionais da ONU presentes em Gaza estão se abrigando em outro prédio dentro do mesmo complexo”, afirma a agência.

De acordo com os relatórios iniciais, os escritórios e os bens da UNRWA foram danificados. “Os prédios e instalações das Nações Unidas devem ser protegidos o tempo todo, inclusive em tempos de conflito”, alerta a agência, num comunicado.

Desde 7 de outubro, a UNRWA registrou danos colaterais e diretos a pelo menos 18 de suas instalações, incluindo escolas que abrigam civis deslocados.

Na terça-feira, Israel e a cúpula da ONU trocaram acusações e uma crise diplomática foi instaurada. O organismo internacional fez um apelo para que o governo de Benjamin Netanyahu cumpra com as regras internacionais e não ataque civis, alertando que o cerco contra Gaza poderia constituir um crime de guerra.

Mas o governo israelense reagiu com dureza, insistindo que seus alvos jamais são os civis. Os dados divulgados pela ONU apontam que a operação de resposta de Israel já atingiu 5.300 prédios em Gaza, gerou 187 mil deslocados e deixou 610 mil palestinos sem água potável.

Israel pode ser considerado um Estado terrorista?

Desde domingo (8), a contraofensiva de Israel aos ataques do Hamas, do último sábado (7), já provocou a morte de mais de mil palestinos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.

As imagens que chegam do Oriente Médio mostram um massacre na Palestina, com bombardeios intensos e sem critério militar, que respondem apenas à emergência do governo de Benjamin Netanyahu.

Com milhares de prédios e casas destruídos por bombas, o corte de fornecimento de energia, água, combustível e alimentos, os palestinos vivem dias de terror. Seria, portanto, o Estado israelense terrorista?

Especialistas ponderam que a classificação de um Estado como terrorista depende tanto do conceito usado para a aplicação deste termo como da correlação de forças entre os atores envolvidos.

“Terrorismo é ato de matar civis com o intuito de enviar mensagem para outros. Essa mensagem gera terror, daí o nome terrorismo”, afirmou Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. Ele explica as diferentes possibilidades de aplicação desse termo.

“Uma [possibilidade] classifica o ator como terrorista. Na medida em que a classificação se remete ao ator, o Estado nunca aparece como possível terrorista. Assim, o Estado pode cometer qualquer crime, mas nunca será classificado como terrorista”, explica Nasser.

“A outra [possibilidade], com a qual me identifico, não classifica o ator, mas sim o ato. Neste sentido, eu não diria que o Estado de Israel é terrorista, mas que é um Estado que pratica o terrorismo. A mesma coisa eu diria do Hamas, é uma organização militar e política, que por vezes faz, ou fazia, atos terroristas. É o ato e não o ator”, finaliza o professor da PUC-SP.

Rodrigo Gallo, coordenador da pós-graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), explica que “terrorismo de Estado pressupõe que você tem um governo estabelecendo um regime que dissemina terror contra uma parte de uma população. Dissemina violência por que meios? Você pode falar de repressão policial, cerceamento de liberdades individuais, censura do direito de ir e vir, privar a população de acesso a água e comida, e por aí vai. Então, é o Estado usando o aparato estatal contra a população.”

Sobre o debate acerca da aplicação do conceito a Israel, Gallo prefere ponderar. “É difícil você chamar Israel de terrorista porque o Estado de Israel não se autointitula terrorista. Além disso, Israel é um grande aliado de países ocidentais. Então, dificilmente algum Estado de capacidade política, econômica e militar classifica Israel assim.”

Violação de direito internacional humanitário: ONU condena “cerco total” de Israel à Gaza

A ONU condenou o “cerco total” imposto por Israel a Gaza, declarando que a privação de insumos básicos à população civil na Faixa de Gaza é uma violação do direito humanitário internacional. O posicionamento da ONU surgiu ontem, no quarto dia de conflito, quando as hostilidades persistem em alto nível, com Israel realizando ataques contínuos contra alvos que afirmam pertencer ao Hamas, enquanto as autoridades de Gaza denunciam ataques a infraestruturas e alvos civis.

“A imposição de cercos que põem em perigo a vida de civis, privando-os de bens essenciais à sua sobrevivência, é proibida pelo direito humanitário internacional”, afirmou o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, em um comunicado divulgado à imprensa. “Sabemos, por experiência amarga, que a vingança não é a resposta e, em última análise, os civis inocentes pagam o preço”.

A preocupação das agências das Nações Unidas e de parte da comunidade internacional em relação ao território palestino aumentou com a forte ofensiva de Israel em resposta ao ataque realizado pelo Hamas.

Bombardeios intensos praticamente bloquearam o espaço aéreo, e dezenas de milhares de soldados foram convocados e enviados para a fronteira sul. Na segunda-feira (9), o ministro da Defesa, Yoav Gallant, prometeu que nem energia nem comida seriam autorizados por Israel em Gaza.

Na terça (10), as Forças de Defesa de Israel (IDF) afirmaram que reconquistaram todos os territórios do sul que haviam sido invadidos pelo Hamas, indicando que 1,5 mil corpos de integrantes do grupo foram encontrados durante a retomada. Paralelamente, bombardeios incessantes foram lançados em direção a Gaza, atingindo infraestruturas vitais para o enclave palestino, como a região portuária. A destruição de infraestrutura civil é considerada crime de guerra.

Os ataques aéreos também ampliaram a contagem de mortos. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, um total de 830 pessoas morreram devido aos bombardeios, transformando o céu do território em um campo minado. Autoridades de saúde palestinas também denunciaram bombardeios deliberados contra infraestrutura hospitalar, atingindo sete hospitais e resultando na morte de cinco médicos.

A ONU relatou que pelo menos dois hospitais e dois centros geridos pela Crescente Vermelha foram alvejados. Israel alega que os ataques aéreos contra Gaza visam locais relacionados ao Hamas e acusa os membros do grupo de se esconderem em casas, escolas e hospitais.

ONGs internacionais de médicos alertam para situação sanitária em Gaza

Organizações não governamentais (ONG) internacionais de médicos alertaram para a situação sanitária na Faixa de Gaza após o cerco total imposto por Israel. Elas pediram um corredor humanitário para apoiar o trabalho de assistência.

“A situação é catastrófica. Não acho que ninguém esteja seguro em Gaza”, declarou Sarah Chateau, responsável pelo programa palestino dos Médicos Sem Fronteiras (MSF).

A organização está na região há mais de 20 anos e tem 300 funcionários palestinos e 20 internacionais. “Transferimos parte de nossas equipes para um prédio das Nações Unidas. O bombardeio foi tão maciço que os riscos eram muito grandes”, acrescentou.

“Com o estado de cerco total, até quando as nossas equipes vão aguentar? Precisamos de um corredor humanitário para apoiar a resposta médica, trazer equipamentos, substituir as equipes no local”, disse Chateau.

A ONG Médicos do Mundo, que tem cerca de 30 funcionários na Cisjordânia e 20 em Gaza, também alertou que “o transporte de doentes é reduzido com o bloqueio e a intensidade dos bombardeios”.

“A nossa equipe luta pela sobrevivência, é muito difícil conseguir realizar o trabalho”, disse o médico Jean-François Corty, vice-presidente da organização, lembrando que 80% da população dependem da ajuda humanitária.

“É preciso garantir que o direito internacional humanitário é respeitado, que medicamentos são levados e que os civis são poupados”, afirmou.

Conflito tirou ao menos 200 mil palestinos de casa

Ao menos 200 mil palestinos deixaram suas casas e comunidades tentando escapar das consequências da contraofensiva de Israel contra o grupo Hamas na Faixa de Gaza, no Oriente Médio.

Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), o número de palestinos deslocados pela reação militar israelita ao ataque terrorista que o Hamas cometeu no último sábado já representa quase 10% dos cerca de 2,2 milhões de pessoas que vivem em Gaza – um estreito pedaço de terra de cerca de 41 quilômetros de comprimento por 10 quilômetros de largura, banhada pelo Mar Mediterrâneo e controlada pelo Hamas.

“A maioria deles está abrigada em escolas da Unrwa [Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente]”, afirmou a coordenadora humanitária para o território palestino ocupado, Lynn Hastings, na terça-feira (10).

Segundo Lynn, “a magnitude das hostilidades em curso levou a graves consequências humanitárias”. “Casas, escolas, instalações médicas e outras infraestruturas foram danificadas e destruídas”. Lynn Hastings conta que pelo menos duas escolas da Unrwa foram danificadas por ataques aéreos, “e o número de pessoas afetadas deve aumentar.”

“As Nações Unidas e os seus parceiros humanitários no território palestino ocupado estão trabalhando para satisfazer necessidades urgentes, em particular abrigo, em circunstâncias perigosas. Contudo, o acesso do pessoal humanitário e o fornecimento a Gaza foi cortado, enquanto a intensidade das hostilidades está limitando a capacidade do pessoal para prestar ajuda”, acrescentou Lynn, demandando às partes envolvidas no conflito que respeitem e cumpram o direito humanitário internacional.

“Todos os grupos militares e armados devem respeitar os princípios de distinção, proporcionalidade e precaução na condução das suas operações. Os civis, especialmente as crianças; as instalações médicas; o pessoal humanitário; os profissionais de saúde e os jornalistas devem ser protegidos. Os civis capturados devem ser libertados imediata e incondicionalmente e qualquer pessoa capturada ou detida, incluindo combatentes, deve ser tratada com humanidade e dignidade. Todos os intervenientes [participantes] relevantes [do confronto bélico] devem permitir que as equipes e os bens humanitários cheguem de forma imediata e segura às centenas de milhares de pessoas necessitadas”, rogou a coordenadora humanitária.

Faixa de Gaza vira campo de concentração para palestinos pobres

Assim como as grandes potências do mundo ocidental fecharam os olhos ao sofrimento dos judeus enquanto eles eram dizimados pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, agora procedem do mesmo modo em relação ao sofrimento imposto por Israel aos palestinos que vivem na Faixa de Gaza.

Nenhuma das grandes potências ignorava a existência de campos de concentração com suas câmeras de gás para matar judeus, ciganos e outras minorias, mas denunciar a existência deles ou atacá-los não fazia parte de suas prioridades Era preciso derrotar Hitler rapidamente para poupar vidas de soldados aliados.

O mesmo raciocínio se aplicou à guerra contra o Japão. Derrotá-lo pelos meios convencionais custaria milhares de vidas aos Estados Unidos, Rússia, Reino Unido e França. Então, os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas que mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas em Hiroshima, e 60 mil a 80 mil em Nagasaki.

Em maio de 2016, o presidente Barack Obama visitou Hiroshima para depositar uma coroa de flores no monumento aos mortos. Hiroshima e Nagasaki não faziam parte do complexo industrial militar do Japão durante a Segunda Guerra. Perguntaram a Obama se ele pediria perdão pelo que seu país fez. Resposta:

“Não, porque creio que é importante reconhecer que no meio de uma guerra os líderes tomam todo tipo de decisões”.

Joe Biden era vice de Obama. Biden, ontem, como presidente dos Estados Unidos, falou ao mundo sobre os ataques do grupo terrorista Hamas que matou até aqui mais de 998 israelenses e feriu cerca de 3.420. Não deu uma palavra sobre os 950 palestinos mortos e os 5.000 feridos por causa dos ataques de Israel a Gaza.

Quando Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza, no sábado à noite, a mulher de Amer Ashour entrou em trabalho de parto. “Estava preocupado como é que chegaríamos à maternidade”, contou Ashour. O que não esperava é que quando saísse do hospital, com o filho recém-nascido, não tivesse mais onde morar.

O apartamento de Ashour foi pulverizado por uma bomba israelense. Sua família faz parte dos mais de 180 mil habitantes da Faixa de Gaza que viram suas casas reduzidas a pó e destroços pelo bombardeio aéreo mais intenso de 75 anos de guerra entre israelenses e palestinos. Quem Israel pune?

“Há [16] anos que Israel reagiu à tomada de controle da Faixa de Gaza pelo Hamas impondo a sanção coletiva de um bloqueio sem precedentes aos cerca de dois milhões de habitantes deste território”, lembra Jean-Pierre Filiu, professor de Estudos do Oriente Médio no Instituto Sciences Po, em Paris.

Gazza tornou-se o que o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy chamou em 2007 de “a maior prisão do mundo a céu aberto”. Isso não impediu que desde então tivessem acontecido quatro guerras entre Israel e o Hamas (2008-2009, 2012, 2014 e 2021). “Neste 7 de Outubro, o caldeirão acabou por explodir”, observa Filiu.

O bloqueio barra o acesso da população de Gaza a serviços fundamentais em Jerusalém, como cuidados especializados de saúde, bancos e educação. A taxa de desemprego é elevadíssima; duplicou de 23,6% em 2005, antes do bloqueio, para 49% em 2020. A taxa de pobreza saltou de 40% para 56%.

Israel limita a importação de alimentos a uma cesta básica de subsistência mínima, “que é suficiente para sobreviver sem desenvolver má nutrição”, segundo investigadores da Universidade Americana de Beirute (Líbano). Na verdade, 80% da população depende da ajuda humanitária internacional para sobreviver.

A mesma política aplica-se à eletricidade, combustível e água. Antes do início dos bombardeios no sábado, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, aconselhou os palestinos civis a abandonarem a Faixa de Gaza. Mas eles não podem fazê-lo. As duas entradas e saídas foram fechadas por Israel e Egito.

Gaza virou um campo de concentração para palestinos pobres, e uma fortaleza para o Hamas que os usam como escudos. “Combatemos animais humanos, e agimos em consequência”, justifica o ultradireitista Yoav Galant, ministro da Defesa de Israel. “Nem eletricidade, nem alimentos, nem combustível”.

Maior jornal de Israel culpa Benjamin Netanyahu pela violência, não Hamas

O QUE A FOLHA PENSA: “Hamas terrorista”.

OPINIÃO DO ESTADÃO: “Terrorismo não tem outro nome”.

A OPINIÃO DO GLOBO: “Ataque terrorista afasta ainda mais chance de paz”.

Mas o que pensa o Haaretz, o maior e mais respeitado jornal de Israel?

HAARETZ: “Netanyahu é responsável por essa guerra entre Israel e Gaza”.

Huh! Que estranho…

A mídia brasileira, ao que parece, é mais radical em seu apoio ao governo de ultradireita de Israel do que até mesmo a imprensa israelense. E quando se trata de Israel e da Palestina, a opinião internacional é muito influente. Sem esse apoio, Israel seria forçado a reconsiderar seus planos de transformar Gaza em uma “ilha deserta” – como o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ameaçou no sábado – com o bombardeio contínuo de áreas civis que já matou centenas de pessoas, incluindo pelo menos 140 crianças e o massacre de famílias inteiras.

Atualmente, Israel cortou o acesso de 2 milhões de civis em Gaza a alimentos, água, luz e suprimentos médicos. Esses são atos graves de terrorismo e crimes de guerra, mas a crítica mais séria às atrocidades descaradas de Israel que você ouvirá de qualquer grande veículo da mídia corporativa será, como O Globo comentou em seu editorial, “uma lástima”.

“O terrorismo deve ser sempre rechaçado”, declarou o jornal. Exceto, pelo visto, quando o terrorista é o opressor colonial que tem todo o poder para acabar com sua ocupação ilegal e racista, mas se recusa a fazê-lo.

Temos visto, desde sábado, como a mídia brasileira repete incansavelmente a propaganda israelense e ignora as vozes ponderadas e as preocupações legítimas dos palestinos. E também como é surda às vozes razoáveis dentro do establishment israelense que vêm alertando há décadas – e com cada vez mais frequência e intensidade nos últimos meses – que as políticas belicosas do governo são a principal causa da insegurança em Israel. Ou seja: a maior ameaça é, na verdade, interna.

Seria difícil para a maioria dos brasileiros entender por que isso faz sentido, já que a imprensa por aqui também deixa de cobrir as injustiças diárias e horríveis, assim como os atos de terrorismo de estado cometidos por Israel. A câmera só grava quando os palestinos dizem “basta” e respondem aos ataques sangrentos e cotidianos.

“O desastre que se abateu sobre Israel”, escreve o Haaretz, “é de clara responsabilidade de uma pessoa: Benjamin Netanyahu”. O jornal continua, dizendo que Netanyahu “foi um completo fracasso na identificação dos perigos a que estava conscientemente conduzindo Israel ao estabelecer um governo de anexação e expropriação, ao nomear Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir“, dois extremistas que são colonos ilegais na Cisjordânia, “para cargos essenciais, e ao adotar, ao mesmo tempo, uma política externa que ignorava abertamente a existência e os direitos dos palestinos”.

Ben-Gvir, o ministro da Segurança Nacional, é tão extremista que foi condenado em um tribunal israelense por apoiar o terrorismo e incitar o racismo contra os palestinos. Antes de entrar para o governo, ele protestou com cartazes que diziam “Fora árabes”, “Ou nós ou eles” e “Há uma solução: expulsar o inimigo árabe”.

O Haaretz cita as políticas de “limpeza étnica” do governo de Netanyahu, “uma expansão maciça de assentamentos [ilegais]” em terras palestinas roubadas, provocações na mesquita sagrada de Al-Aqsa em Jerusalém e “conversas abertas sobre uma ‘segunda Nakba’ em sua coalizão de governo”. Nakba, que significa “a catástrofe”, é o termo palestino para designar a onda de limpeza étnica, estupros, assassinatos e pilhagens perpetrada por grupos paramilitares terroristas israelenses em 1948, após a declaração do estado de Israel. Mais de 750 mil palestinos foram expulsos e 15 mil foram assassinados.

Na segunda-feira, o Haaretz publicou provas que demonstram perfeitamente que Netanyahu — e a maioria dos israelenses que o elegeu — não quer paz. Na realidade, ele fortalece o Hamas para justificar sua agressão beligerante como “antiterrorismo”. Em uma reunião privada em 2019, Netanyahu disse aos congressistas de seu partido, Likud, que “qualquer pessoa que queira impedir o estabelecimento de um estado palestino tem de apoiar o fortalecimento do Hamas e a transferência de dinheiro para o Hamas. Isso faz parte da nossa estratégia”.

Esse extremismo da parte de Israel é a causa do surto de violência, não o “islamismo”, o antissemitismo ou o ódio irracional. Os israelenses minimamente razoáveis veem isso claramente. Porém, qualquer um que tenha a coragem de dizer o óbvio no Brasil será criticado como apologista do terrorismo, apoiador do Hamas ou antissemita.

Para a maioria da imprensa brasileira, que apaga todo o contexto em que se deu o ataque contra Israel, o único condenável é o Hamas, e as únicas vítimas que merecem ter sua humanidade totalmente reconhecida são os israelenses. Pois, como o comentarista Guga Chacra disse em um momento de honestidade chocante na GloboNews, “O que o Hamas fez é diferente. O Hamas matou pessoas”. Entendeu?

A pergunta que você deve fazer a si mesmo é: por que a imprensa brasileira opta por apoiar uma ocupação racista, violenta e colonial liderada por descendentes de europeus brancos com uma visão de mundo cada vez mais abertamente genocida? Não esqueça das palavras assustadoramente claras do ministro de Defesa Yoav Gallant na segunda-feira: “Estamos lutando contra animais humanos e agimos de acordo com isso”, disse ele. “Não haverá eletricidade, comida, combustível, tudo está fechado” em Gaza.

Opressão é pop, me parece. Deve ser por isso que, para os donos da grande mídia brasileira, ficar do lado de Israel não foi uma escolha muito difícil.

Recomendo que você leia abaixo o editorial completo, que traduzimos.

Editorial do Haaretz: Netanyahu é responsável por essa guerra entre Israel e Gaza

O desastre que se abateu sobre Israel durante a celebração de Simchat Torá é claramente responsabilidade de uma pessoa: Benjamin Netanyahu. O primeiro-ministro, que se orgulha de sua vasta experiência política e de sua sabedoria insubstituível em matéria de segurança, foi um completo fracasso na identificação dos perigos a que estava conscientemente conduzindo Israel ao estabelecer um governo de anexação [de territórios] e expropriação, ao nomear Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir para cargos essenciais, e ao adotar, ao mesmo tempo, uma política externa que ignorava abertamente a existência e os direitos dos palestinos.

Netanyahu certamente tentará fugir de sua responsabilidade e atribuir a culpa aos comandantes do Exército, da inteligência militar e do serviço de segurança Shin Bet. Como seus antecessores às vésperas da Guerra do Yom Kippur, eles enxergaram uma baixa probabilidade de guerra, e seus preparativos para um ataque do Hamas se mostraram falhos.

Eles desprezaram o inimigo e sua capacidade militar de ataque. Ao longo dos próximos dias e semanas, quando a extensão dos fracassos das forças de defesa e da inteligência de Israel vier à tona, certamente surgirá uma demanda justificada para substituí-las e fazer um balanço geral.

No entanto, o fracasso militar e de inteligência não isenta Netanyahu de sua responsabilidade pela crise de forma geral, uma vez que é ele, em última instância, o árbitro das questões de segurança e política externa de Israel. Netanyahu não é novato nesse papel, como era Ehud Olmert na Segunda Guerra do Líbano. Tampouco é ignorante em assuntos militares, como alegavam ser Golda Meir, em 1973 [quando estourou a Guerra do Yom Kippur], e Menachem Begin, em 1982 [ano em que Israel invadiu o Líbano pela primeira vez].

Netanyahu também moldou a política adotada pelo breve “governo da mudança” liderado por Naftali Bennett e Yair Lapid: um esforço multidimensional para subjugar o movimento nacional da Palestina em ambos os flancos, em Gaza e na Cisjordânia, a um custo que pareceria aceitável para o público israelense.

No passado, Netanyahu vendia a imagem de líder cauteloso que evitou guerras e inúmeras baixas do lado de Israel. Após sua vitória nas últimas eleições, ele substituiu essa cautela pela política de um “governo de plena direita”, e tomou abertamente medidas para anexar a Cisjordânia e realizar a limpeza étnica da Zona C definida em Oslo, incluindo as colinas de Hebron e o vale do Jordão.

Esse plano também incluía a expansão maciça dos assentamentos [ilegais] e a ampliação da presença judaica no Monte do Templo, perto da Mesquita de Al-Aqsa, além de alarde sobre um iminente acordo de paz com os sauditas em que os palestinos não receberiam nada, com conversas abertas sobre uma “segunda Nakba” em sua coalizão de governo. Como esperado, sinais de uma onda de hostilidades surgiram na Cisjordânia, onde os palestinos começaram a sentir a mão mais pesada da ocupação israelense. O Hamas aproveitou a oportunidade para lançar seu ataque surpresa no sábado.

Acima de tudo, o perigo que pairava sobre Israel nos últimos anos foi plenamente concretizado. Um ministro denunciado em três casos de corrupção não pode cuidar de assuntos de estado, pois o interesse nacional estará necessariamente subordinado ao objetivo de livrá-lo de uma possível condenação à pena de prisão.

Essa foi a razão para a constituição dessa terrível aliança e do golpe judicial levado adiante por Netanyahu, e para o enfraquecimento dos altos oficiais das forças armadas e do serviço de inteligência, que eram percebidos como adversários políticos. O preço foi pago pelas vítimas da invasão no Negev ocidental.

Bye, bye, Bibi! Não deixará saudade em Israel

O estado de Israel foi criado para dar abrigo e proteger os judeus que viviam perambulando pelo mundo sem ter onde se fixar. O Holocausto, obra da loucura de um austríaco que vestiu a camisa da Alemanha durante a primeira guerra mundial – sim, ele mesmo, Hitler -, dizimou mais de 6 milhões de judeus.

Quem governa Israel e fracassa na tarefa número 1, que é a de garantir segurança ao seu povo, cai mais cedo ou mais tarde; com as honras e as vantagens de um ex-chefe de estado, ou somente com as vantagens, mas cai. E é isso que irá acontecer com Benjamin Netanyahu, também conhecido pela alcunha de Bibi.

Netanyahu lidera Israel há quase 16 anos e trava neste momento a batalha de sua vida. Israel sobreviverá outra vez às guerras em que se meteu ou que a meteram, mas Bibi, aos 73 anos, irá para casa. Ele perdeu a oportunidade de entrar para a história como o líder que mais trouxe paz e desenvolvimento para seu país.

Entrará para a história como um político acusado de corrupção, e que para não ser preso e desonrado, mudou a Constituição e enfraqueceu o bem mais caro do patrimônio de Israel – sua democracia, uma pérola em meio ao mar de ditaduras que comandam os países árabes com mão de ferro.

Israel jamais sofreu um apagão de inteligência militar como o de 7 de outubro de 2023. Foi História, com H maiúsculo, o que se passou naquele dia quando um grupo de soldados do Hamas, organização criminosa que governa a Faixa de Gaza, invadiu Israel, matou centenas de pessoas e sequestrou entre 100 e 150.

Como foi possível? Só o futuro dirá. O ataque sepultou todas as políticas de Bibi em relação aos palestinos. Foi para dividi-los que Bibi deu força ao Hamas em detrimento da Autoridade Palestina que governa a Cisjordânia. Ele se gabava de obrigar o Hamas a ser seu parceiro. Vez em quando o provocava, ou era provocado.

Nada que incursões aéreas limitadas não dessem conta. E assim foi até o último sábado. A maioria dos israelenses admite que Bibi se manterá no cargo enquanto a guerra durar, mas parte deles começa a duvidar disso. Moshe Yaalon, ex-chefe do Estado-Maior do Exército e ministro da Defesa, pediu para que Bibi renuncie.

Ouvido pelo The New York Times, Amit Segal, colunista político do Yedioth Ahronoth e um dos jornalistas mais próximos de Netanyahu, disse que o primeiro-ministro não poderia escapar da culpa pelo fracasso sistémico e por uma política de tolerância do Hamas para tentar estabilizar Gaza:

“Não sei dizer quando, mas será muito difícil para ele sobreviver politicamente. “A história israelense nos ensina que guerras malsucedidas levam a uma mudança de governo. A história israelense é clara sobre o futuro que está por vir.”

O biógrafo de Netanyahu, Mazal Mualem, é taxativo:

“Na minha opinião, ele entende que não será capaz de continuar depois de um fracasso tão devastador e, por isso, está focado em alcançar sucesso militar e diplomático durante esta guerra. […] Ele adormeceu no trabalho e não conseguiu manter a segurança de Israel. É o pesadelo dele que se tornou realidade.”


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