18/05/2024 - Edição 540

Especial

Um Brasil para todos

Lula subiu a rampa com o povo: agora é trabalhar para reconstruir o país

Publicado em 02/01/2023 9:58 - DW, Leonardo Sakamoto (UOL), Congresso em Foco, Thomas Milz e Jean-Philip Struck (DW) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Empossado em uma cerimônia marcada por simbolismos, Luiz Inácio Lula da Silva iniciou seu terceiro mandato como presidente da República no domingo (01/01) sob a promessa de reerguer o “edifício de direitos e valores nacionais” construído a partir da Constituição de 1988 e combater a fome e as desigualdades sociais.

Na ausência de Jair Bolsonaro, seu antecessor no cargo, e do vice dele, Hamilton Mourão, Lula subiu a rampa do Planalto ladeado pelo cacique Raoni Metuktire, uma das principais lideranças indígenas do país, e outros sete brasileiros: uma criança negra, uma catadora, um metalúrgico, um professor, uma cozinheira, um jovem com deficiência e um ativista político. Foi das mãos deste mesmo grupo, uma evocação do “povo brasileiro”, que Lula recebeu a faixa presidencial.

Lula desfilou a bordo do Rolls Royce presidencial, que foi ocupado também pela primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, e pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e sua mulher, Lu Alckmin.

Para Magna Inácio, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a imagem do presidente e seu vice desfilando juntos no Rolls Royce reforça a imagem de um governo de frente ampla, que está disposto a compartilhar o poder, enquanto o rito de passagem da faixa presidencial com brasileiros comuns é um emblema das minorias desassistidas durante o governo Bolsonaro.

“Há toda uma simbologia do governo, em duas direções: partidária, com o Alckmin no carro nesse deslocamento entre Congresso e Palácio do Planalto e o elemento do compartilhamento do poder, mas também um compartilhamento de poder com garantia de espaço para minorias nesse governo. Isso não é novidade nos governos do PT, mas ganha um sentido especial após o governo Bolsonaro pelas restrições que foram impostas a essas minorias, comprometendo políticas públicas que são garantidoras de direitos, de cidadania”, explica a docente da UFMG.

Tanto Bolsonaro, que abandonou a Presidência e deixou o país no último dia 30, quanto Mourão se recusaram a participar da cerimônia, contrariando um rito tradicional da transição de poder no mais alto cargo da República.

Segundo Inácio, a principal mensagem da posse é que a “agenda econômica de redução da desigualdade, de enfrentamento da fome e de problemas econômicos que ampliaram essa desigualdade” deve ser a grande prioridade do novo governo, aliada à inclusão de minorias “que nos dizem na ponta como essas desigualdades se manifestam”.

Ela avalia que a aprovação da PEC da Transição, que garantiu a continuidade de políticas de transferência de renda e abriu espaço nas contas públicas, deixou Lula em posição mais confortável para priorizar a questão social em seus pronunciamentos no Congresso, durante a assinatura do termo de posse, e no parlatório do Palácio do Planalto, quando falou a apoiadores e criticou Bolsonaro.

Posse pela terceira vez é superação de Lula e do PT

Além de Janja e da comitiva que brasileiros que acompanhou Lula e Alckmin na subida da rampa do Planalto, o presidente empossado foi escoltado no trajeto também por Resistência, uma cadela adotada pela primeira-dama na época em que o petista esteve preso em Curitiba por condenações no âmbito da Operação Lava Jato.

As condenações acabaram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, que ainda declarou a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Lula, que chegou a ficar 580 dias preso, acabou impedido de disputar a eleição presidencial de 2018.

“A cachorrinha é um símbolo de superação, porque ela representa a trajetória de um líder que foi candidato e acabou impedido em 2018, teve seus direitos garantidos após a anulação dos processos e não só se candidata na eleição seguinte como sai vitorioso dela”, afirma Inácio. “É um momento não só de superação pessoal, mas também institucional, na medida em que parte da Operação Lava Jato foi revista. Dialoga também com a história recente do PT, a própria experiência de governo interrompido da Dilma Rousseff.”

“O outro lado da história é a recusa do Bolsonaro em cumprir o decreto que prevê a passagem da faixa presidencial. Esse rito foi quebrado num ato que tem um agravante para a democracia brasileira se a gente pensar que os presidentes que se recusaram a fazer isso – Floriano Peixoto, João Figueiredo e agora Bolsonaro – são todos militares, com dificuldades claras em lidar com a democracia e transferência de poder para civis. São momentos diferentes, mas é muito emblemático que esse momento de negação se refira também a algo que é tão sensível para a democracia brasileira, que é a relação entre militares e civis.”

Por outro lado, Inácio diz ter se surpreendido com a fala do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, que discursou logo após Lula em defesa da reforma tributária e de uma agenda econômica encampada pelo Legislativo. Foi um gesto ambivalente, na avaliação da cientista política. “É uma sinalização muito clara de que o novo governo se inicia em condições que não são fáceis – apesar do capital político, apesar de ser o terceiro mandato, de Lula ser liderança experiente. Ele sabe que essa divisão do país e o fortalecimento recente do Congresso cria um cenário muito diferente daquele no qual ele está acostumado a governar.”

O povo passou a faixa para Lula

O momento em que Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto com representantes do povo brasileiro e recebeu deles a faixa presidencial foi o ponto alto das cerimônias de posse. Uma pessoa foi fundamental para a cena: Jair Bolsonaro. Com ele, nada disso seria possível.

Se o, agora, ex-presidente tivesse decidido entregar a faixa ao petista ao invés de fugir para Orlando, nos Estados Unidos, na última sexta (30), a fim de escapar de possíveis ações da Justiça brasileira, a imagem que nasceu antológica não teria acontecido.

Pior: ele poderia ter aprontado alguma coisa na última hora, jogado a faixa no chão, cuspido nela, bem o céu é o limite com Jair. No mínimo, seria ruidosamente vaiado por uma Praça dos Três Poderes tomada de vermelho – o que transformaria um momento de festa em um constrangimento.

A faixa é apenas uma questão simbólica, claro, Lula não precisaria recebê-la de ninguém para ser presidente. Mas símbolos são importantes por transmitirem à sociedade valores e princípios. No caso, a faixa representa a alternância pacífica de poder – um dos pilares da democracia.

Seria, contudo, hipocrisia se após quatro anos de um governo que espancou cotidianamente a democracia, fingirmos uma situação de tranquilidade institucional. Quem conhece as leis sabe que, por tudo o que ele fez, Jair é um condenado esperando acontecer.

Quanto à ajuda que uma cena de respeito entre ele e Lula traria à desmobilização dos ânimos acampados em torno dos quartéis, já passou o momento do convencimento. A partir de hoje, espera-se que as polícias e o Exército removam os que sobraram. E, se possível, encaminhe para uma instituição psiquiátrica os que estão celebrando que as Forças Armadas vão agir porque a bandeira está a meio pau no Comando Militar do Sudeste (na verdade, é porque o Pelé morreu, mas eles não acreditam).

No momento em que o petista chegou ao topo da rampa com o cacique Raoni, a catadora de recicláveis Aline Sousa, o operário Weslley Rodrigues, o professor Murilo de Quadros, a cozinheira Jucimara dos Santos, o artesão e militante Flávio Pereira, o influenciador que teve uma paralisia cerebral Ivan Baron e Francisco, de dez anos, morador da Zona Leste de São Paulo, houve mais do que uma comoção. Ocorreu uma catarse.

Não é preciso explicar o que significa a imagem de pessoas comuns levando Lula para dentro da sede do Poder Executivo depois de quatro anos em que os brasileiros mais humildes passaram ao largo das preocupações do presidente da República.

De dentro do Palácio do Planalto, vi ciscos caírem nos olhos de políticos, jornalistas e convidados presentes. O mesmo se repetiu pelas redes sociais, com uma multidão de pessoas deixando claro que havia chorado mais do que José Leôncio encontrando seu pai, o Velho do Rio, no fim da novela.

O fato de que o ex-presidente não entregou a faixa e o resultado foi muito melhor do que se tivesse entregue é uma metáfora do que nos espera. Você pode não gostar de Luiz, mas vai descobrir que, sem Jair, a vida é muito melhor.

Quem são eles?

Na ausência de Bolsonaro e de Mourão, a faixa presidencial foi entregue por um grupo de pessoas representando o povo brasileiro e a sua diversidade. As pessoas foram escolhidas por sua equipe de transição para representar diferentes grupos especiais homenageados por sua campanha eleitoral.

A representatividade pretendida incluiu um atleta negro de 10 anos, o paulistano Francisco. Também contou com a catadora Aline Sousa, que trabalha em uma cooperativa no DF, onde atua como representante da categoria. Um líder indígena, o cacique Raoni Metuktire, nascido na aldeia amazônida Kraimopry-yaka, também participou da entrega, aos seus 90 anos de idade.

Confira o perfil completo de cada um dos participantes da entrega da faixa presidencial

Revogaço, democracia: os destaques dos discursos de Lula

Ao tomar posse como presidente, Lula fez dois discursos – ao Congresso e ao público da Esplanada depois de vestir a faixa presidencial. Ele exaltou a democracia e o diálogo político, fez falas conciliadoras, mencionou um cenário “estarrecedor” deixado por seu antecessor e afirmou que a “atitude criminosa” do governo anterior durante o “genocídio” da pandemia “não deve ficar impune”.

Confiras destaques dos discursos:

“Democracia sempre”

Lula mencionou a palavra democracia 12 vezes em seus dois discursos.

O presidente afirmou que a eleição demonstrou “o compromisso do povo brasileiro com a democracia e suas instituições” e que é preciso reagir a “quaisquer ataques de extremistas que queiram sabotar e destruir” a democracia.

“Sob os ventos da redemocratização, dizíamos: ditadura nunca mais! Hoje, depois do terrível desafio que superamos, devemos dizer: democracia para sempre!”, afirmou o presidente.

Lula ainda afirmou que “cidadania é o outro nome da democracia” ao abordar direitos humanos e acesso aos serviços públicos.

Ao abordar as táticas ilegais usadas por seu antecessor na campanha para se manter no poder, Lula afirmou que “foi a democracia a grande vitoriosa nesta eleição, superando a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu; as mais violentas ameaças à liberdade do voto, a mais abjeta campanha de mentiras e de ódio tramada para manipular e constranger o eleitorado”.

“Revogaço”

Após ser empossado, Lula já tomou seu primeiro ato como presidente e assinou um “revogaço”.

Entre outras medidas tomadas por Lula neste domingo, estão o início de estudos para retirada de estatais do processo de privatização, revogação de atos que incentivam garimpo na Amazônia e que facilitaram o comércio de armas de fogo durante o governo Bolsonaro.

“Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação de acesso a armas e munições que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras. O Brasil não quer e não precisa de armas na mão do povo. O Brasil precisa de segurança, o Brasil precisa de livro, de educação e de cultura para que a gente possa ser um país mais justo”, disse.

Depois da posse, o novo presidente despachou para que a Controladoria-Geral da União (CGU) reavalie os sigilos de “cem anos” assinados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Ao abordar o papel do SUS na pandemia, Lula também aproveitou para afirmar que pretende revogar o teto de gastos. “O SUS é, provavelmente, a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 88. Certamente por isso foi a mais perseguida desde então e foi também a mais prejudicada por uma estupidez chamada teto de gastos que haveremos de revogar.”

Responsabilização

Lula abordou a pandemia de covid-19 que vitimou, oficialmente, quase 700 mil pessoas no país. Ele condenou o que chamou de “atitude criminosa” do governo Bolsonaro ao longo da crise e afirmou que as “responsabilidades por este genocídio hão de ser apuradas e não devem ficar impunes.”

“O período que se encerra foi marcado por uma das maiores tragédias da história: a pandemia de covid-19. Em nenhum outro país a quantidade de vítimas fatais foi tão alta proporcionalmente à população quanto no Brasil, um dos países mais preparados para enfrentar emergências sanitárias, graças à competência do nosso Sistema Único de Saúde. Este paradoxo só se explica pela atitude criminosa de um governo negacionista, obscurantista e insensível à vida. As responsabilidades por este genocídio hão de ser apuradas e não devem ficar impunes.”

Em outra fala, Lula afirmou que defende a “plena liberdade de expressão”, mas disse que é preciso “responsabilização dos meios pelos quais o veneno do ódio e da mentira são inoculados”, no que parece ter sido um recado direcionado para veículos de mídia de extrema direita e influenciadores que produzem fake news. “Este é um desafio civilizatório, da mesma forma que a superação das guerras, da crise climática, da fome e da desigualdade no planeta.”

Lula afirmou que não carrega “nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a nação a seus desígnios pessoais e ideológicos”, mas disse que “quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal, no que parece ter sido um recado duplo para o bolsonarismo e a Lava Jato. “O mandato que recebemos, frente a adversários inspirados no fascismo, será defendido com os poderes que a Constituição confere à democracia”, disse.

Pacificação

Lula pregou a pacificação do país em diversos momentos, mas também mandou recados para extremistas que se recusam a aceitar o resultado das urnas.

“A ninguém interessa um país em permanente pé de guerra, ou uma família vivendo em desarmonia. É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras. O povo brasileiro rejeita a violência de uma pequena minoria radicalizada que se recusa a viver num regime democrático. Chega de ódio, fake news, armas e bombas. Nosso povo quer paz para trabalhar, estudar, cuidar da família e ser feliz. A disputa eleitoral acabou. Repito o que disse no meu pronunciamento após a vitória em 30 de outubro, sobre a necessidade de unir o nosso país. ‘Não existem dois brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação.'”

Em outra etapa, Lula também reforçou a diferença da sua visão de mundo em relação ao bolsonarismo. “A liberdade que sempre defendemos é a de viver com dignidade, com pleno direito de expressão, manifestação e organização. A liberdade que eles pregam é a de oprimir o vulnerável, massacrar o oponente e impor a lei do mais forte acima das leis da civilização. O nome disso é barbárie.”

“Ruínas”

Em seus discursos, Lula admitiu que assume num cenário de “ruínas” deixadas pelo governo anterior e enumerou ações do antecessor que desmontaram políticas públicas.

“O diagnóstico que recebemos do Gabinete de Transição de Governo é estarrecedor. Esvaziaram os recursos da Saúde. Desmontaram a Educação, a Cultura, Ciência e Tecnologia. Destruíram a proteção ao Meio Ambiente. Não deixaram recursos para a merenda escolar, a vacinação, a segurança pública, a proteção às florestas, a assistência social. Desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo. Dilapidaram as estatais e os bancos públicos; entregaram o patrimônio nacional. Os recursos do país foram rapinados para saciar a cupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas”, disse.

“É sobre estas terríveis ruínas que assumo o compromisso de, junto com o povo brasileiro, reconstruir o país e fazer novamente um Brasil de todos e para todos.”

O desafio de unir o país

O Lula que tomou posse ontem como presidente da República, ele não terá como escapar da comparação com o Lula que, em 2003, recebeu a faixa das mãos de Fernando Henrique Cardoso.

O presidente social-democrata havia lhe entregue uma economia com fundamentos sólidos, que serviu de base para o crescimento econômico e a redução da pobreza no governo anterior do petista.

Mesmo assim, Lula falou em “herança maldita”. Fernando Henrique havia reagido à alta da inflação em 2002 com elevação dos juros básicos. “Desta vez Lula vai saber o que é, de fato, uma herança maldita”, comenta o cientista político Carlos Melo, do Insper.

Ele observa que Jair Bolsonaro deixa problemas orçamentários e uma complicada relação com o Congresso.

“Na comparação com 2003, os desafios são imensos. Ele vai ter que recuperar o orçamento, e para isso, ele precisa construir uma relação diferente com o parlamento. Porque ele vai precisar aprovar leis, vai precisar de dinheiro, e para isso de apoio político no parlamento”, diz Melo.

A direita, afinal, ampliou seus mandatos na eleição de 2022, o que torna as coisas mais difíceis para o PT. “As forças bolsonaristas e os partidos do chamado centrão são a maioria. Lula terá que negociar com eles”, completa o cientista político.

Um ponto decisivo na relação de Lula com o Congresso será a maneira como o novo presidente vai lidar com as emendas de relator, que foram usadas no governo de Bolsonaro para destinar bilhões de reais em verbas do orçamento da União para bases eleitorais, em troca de apoio no Congresso.

Na campanha, Lula havia prometido o fim das emendas de relator, também conhecidas como orçamento secreto, mas elas acabaram viraram instrumento de barganha para o Congresso, na figura do seu presidente, Arthur Lira, um dos próceres do centrão.

Isso até o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar o orçamento secreto inconstitucional, duas semanas antes da posse. Com isso, Lira perdeu um importante instrumento de pressão sobre Lula. Tudo indica que o presidente eleito terá de “acalmar” o centrão por outros meios, como postos no governo.

Não se pode esquecer que, em 2015, a então presidente Dilma Rousseff se envolveu numa luta de poder com o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o que abriu caminho para o impeachment. Assim, Melo diz que o melhor que Lula pode fazer é negociar com o legislativo.

Lula de 2023 não é o Lula de 2003

O ambiente político atual não é comparável ao de 2003, afirma o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas. “Também porque o resultado das urnas é outro.”

Em 2002, Lula obteve mais de 61% dos votos; em outubro passado, apenas 50,9%. “Em 2002, Lula era quase um consenso, não havia a rejeição que há hoje.”

Teixeira aponta para os escândalos de corrupção que atingiram Lula e que o colocaram na cadeia, por um ano e meio, em 2018. Apesar de as condenações terem sido anuladas, os casos mancharam a imagem que muitos brasileiros têm de Lula.

Mesmo semanas depois da eleição, apoiadores de Bolsonaro ainda protestavam em rodovias e acampamentos contra a vitória do petista, exigindo uma intervenção militar. “Com menos de 2%, o resultado é apertado, e agora há grupos que se opõem a ele. Ele precisa superar isso logo.”

Para o especialista, a resposta correta de Lula seria a formação de um governo de unidade nacional, reunindo diversas correntes políticas. Essa parece mesmo ser a tendência. Se em 2003 o PT dominava o governo, desta vez Lula tenta também incluir forças da direita, como o partido União Brasil.

Resultados imediatos

Melo avalia que o silêncio de Bolsonaro após a eleição presidencial contribuiu para os protestos de tom golpista em todo o país. Tão logo o novo governo trocar os comandantes-gerais das Forças Armadas, as manifestações deverão arrefecer por conta própria.

Mesmo assim, Lula terá de mostrar resultados logo para diminuir a resistência ao seu terceiro governo. E isso não será fácil.

“O Brasil vice agora uma crise econômica que é maior que 2002”,avalia Teixeira. É verdade que a situação macroeconômica melhorou nos últimos meses, mas isso se deve também a presentes eleitorais do governo Bolsonaro, como o Auxílio Brasil e o vale-gás.

Mas isso criou buracos tão grandes no orçamento que Lula vai precisar de uma autorização do Congresso para extrapolar o teto de gastos e para obter maioria para uma necessária reforma tributária, que já foi anunciada como prioridade pelo futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles calcula que o rombo fiscal pode chegar a R$ 400 bilhões. “Se Lula não fizer uma boa costura política agora, ele corre o risco de enfrentar uma rejeição política muito forte, que já pode colocar o governo numa crise. Que é bem diferente de 2002”, avalia Melo.

Ganhos no plano internacional

No cenário internacional, ao contrário, o novo governo poderá mostrar logo resultados, já que a herança de Bolsonaro em temas como meio ambiente e direitos humanos é muito ruim. “O legado internacional que o Bolsonaro deixou é muito ruim, nas grandes questões como mudanças climáticas e direitos humanos. Só a eleição de Lula já deu espaço”, diz Teixeira. A visita do presidente eleito à COP27, no Egito, enviou um forte sinal, comenta.

Mas Melo avalia que haverá também desafios internos na questão ambiental. Na eleição presidencial, Lula perdeu em todos os locais da Amazônia onde o desmatamento é elevado.

Lula terá que agir contra a destruição e oferecer alternativas às pessoas que moram nessas áreas, para que a riqueza da floresta seja utilizada de forma sustentável.

Além disso, Lula terá que envolver nisso o setor agropecuário, que é muito importante para as exportações brasileiras.

“A imagem internacional do Brasil vai se dar sobretudo a partir da sua política ambiental. Se não houver o ambiental, esqueça todo o resto, esqueça a geopolítica. Não tem conversa em relação a isso, para recuperar a reputação internacional”, afirma Melo.

Se Lula, porém, obtiver resultados imediatos, o Brasil poderá contar com investimentos externos em proteção ambiental e uso econômico sustentável.

Sem novo boom das commodities

Esses seriam importantes impulsos para o crescimento num cenário difícil, como o atual. Mas a fase de elevado crescimento da China, que impulsionou as exportações brasileiras nos primeiros dois governos de Lula, acabou.

Ao mesmo tempo, as importações de produtos baratos da China levaram a uma perigosa desindustrialização do Brasil. Teixeira avalia que o Brasil necessita urgentemente de uma nova política de incentivo à indústria.

“O Brasil vai ter que usar tecnologia e continuar apoiando setores inovativos, porque se não a gente vai virar um país só de produtor agrícola, e, sobretudo, importador de bens industriais. Uma política industrial é urgente”, comenta. Evitar isso é urgente, diz.

Líderes internacionais parabenizam Lula por posse

Líderes internacionais parabenizaram Luiz Inácio Lula da Silva pela posse como presidente do Brasil neste domingo (02/01). Entre os que se manifestaram estão os presidentes da França, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, e vários chefes de Estado sul-americanos.

O líder da França parabenizou Lula por sua posse para o terceiro mandato em uma mensagem escrita em português e outra em francês no Twitter. “Ordem e Progresso: o Brasil honra seu lema. Parabéns, caro presidente, caro amigo Lula, por sua posse. Estamos juntos!”, escreveu Macron, em uma postagem que incluiu uma foto de um encontro entre eles em novembro de 2021, quando Lula foi recebido com honras de chefe de Estado em Paris.

Em nome do governo francês, o ministro delegado de Comércio Exterior, Olivier Becht, foi ao Brasil para assistir à posse e entregou a Lula uma carta do presidente francês.

O premiê do Reino Unido também usou o Twitter para felicitar Lula. Sunak afirmou que o brasileiro inicia “um terceiro mandato histórico” como presidente e lhe desejou “todo o sucesso na liderança” do país. Também disse esperar “fortalecer os laços econômicos, culturais e ambientais” entre Brasil e Reino Unido.

A embaixadora do Reino Unido no Brasil, Stephanie Al-Qaq, tuitou ter entregado uma carta do Rei Charles 3º a Lula e compartilhou trechos do documento em português. Na carta, o monarca parabeniza Lula e ressalta a “amizade calorosa” e diz querer aprofundar a “forte parceria” entre os dois países, citando especificamente a questão climática.

“Através da mobilização de investimentos, ciências e tecnologia, podemos colaborar para estimular o desenvolvimento sustentável e enfrentar os grandes desafios do nosso clima, da natureza e em relação à segurança alimentar. Senti-me encorajado ao ouvir-lhe enfatizar a necessidade urgente de abordar a crise climática durante vosso discurso de vitória e na COP27“, escreveu o rei.

Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, saudou Lula e propôs que ambos trabalhem “nas prioridades progressistas” que compartilham. “Construamos um futuro melhor para canadenses e brasileiros. E fortaleçamos ainda mais a parceria entre nossos dois países”, tuitou.

<blockquote class=”twitter-tweet”><p lang=”en” dir=”ltr”>Congratulations on your inauguration, <a href=”https://twitter.com/LulaOficial?ref_src=twsrc%5Etfw”>@LulaOficial</a>. Together, let’s work on the progressive priorities we share. Let’s build a better future for Canadians and Brazilians. And let’s make the partnership between our two countries even stronger.</p>&mdash; Justin Trudeau (@JustinTrudeau) <a href=”https://twitter.com/JustinTrudeau/status/1609678835393388555?ref_src=twsrc%5Etfw”>January 1, 2023</a></blockquote> <script async src=”https://platform.twitter.com/widgets.js” charset=”utf-8″></script>

A União Europeia se manifestou por meio de sua conta no Twitter UE no Brasil: “A UE parabeniza o novo governo do Brasil. Queremos fortalecer nossa parceria estratégica baseada em valores comuns: democracia e direitos humanos e o compromisso com o multilateralismo. Estamos prontos para um novo e importante capítulo da nossa cooperação.”

Contraste com a posse de Bolsonaro

Pelo menos 65 delegações formadas por chefes de Estado, chefes de governo e ministros participaram da posse de Lula. Vinte chefes de Estado, quatro chefes de governo, dois vice-premiês e 11 ministros estiveram em Brasília. Entre eles: o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier; de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa; o rei da Espanha, Felipe 6°; e vários líderes de países vizinhos.

Falando a jornalista alemães, incluindo uma equipe da DW, Steinmeier disse que uma “nova era política” se inicia no Brasil e que “é bom saber que o Brasil está de volta aos palcos internacionais”. Sua viagem ao Brasil marcou uma reaproximação entre a Alemanha e o Brasil após quatro anos de distanciamento e crises durante o governo de Jair Bolsonaro.

“Nós precisamos do Brasil, precisamos da liderança política brasileira, que o país desempenhe o seu papel. E não apenas na economia, como também na proteção climática global. E eu fiquei feliz de constatar que o presidente eleito quer desempenhar esse papel com o Brasil. É bom estar de volta ao Brasil. É bom saber que o Brasil está de volta aos palcos internacionais”, disse Steinmeier.

A presença de tantas autoridades estrangeiras neste domingo contrastou com a posse de Bolsonaro em 2019, que contou com apenas dez chefes de Estado ou governo, com uma lista dominada por figuras de países com pouco peso político e econômico para o Brasil, mas cujos líderes eram ideologicamente alinhados com o então presidente, como o israelense Benjamin Netanyahu e o ultraconservador húngaro Viktor Orbán.

Em retrospecto, o esvaziamento da posse de Bolsonaro já simbolizava o isolamento que o país enfrentaria nos quatro seguintes, marcados por crises ambientais e distanciamento de antigos parceiros, especialmente na Europa. Lula abordou em suas falas neste domingo o isolamento do Brasil, afirmando que o país voltará a ter protagonismo, especialmente em questões climáticas.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, compareceu à posse e tuitou uma foto com Lula acompanhada da mensagem: “Parabéns, presidente Lula! A América Latina se uniu e lutou. O sonho se tornou realidade. Desejo-lhe o melhor para esta gestão, o futuro será de profunda fraternidade. Com um olhar mais justo, livre e igualitário, alcançaremos o verdadeiro desenvolvimento de nossos povos.”

A vice-presidente argentina, Christina Kirchner, também se manifestou. “Amanhece um novo dia na América do Sul. Força, Lula! Força, Brasil!”, escreveu.

O líder da Colômbia, Gustavo Petro, que viajou ao Brasil, compartilhou uma foto do discurso de Lula no Congresso junto à mensagem: “Espero que essas mudanças políticas levem ao caminho irreversível da integração na América do Sul.”

O presidente do Chile, Gabriel Boric, que também compareceu à cerimônia de posse, tuitou uma foto do encontro com o presidente brasileiro e escreveu: “Esperança, democracia, justiça e dignidade para nossos povos. Com Lula, vamos juntos.”

O presidente do Equador, Guillermo Lasso, compartilhou imagens de seu encontro com Lula neste domingo e escreveu: “Saudamos o presidente Lula. Fortalecer as relações com a República do Brasil, em benefício de ambas as nações, é um objetivo que compartilhamos. Sucessos em seu mandato, Presidente.”

Evo Morales, presidente da Bolívia, também compareceu à posse e afirmou que o discurso de Lula “reafirma as esperanças de um novo ciclo histórico de tolerância, inclusão, integração e solidariedade no Brasil e na Pátria Grande”.

Ao parabenizar Lula, o presidente da Venezuela ressaltou que o caminho está aberto para uma união dos países da América do Sul.

“Felicito com alegria a posse do nosso camarada Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil. Uma nova onda libertadora percorre a pátria grande, abrindo caminhos de progresso geopolítico para os projetos da união sul-americana. Nosso abraço a Lula e ao povo brasileiro”, disse Maduro no Twitter.

O presidente do Parlamento venezuelano, Jorge Rodríguez, assistiu à posse de Lula em nome do governo Maduro. Na última sexta-feira o governo Bolsonaro surpreendeu ao revogar um decreto que impedia Maduro e outros funcionários venezuelanos de entrar no país.

Lula, que tinha uma grande amizade com o falecido presidente venezuelano Hugo Chávez e tem laços semelhantes com Maduro, já tinha anunciado que, após ser empossado, restabeleceria relações com a Venezuela em todos os níveis.


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Uma resposta para “Um Brasil para todos”

  1. Victor Barone disse:

    Muito bom.

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