18/05/2024 - Edição 540

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Após noite de massacre em Gaza e bombardeio de ‘Hospital do Câncer’, Netanyahu diz que Israel não aceitará cessar-fogo humanitário

Objetivo do sionismo é expulsar 2 milhões de palestinos para o Egito e transformar Gaza em uma terra devastada

Publicado em 31/10/2023 9:41 - Brasil de Fato, RBA, Leonardo Sakamoto (UOL), Camila Boehm (Abr) – Edição Semana On

Divulgação Criança num bairro de Gaza arrasado por ataques aéreos israelitas. Foto © UNICEF/Mohammad Ajjour

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O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou que Israel não vai aceitar um cessar-fogo em Gaza. A afirmação foi feita horas depois de a Força Aérea israelense afirmar ter atingido 600 alvos de domingo para segunda, no maior ataque desde o início do conflito.

Pelo menos 8.306 morreram vítimas dos ataques israelenses, entre as quais 3,5 mil crianças, segundo informações do Ministério da Saúde de Gaza. O número de vítimas dos ataques do Hamas totalizaram 1,4 mil mortes desde o dia 7 de outubro, segundo as autoridades israelenses.

“Mesmo as guerras mais justas têm vítimas civis não intencionais”, disse Netanyahu ao falar sobre as mortes provocadas pelos ataques israelenses. Ele afirmou que mais de 200 reféns estão em poder do Hamas, e que “todos os países civilizados deveriam estar do lado de Israel para exigir que esses reféns sejam libertados”.

O Hamas, grupo que controla a região de Gaza, propôs a libertação dos reféns em troca do cessar-fogo e divulgou um vídeo de três reféns entregando uma declaração dirigida ao primeiro-ministro isralense. “Liberte-nos agora. Liberte seus civis, liberte seus prisioneiros, liberte-nos, liberte a todos nós, deixe-nos voltar para nossas famílias agora. Agora! Agora! Agora!”, diz uma mulher israelense no vídeo.

As declarações de Netanyahu acontecem no momento em que ele enfrenta uma crise política em seu próprio país, em decorrência das declarações feitas no domingo (29), quando afirmou não ter sido alertado sobre os planos de ataque em larga escala do Hamas. Esses comentários provocaram uma intensa controvérsia política e causaram divisões dentro de seu gabinete de guerra. Posteriormente, Netanyahu apagou os comentários que havia publicado no X, antigo Twitter, na madrugada deste domingo e emitiu um pedido de desculpas.

Também nesta segunda-feira, o Conselho de Segurança da ONU realiza uma nova reunião de emergência para discutir o cessar-fogo na região. O Brasil está na presidência rotativa do Conselho até esta terça. Até o momento, quatro propostas de resoluções sobre a guerra foram vetadas. Foram duas propostas da Rússia, uma do Brasil e outra dos Estados Unidos. A proposta brasileira recebeu 12 votos favoráveis, mas acabou vetada pelos EUA.

Israel ataca único hospital contra o câncer na Faixa de Gaza

Israel bombardeou ontem (30), de acordo com informação da imprensa local confirmada pelo Ministério da Saúde, o único hospital da Faixa de Gaza que trata de pacientes com câncer. O número de vítimas ainda é incerto. Além da crueldade presente no massacre israelense contra civis palestinos desde o dia 7 de outubro, este ataque também tem significado geopolítico. Isso porque trata-se do Hospital de Amizade Turco-Palestino. O governo turco vem subindo o tom contra Israel, inclusive não descartando um revide pelo genocídio.

Ataque a hospitais e instalações humanitárias são parte da rotina do exército israelense. Apesar de configurar crime de guerra, o estado sionista pouco dá voz aos tratados e mesmo à comunidade internacional que, em massa, cobra o fim do massacre. Já são cerca de 30 instalações médicas atingidas. Até o momento, o conflito deixa mais de 9.500 mortos, sendo 8.300 palestinos. Destes, mais de 60% são mulheres e crianças. A grande maioria das vítimas são civis inocentes.

A imprensa local confirma os ataques, bem como veículos do mundo árabe como a Al Jazeera, do Catar. A Turquia não demorou a manifestar repúdio, disse ser “inexplicável”. “O cerco e esses ataques desumanos, que visam privar o povo palestino em Gaza de seus direitos mais básicos, violam claramente o direito internacional. Israel precisa parar de atacar os residentes de Gaza em massa, sem discriminação”, disse o ministério das Relações Exteriores turco.

Ainda de acordo com a imprensa local, os bombardeios israelenses causaram danos significativos. Incluindo um incêndio no terceiro andar, posteriormente controlado. Além disso, alguns sistemas eletromecânicos foram danificados, expondo tanto a equipe médica quanto os pacientes a perigos.

O governo turco financiou a construção do hospital entre 2011 e 2017, tornando-o o maior hospital da Palestina, com uma área de 34.800 metros quadrados e capacidade para 180 leitos.

Ministério de Israel sugere remoção forçada de moradores de Gaza ao Egito

Um documento do Ministério da Inteligência de Israel sugere uma realocação forçada dos mais de 2,2 milhões de habitantes da Faixa de Gaza para a Península do Sinai, pertencente ao Egito, após uma hipotética derrubada do Hamas.

Questionado pelo Haaretz, um dos mais importantes jornais israelenses, o gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu minimizou o texto, afirmando que se trata de um “documento inicial” e que não está sendo considerado neste momento.

“Este é um documento inicial do tipo que pode ser encontrado em dezenas de interações em todos os níveis do governo e dos serviços de segurança. A questão do ‘dia seguinte’ não foi discutida em nenhum fórum oficial em Israel, que agora está focado na eliminação das capacidades governamentais e militares do Hamas”, afirmou ao jornal.

A Associated Press diz que o governo israelense justificou o texto como um exercício hipotético. Mas foi o suficiente para colocar mais gasolina na fogueira.

Datada de 13 de outubro, a proposta prevê a construção de acampamentos com tendas no Norte do Sinai e, depois, cidades permanentes separadas da fronteira com Israel e Gaza por uma “zona tampão” de alguns quilômetros para dificultar os palestinos de tentarem voltar.

Ela também traz outras alternativas que não passam pela realocação forçada dos palestinos: uma que permite a Autoridade Palestina, expulsa de Gaza pelo Hamas e que controla parcialmente a Cisjordânia, volte a chefiar o território, e outra em que Israel estabeleça um governo pelos residentes locais.

Em todas as opções, Israel não pergunta aos palestinos o que querem para a própria vida. Tampouco aos egípcios. Não é de hoje que autoridades egípcias temem que Israel tente impor uma solução para a Faixa de Gaza que passe pela realocação em massa em direção ao seu território.

O governo do Cairo se nega a abrir os portões para a entrada de refugiados palestinos. Uma das justificativas é que o Egito desconfia de que, após a autorização de instalação provisória de refugiados, Israel impeça o retorno de civis e instale assentamentos israelenses em Gaza.

Esse tipo de proposta, ainda que hipotética, ignora que um território não é apenas um punhado de lotes, mas envolve raízes históricas, culturais e sociais. E, ironicamente, bate de frente com a mesma justificativa dada para a partilha da Palestina e a criação do Estado de Israel em 1948.

Cerca de 60 mil refugiados e descendentes palestinos vivem no Brasil

O povo palestino vive há décadas a expulsão e a fuga contínua de seus territórios, devido à ocupação e colonização israelense desde 1948, com a criação do Estado de Israel. A Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para Assistência aos Refugiados Palestinos (Unrwa) aponta que 6 milhões de pessoas dependem dos serviços da entidade nos Territórios Palestinos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, assim como nos países vizinhos Líbano, Síria e Jordânia.

Tal fenômeno não é, portanto, resultado de conflitos pontuais, nem um episódio que ficou no passado. A avaliação é de especialistas e representantes da comunidade palestina no Brasil, que apontam a existência de um regime de apartheid na região.

A tensão entre Israel e Palestina, que se estende há mais de 70 anos, envolve geopolítica, terras e religião, tendo em vista que a região é sagrada para o judaísmo, o islamismo e o cristianismo.

Além dos campos de refugiados no Oriente Médio, palestinos migraram para diversas partes do mundo, inclusive o Brasil. Estima-se que 60 mil imigrantes e refugiados palestinos, incluindo os descendentes, vivem no país, sendo a maioria em São Paulo, de acordo com levantamento da Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal).

É o caso da jornalista palestino-brasileira Soraya Misleh, coordenadora da Frente em Defesa do Povo Palestino, que é filha de um sobrevivente da Nakba – palavra árabe que se refere ao êxodo de palestinos de áreas que se tornariam Israel.

O pai dela tinha 13 anos quando deixou a aldeia em que vivia, junto com cerca de 800 mil palestinos expulsos de suas terras.

“O meu pai é um que foi refugiado e passou a vida inteira sonhando com o retorno, como tantos outros. São seis milhões em campos de refugiados, mais milhares na diáspora. Ele faleceu há cinco meses, com 88 anos, e ele dizia o seguinte: ‘Filha, se eu pisar na minha terra e morrer, eu morro feliz’”, contou.

Ela lamenta que o pai não tenha conseguido voltar à Palestina. “Nem o direito de pisar na terra dele e morrer feliz, ele teve. Isso é parte da tragédia palestina que continua até hoje, então o que nós estamos pedindo é socorro”, disse.

O avô materno de Aline Baker também fugiu da Palestina, no final da década de 1950, quando tinha cerca de 20 anos. Ele veio sozinho e não sabia falar português. O avô de Aline se instalou em Catanduva, no interior de São Paulo, onde alguns primos já moravam. Com ajuda dos parentes, começou a vender roupas de porta em porta e aprendeu português. Depois, casou-se e passou a viver definitivamente no Brasil.

Mesmo com a morte do avô, Aline conta que a família ainda mantém contato com os parentes na Palestina até hoje. “O contato nunca morreu. Sempre em contato por cartas, naquela época. E ele voltava lá de vez em quando, passeava, levou minha avó, minha mãe”, relatou.

“Ele contava histórias sempre com brilhos nos olhos. A gente sempre teve muita vontade de ir para lá, porque mesmo com a violência que sempre existiu ali, que ele viveu, ele sempre contava com muito amor, como que era o tratamento das pessoas, como que eles viviam lá, sobre a colheita. Ele sempre falou com muito amor e também, lógico, com muita dor”, disse, acrescentando que o avô sempre lamentava ver as cenas de violência nos conflitos na região e como os palestinos são retratados pela mídia.

Em relação à guerra, Aline Baker disse que não há um cidadão na Palestina que não tenha sofrido as consequências do conflito. “Não tem um cidadão que não tenha alguém [da família] que foi assassinado, ou por colono ou por soldados, ou que foi preso”.

Expulsão

De acordo com o professor de Direito Internacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), João Amorim, a expulsão contínua dos palestinos de seu território começou antes mesmo da criação do Estado de Israel, já com a formação de algumas milícias judaicas na época, de resistência inclusive ao mandato britânico da Palestina. Com a Nakba, o processo foi agravado e houve uma grande migração forçada.

“Imagine você sendo forçado a largar a sua casa agora, com a roupa do seu corpo, e fugir para outro país a pé, ou de carro, com o pouco que você tem. A sensação do desterro é algo que nunca vai abandonar o refugiado. Ele foi forçado a sair do lugar da história dele, dos afetos dele, o prejuízo é imenso. Ele não queria estar onde está e na condição que está”, disse Amorim à Agência Brasil, ressaltando que o Israel tem projeto de expulsar por completo árabes e palestinos da região.

Soraya considera que o povo palestino resiste, há 75 anos, a uma colonização “brutal” e uma “limpeza étnica”. “Enquanto falo com você, mais uma família palestina está sendo dizimada. Gaza, em que vivem 2,4 milhões de palestinos sob cerco desumano há 15 anos e uma crise humanitária dramática, já tinha enfrentado outros bombardeios massivos e frequentemente vinha sendo alvo do que chamamos de bombardeios ‘a conta-gotas’ por parte de Israel, por algumas horas ou um dia, sem que o mundo se desse conta”, disse em relação à violência que assola a região.

O governo de Israel argumenta ter o direito e dever de se defender dos ataques, como o iniciado no dia 7 de outubro, por uma questão de existência. Os israelenses alegam que o grupo Hamas, que controla a Faixa de Gaza há mais de uma década, quer destruir o país, que tem obrigação de proteger seus cidadãos.

Pelo menos 8.306 palestinos foram mortos, incluindo 3.457 crianças, em ataques israelenses em Gaza desde 7 de outubro, informou o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, nesta segunda-feira (30). Segundo Israel, o ataque do Hamas deixou mais de 1.400 mortos e 200 pessoas foram feitas reféns pelo grupo.

Outro conflito recente ocorreu em 2021 em meio a disputas pelo avanço de Israel sobre Jerusalém. Foram dez dias de ataques, resultando em 232 palestinos mortos, segundo autoridades de saúde em Gaza, e cerca de 1,9 mil feridos em ataques aéreos. Na época, Israel informou ter matado pelo menos 160 combatentes. Foram mortos 12 israelense, com centenas de feridos, segundo Israel.

Em 2018, cerca de 40 mil manifestantes, segundo dados do Exército israelense, marchavam na divisa entre Gaza e Israel para marcar os 70 anos da Nakba e foram atacados a tiros, deixando 2.771 feridos, sendo mais de 200 menores de idade.

Refúgios em conflito

Outra realidade que envolve os refugiados é serem forçados a ir para países que também enfrentam conflitos, como a Síria. Sem condições de permanência, precisam ser novamente deslocados.

O padre Marcelo Maróstica Quadro e vice-diretor da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, entidade que faz acolhimento no Brasil, aponta que parte dos palestinos que estão no país foram registrados como sírios, mas, na verdade, são palestinos que já estavam deslocados.

“No Brasil, deve ter muito mais palestinos por causa desse processo de subnotificação, porque eles estavam em outro país, vieram de outro país, pela própria situação difícil do reconhecimento do Estado palestino”, avalia.

De acordo com ele, em 2007, houve um processo de reassentamento de 108 palestinos no Brasil, que vieram de um campo de refugiados na Jordânia. Um grupo ficou em São Paulo, e o restante foi para o Rio Grande do Sul.

“Terra com povo” 

Para o professor João Amorim, o discurso que a Palestina era uma terra sem povo não condiz como a verdade, argumento usado por lideranças sionistas. Ele explica que o plano da ONU, patrocinado pela Grã-Bretanha em 1947 e 1948, contava com a divisão do território para contemplar os judeus, o que viria a ser Estado de Israel, e um território para os árabes e palestinos.

“Se era uma terra desocupada, por que que dividiram em dois pedaços? Dividiram em dois pedaços porque existia já historicamente uma série de povos vivendo naquele território”, concluiu.

Segundo o especialista, sob o Império Romano, há mais de dois mil anos, havia na área não apenas os judeus, mas árabes, berberes, fenícios, diversas etnias e tribos convivendo ali. “Aquela região nunca foi despovoada, nunca foi um deserto, é uma inverdade você dizer que foi colocada ali porque era uma terra sem povo”, acrescentou.

O sionismo é um movimento surgido no século 19 na comunidade judia na Europa que buscava uma solução para a questão judaica. Naquela época, o antissemitismo – que é a discriminação contra os povos semitas, entre os quais, está o povo judeu – estava em crescimento no continente.

Foi o sionismo enquanto movimento político que deu corpo à criação do Estado de Israel, em 1947, logo após o Holocausto na Europa, quando cerca de 6 milhões de judeus foram assassinados, principalmente em campos de concentração da Alemanha nazista. O termo sionismo faz referência ao Monte Sião, nome de uma das colinas de Jerusalém e usado como sinônimo de terra prometida, ou terra de Israel.

Ualid Rabah é filho de pai e mãe refugiados da Palestina, vindos para o Brasil na década de 1960. “Nós fomos expulsos do [território] que Israel se tornou, em 78% da nossa terra roubada, 88% de nós fomos expulsos. Somos de uma terra que vive a ocupação, na Cisjordânia, em Gaza e Jerusalém Oriental”, disse.

Rabah teme que a proporção da violência do atual conflito represente o extermínio de seu povo. “Somos de uma região que [se] vive sobre escombros e cadáveres, de uma região que morre 22 palestinos para cada israelense, que vive um regime de apartheid, e que neste momento vive este morticínio”, lamentou o presidente da Fepal.

Prisão a céu aberto 

Especialista em Direito Internacional, João Amorim afirma que a Faixa de Gaza é considerada pelas Nações Unidas a maior prisão a céu aberto do mundo. Desde o bloqueio imposto por Israel, em 2007, a região tem acesso limitado a energia e água, cerca de cinco horas por dia, não há emprego para todos e os habitantes não podem entrar e sair quando desejam, conforme o professor.

Ualid Rabah disse que o cerco, inclusive, tem impedido a retirada dos palestinos da zona de conflito. “O processo de tornar Gaza inabitável visa, aos poucos, retirar os palestinos dali. Fazer com que os palestinos não sigam mais vivendo na sua terra”, avaliou.

Desde o início do conflito, o governo brasileiro atua para retirar brasileiros que estão em Gaza. Cerca de 30 brasileiros e familiares estão sendo acompanhados pela Representação do Brasil em Ramala, na Cisjordânia, e aguardam a abertura da fronteira com o Egito. A situação é preocupante porque, apesar da Embaixada enviar dinheiro, há dificuldade em se encontrar água e alimentos. Eles estão em casas alugadas pelo governo brasileiro.


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