18/05/2024 - Edição 540

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Lula e líderes estrangeiros propõem acordo para eleição justa na Venezuela

Isolamento do país não gerou resultados contra agressões aos direitos humanos

Publicado em 18/07/2023 1:19 - Jamil Chade (UOL) - Edição Semana On

Divulgação Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Governos sul-americanos e europeus pedem que a oposição e o governo venezuelano fechem um acordo para a realização de eleições livres e justas em Caracas em 2024. O processo eleitoral seria acompanhado pelo fim das sanções contra o governo de Nicolas Maduro, desde que os venezuelanos aceitem um monitoramento internacional.

Trata-se de um primeiro passo para o fim de isolamento da Venezuela e que começou já a ser costurado com a reunião realizada na segunda-feira em Bruxelas entre membros do governo Maduro, oposição e Luiz Inácio Lula da Silva, Emmanuel Macron (França), Gustavo Petro (Colômbia), Alberto Fernandes (Argentina) e Josep Borell, o chefe da diplomacia da UE.

Também participaram do encontro Gerardo Blyde, principal negociador da oposição, e Delcy Rodriguez, vice-presidente da Venezuela.

Nesta terça-feira (18), numa declaração conjunta, Argentina, Brasil, Colômbia, França, Venezuela e o Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, pedem que:

– o governo venezuelano e a plataforma unitária da oposição venezuelana retomem o diálogo e a negociação no âmbito do processo do México, com o objetivo de chegarem a um acordo, entre outros pontos da agenda, sobre as condições para as próximas eleições.

– ocorra uma negociação política que leve à organização de eleições justas para todos, transparentes e inclusivas, que permitam a participação de todos que desejem, de acordo com a lei e os tratados internacionais em vigor.

– o processo eleitoral tenha um acompanhamento internacional.

– o processo deva ser acompanhado de um suspensão das sanções, de todos os tipos, com vistas à sua suspensão completa.

Para os presidentes, a cúpula desta semana entre a UE e América Latina é uma “oportunidade de trabalhar em conjunto em prol da resolução da situação venezuelana”.

“Eles propuseram que os participantes da reunião continuem a dialogar, no marco das iniciativas estabelecidas, de forma a fazer um novo balanço no Fórum de Paz de Paris em 11 de novembro de 2023”, completou a nota.

No texto, os presidentes ainda expressaram sua solidariedade com os países que acolhem cidadãos venezuelanos que deixaram seu país. “Eles saudaram a assinatura na Cidade do México de um acordo social inter-venezuelano, em 26 de novembro de 2022, e solicitaram sua implementação efetiva o mais rapidamente possível, em prol do povo venezuelano”, disse.

Isolamento fracassou

Para os líderes estrangeiros, a constatação é que o isolamento fracassou e a mera realização de um encontro já é um ponto inicial que pode marcar uma transformação na forma de lidar com Caracas.

A avaliação é de que a pressão realizada até agora, inclusive com sanções, não resultou na queda de Maduro nem em uma mudança em sua política de direitos humanos e, de quebra, ainda ampliou a crise doméstica para milhões de pessoas.

No governo brasileiro, a percepção é de que o isolamento da Venezuela por parte dos governos de Jair Bolsonaro e de Donald Trump levou o país a ser alvo de um espaço de disputa geopolítica, inclusive com influência da Rússia e China.

Ao retirar a Venezuela dessa condição, a esperança é de que essa disputa geopolítica possa perder força.

O processo, porém, não vem sem críticas. Um dos temores dos negociadores é de que Caracas use o processo de diálogo para ganhar tempo e, assim, consolidar uma posição de liderança para vencer as eleições em 2024.

Parte da oposição é crítica ao comportamento do Brasil, alegando que o Itamaraty não estaria dando o espaço necessário para ouvir o que os dissidentes alertam sobre a repressão que ainda vigora no país.

Repressão continua, segundo a ONU

A oposição ainda destaca que, qualquer que seja o processo de normalização, será necessário que Maduro mude de forma importante sua forma de lidar com a situação de direitos humanos. Os dissidentes citam o último informe da ONU sobre a Venezuela, que denuncia restrições contra a sociedade civil, dissidentes sem acesso à Justiça, fechamento de rádios e criminalização de sindicalistas.

O documento, obtido pelo UOL, se refere à apuração realizada pela ONU entre maio de 2022 e abril de 2023. Apesar de destacar alguns avanços por parte do governo de Nicolas Maduro, o texto evidencia a preocupação internacional em relação aos ataques contra direitos humanos e a democracia no país.

O informe denuncia as sanções impostas pelos americanos contra a Venezuela e aponta que tais medidas afetam os direitos da população. Há também um reconhecimento de ações por parte do governo Maduro para atender comunidades mais pobres. Mas a investigação deixa claro a existência de importantes preocupações e violações de direitos fundamentais.

Espaço para sociedade civil

Durante o período examinado, a ONU continuou a “documentar restrições ao espaço cívico, incluindo estruturas legais restritivas que continuam em vigor, limitando o trabalho das organizações da sociedade civil e relatos de que vozes dissidentes foram submetidas a procedimentos judiciais e administrativos arbitrários, bem como à estigmatização”.

A ONU diz ter documentado 21 relatos de ameaças e assédio, 46 casos de estigmatização em mídias sociais ou transmissões públicas por funcionários do Estado e 17 casos de criminalização, incluindo 10 casos de detenção arbitrária contra defensores de direitos humanos, jornalistas e outros atores da sociedade civil, incluindo oito mulheres. A ONU, portanto, “incentiva a Venezuela a continuar seus esforços para garantir um espaço cívico aberto e pluralista”.

Liberdade de imprensa

Entre maio de 2022 e abril de 2023, a ONU documentou o fechamento de 16 estações de rádio em todo o país. “De acordo com organizações da sociedade civil, 2022 marcou um pico sem precedentes de fechamento de estações de rádio”, diz o informe.

Proprietários e gerentes de estações de rádio temiam denunciar a situação publicamente. Na maioria dos casos de fechamento documentados pelo ONU, as estações não tinham as licenças correspondentes devido à falta de renovação ou extensão”.

“Diferentes emissoras relataram dificuldades em obter licenças caras das autoridades relevantes, em realizar procedimentos administrativos em Caracas devido à falta de escritórios regionais de registro, à falta de resposta ou à recusa em concluir os procedimentos”, indica.

“Portanto, as estações de rádio muitas vezes não conseguem cumprir as obrigações legais, apesar de seus esforços. Várias emissoras supostamente substituíram os programas de notícias, opinião ou reclamações dos cidadãos por outros tipos de programação para evitar represálias das autoridades”, conta a investigação.

A ONU ainda documentou 44 bloqueios de sites, incluindo mídia nacional (29) e internacional (quatro), organizações da sociedade civil (três), serviços digitais on-line (cinco) e serviços de privacidade (três). Esses bloqueios foram realizados por provedores de serviços de Internet (ISP) estatais e privados, sem ordem formal ou notificações.

Os bloqueios de sete sites foram suspensos e a ONU espera que outros sigam o mesmo caminho, de acordo com as liberdades fundamentais.

Em junho de 2022, uma empresa de telecomunicações divulgou informações sobre suas 7,9 milhões de linhas de serviço (acessos telefônicos e de dados) de 2021, observando que mais de 1,5 milhão dessas linhas estavam sujeitas a solicitações de interceptação e quase um milhão estavam sujeitas a solicitações de metadados.

“Essas informações levantam preocupações significativas sobre a interferência indevida no direito à privacidade dos indivíduos afetados”, diz o documento oficial.

A ONU ainda se diz preocupada diante da aplicação de uma lei para “criminalizar e deslegitimar o trabalho de defensores de direitos humanos, jornalistas e outras pessoas”.

Restrição contra a oposição

A ONU ainda afirmou estar preocupada com 14 alegações recebidas entre fevereiro e abril de 2023, relativas a restrições ao direito de participar da condução de assuntos públicos.

Isso inclui “assédio e outras formas de intimidação contra membros de partidos políticos e militantes no contexto da campanha eleitoral para as Primárias lançada por parte da oposição”.

“Durante o período do relatório, a ONU recebeu relatórios sobre a desqualificação de pessoas para participar de processos eleitorais pelo Escritório da Controladoria General de la República”, disse. “Nenhuma notificação sobre a abertura dos procedimentos ou aviso foi emitido antes dessas desqualificações, restringindo assim o exercício do direito de defesa”, alertou.


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