18/05/2024 - Edição 540

Especial

TIC, TAC, TIC, TAC…

O cerco se fecha sobre Bolsonaro, seus familiares e asseclas

Publicado em 05/05/2023 12:45 - Jean-Philip Struck (DW), Leonardo Sakamoto, Josias de Souza e Jamil Chade (UOL), Iara Vidal (Fórum), Jessica Alexandrino (DCM), Ricardo Noblat (Metrópoles), Caio Luiz (Congresso em Foco) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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A Polícia Federal (PF) realizou na quarta-feira (03/05) buscas na residência de Jair Bolsonaro em Brasília e prendeu seis pessoas, entre elas assessores do ex-presidente.

O telefone celular de Bolsonaro foi apreendido pela PF. Ao todo, foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão, que miram militares e políticos do Rio de Janeiro.

A operação, batizada de Venire, investiga a inserção de dados fraudulentos de vacinação contra a covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, que teriam sido usados para garantir a entrada nos Estados Unidos de Bolsonaro e membros do círculo familiar e pessoal do ex-presidente, burlando a exigência de imunização.

Segundo a PF, o nome da operação é uma referência ao princípio Venire contra factum proprium, que em latim significa “ninguém pode comportar-se contra seus próprios atos”.

A nova operação se soma a uma série de investigações em curso que envolvem o ex-presidente. Ao todo, Bolsonaro é alvo de oito inquéritos, que abordam suspeitas de participação no caso das milícias digitais, os ataques golpistas de 8 de janeiro, a tentativa de entrar ilegalmente no país com joias sauditas avaliadas em milhões de reais, ações para desestimular medidas de prevenção na pandemia, suspeita de interferência na PF, ataques ao sistema eleitoral, apologia ao estupro e vazamento de um inquérito sigiloso.

A operação de quarta-feira foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), dentro do inquérito das milícias digitais.

Entenda a nova investigação contra Bolsonaro:

Fraude em comprovantes de vacinação

O esquema investigado pela PF aponta que dados falsos de vacinação teriam sido inseridos em dois sistemas do Ministério da Saúde – o Programa Nacional de Imunizações e a Rede Nacional de Dados em Saúde – entre novembro e dezembro de 2022, com o objetivo de gerar comprovantes fraudulentos de vacinação.

Teriam sido forjados comprovantes de vacinação dos seguintes personagens:

– Ex-presidente Jair Bolsonaro;

– Laura Bolsonaro, filha de 12 anos de Jair e Michele Bolsonaro;

– Tenente-coronel Mauro Cid Barbosa;

– A mulher e a filha do coronel Cid.

Segundo a TV Globo, os sistemas adulterados do Ministério da Saúde chegaram a indicar que duas doses de vacinas da Pfizer contra covid-19 teriam sido aplicadas em Jair Bolsonaro. Após a operação, o ex-presidente negou que ele e a filha tenham se imunizado.

Os suspeitos de participarem do esquema são investigados, segundo a PF, pelos crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.

De acordo com a PF, Bolsonaro tinha ciência da inserção fraudulenta de dados nos sistemas do Ministério da Saúde.

“Jair Bolsonaro, Mauro Cid e, possivelmente, Marcelo Câmara [os dois últimos assessores do ex-presidente] tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento”, diz a PF.

O objetivo da fraude

Segundo a investigação, o esquema fraudulento tinha como objetivo garantir que Jair Bolsonaro e membros do círculo, incluindo sua filha, Laura, e vários assessores e os familiares destes pudessem entrar nos EUA. Bolsonaro se notabilizou durante a pandemia por declarar publicamente que não tomaria a vacina e por espalhar desinformação sobre os imunizantes.

Pelas regras que entraram em vigor nos EUA desde 2021, a entrada a partir do exterior de viajantes não cidadãos e não residentes no país só é permitida com a apresentação de comprovante de vacinação. Recentemente, o governo americano informou que deve acabar com a exigência a partir de 11 de maio de 2023.

“Com isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes impostas pelos poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa, no caso, a pandemia de covid”, diz a Polícia Federal.

Ainda segundo a PF, o grupo teria como objetivo “manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a covid-19” – no que parece uma referência às ações do ex-presidente durante a pandemia, caracterizadas por sabotagem de medidas de prevenção, oposição à vacinação e campanhas de desinformação sobre a doença.

Bolsonaro abandonou o governo em 30 de dezembro e seguiu para o estado americano da Flórida junto com Michele e uma série de assessores, evitando a posse do seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele retornou ao Brasil em março.

A conexão Goiás e Duque de Caxias (RJ)

Segundo o jornal O Globo, o esquema de fraude nos dados de vacinação começou em Goiás, quando um médico da prefeitura de Cabeceiras preencheu à mão uma série de cartões de vacinação, que incluíam os nomes de Jair Bolsonaro, Laura Bolsonaro, coronel Cid e familiares deste.

Membros do esquema tentaram então inserir as informações no sistema de dados do SUS da prefeitura de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, com o objetivo de obter comprovantes oficiais, necessários para entrar nos EUA.

No entanto, segundo o jornal, o sistema de dados rejeitou a inserção, porque as vacinas indicadas constavam como um lote que havia sido distribuído em Goiás. Os membros do grupo, incluindo o coronel Cid, trocaram uma série de mensagens para tentar contornar o bloqueio. Eles acabaram conseguindo o número de outro lote de vacinas, distribuído no Rio de Janeiro, para inserir os dados sem problemas.

Segundo a reportagem d’O Globo, a PF descobriu que, após imprimir os comprovantes, o grupo tentou apagar seus rastros. De acordo com o jornal, em 27 de dezembro de 2022 – poucos dias antes da viagem de Bolsonaro aos EUA – os dados foram apagados do sistema. Quem procurasse os dados não conseguiria encontrar os registros. Os dados só foram recuperados após uma perícia da PF.

Além dos membros de um núcleo duro formado por ex-assessores, a PF também investiga políticos do Rio de Janeiro que teriam intermediado o esquema, como o deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), irmão do ex-prefeito de Duque de Caxias Washington Reis, e o ex-vereador carioca Marcello Siciliano (PP-RJ).

Terceiro registro falso de vacina

Na quinta-feira (04/05), foi revelado que a Polícia Federal investiga também um terceiro registro falso de vacina anticovid inserido no sistema de saúde em nome de Bolsonaro.

Esse registro aponta que o ex-presidente teria tomado uma dose do imunizante da Janssen em 19 de julho de 2021 em São Paulo, numa unidade básica de saúde no bairro do Parque Peruche, zona norte da cidade, antes ainda das supostas doses da Pfizer em 2022.

Segundo o portal G1, a prefeitura de São Paulo registrou um boletim de ocorrência em 9 de janeiro deste ano após constar no sistema de registro de vacinas estadual, o Vacivida, que Bolsonaro tomou a dose no posto paulistano. A gestão municipal informou que, apesar do registro, a unidade de saúde nunca fez atendimento ao ex-presidente, nem recebeu o lote da vacina apontada.

A fraude é investigada também pela Controladoria-Geral da União (CGU).

OS PRESOS

Tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid

A Polícia Federal colheu provas do esquema por meio da quebra de sigilo das comunicações do tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ou “coronel Cida”, que atuou como ajudante de ordens do ex-presidente. Preso na quarta, Cid é um personagem que já apareceu em outros escândalos da era Bolsonaro. Ele é filho do general Mauro Cesar Lourena Cid, um antigo colega de Bolsonaro na Academia das Agulhas Negras. Durante o governo Bolsonaro, o coronel Cid se tornou um notório “faz tudo” do então presidente.

O nome do tenente-coronel já apareceu no inquérito do STF que investiga a organização e o financiamento de atos antidemocráticos e também é apontado como participante em ações de desinformação executadas por Bolsonaro para contestar a segurança das urnas eletrônicas e vacinas.

No último caso, a PF apontou que ele teve participação direta na notória live de Bolsonaro que associou falsamente vacinas ao risco de contrair HIV.  Mais recentemente, Cid foi um dos personagens centrais do escândalo envolvendo a entrada ilegal de joias sauditas avaliadas em milhões de reais.

João Carlos de Sousa Brecha

O secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha, suspeito de inserir de maneira fraudulenta os dados de vacinação para beneficiar as famílias de Bolsonaro e do coronel Cid. Brecha faz parte do grupo político do ex-prefeito da cidade, Washington Reis, um aliado de Bolsonaro.

Max Guilherme

Sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Max Guilherme atua como segurança de Bolsonaro. Na última segunda-feira, ele esteve ao lado do ex-presidente durante uma visita à Agrishow, feira de tecnologia agrícola que ocorre anualmente em Ribeirão Preto (SP). Ele também fez parte da comitiva que viajou com Bolsonaro aos EUA no final de 2022, antes da posse de Lula. Hoje ele ocupa um dos cargos de assessor a que Bolsonaro tem direito como ex-presidente. Max Guilherme também foi candidato a deputado federal no Rio de Janeiro nas últimas eleições, mas não foi eleito. Ele entrou na disputa como “Max Bolsonaro”, mas o nome foi barrado pela Justiça Eleitoral.

Sergio Rocha Cordeiro

Capitão da reserva, Sérgio Rocha Cordeiro também atua como segurança de Bolsonaro e esteve na comitiva que foi aos EUA. Ele também é dono do imóvel no Diustrito Federal onde o ex-presidente passou a fazer suas lives de campanha em 2022 após ser impedido pela Justiça de usar o Alvorada para tal finalidade. Assim como Guilherme, Cordeiro ocupa um dos cargos de assessor a que Bolsonaro tem direito como ex-presidente.

Luis Marcos dos Reis

Antigo supervisor a Ajudância de Ordens da Presidência da República, o segundo-sargento Luis Marcos dos Reis trabalhou diretamente com Bolsonaro e o coronel Cid desde o início de 2019 até agosto de 2022. Depois disso, foi transferido para um cargo no Ministério do Turismo. Nos anos 2010, ele também atupou como motorista de Eduardo Villas-Boas, ex-comandante do Exército.

Ailton Moraes Barros

Ex-major do Exército, Ailton Gonçalves Moraes Barros foi candidato pelo PL a deputado estadual no Rio de Janeiro em 2022. Ele se apresentou como “01 do Bolsonaro no Rio de Janeiro° durante a campanha. Ele conseguiu a suplência durante a eleição. Durante a campanha, ele publicou fotos ao lado do presidente.

Em 2006, quando ainda estava no Exército, Ailton Barros foi apontado como negociador, com traficantes do Comando Vermelho para a devolução de dez fuzis e uma pistola roubados de um quartel. O caso vazou para a imprensa e Barros acabou acabou expulso do Exército pouco depois, após acumular uma série de processos na Justiça Militar que incluíam tentativa de abuso sexual de civis em acampamentos, mentiras em depoimentos e humilhação de militares de menor patente.

Possíveis implicações nos EUA

Segundo o site da embaixada americana no Brasil, quem chega aos EUA precisa estar ciente que informar dados falsos para entrar no país pode ser indicado por fraude.

“As consequências são sérias. Se você cometer fraude, você não receberá o benefício imigratório que você busca. Você também pode enfrentar multas ou prisão “, diz o site.

Segundo a legislação americana, a punição para quem fornece dados falsos pode chegar a até 10 anos de prisão.

Não está claro se Bolsonaro mostrou algum comprovante falso para entrar nos EUA. Como viajou aos EUA quando ainda cumpria mandato, o ex-presidente ainda contava com privilégios diplomáticos, que dispensavam apresentação de comprovantes.

Reações

Após a operação, Bolsonaro negou qualquer fraude e disse que não tomou a vacina contra a covid-19, assim como sua filha, Laura Bolsonaro. “Não tomei a vacina. Nunca me foi pedido cartão de vacina [para entrar nos EUA]. Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso. Havia gente que me pressionava para tomar, natural. Mas não tomava, porque li a bula da Pfizer”, disse o ex-presidente.

Em sua conta no Instagram, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também se manifestou e negou que seu celular tenha sido apreendido, como foi divulgado mais cedo pela imprensa. “Hoje a PF fez uma busca e apreensão na nossa casa, não sabemos o motivo e nem o nosso advogado não teve acesso aos autos. Apenas o celular do meu marido foi apreendido. Ficamos sabendo, pela imprensa, que o motivo seria ‘falsificação de cartão de vacina’ do meu marido e de nossa filha Laura. Na minha casa, apenas EU fui vacinada”, escreveu Michelle.

O presidente do PL, partido de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto defendeu o ex-presidente em um tuite. “Bolsonaro é uma pessoa correta, íntegra, que melhorou o país e procurava sempre seguir a lei”. Valdemar ainda disse que confia que todas as dúvidas da Justiça serão esclarecidas e “que ficará provado que Bolsonaro não cometeu ilegalidades”.

O presidente Lula evitou comentar publicamente o caso envolvendo seu adversário político, mas publicou uma mensagem no Twitter que foi interpreta por seus apoiadores como uma pequena celebração. “Bom dia e boa quarta-feira!”, escreveu o presidente, quando a operação já havia sido divulgada pela imprensa.

Já o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, foi direto. “Falsificar dados oficiais do Governo para falsificar documentos pessoais e corromper menor de idade para entrar em território estrangeiro descumprindo as leis locais. Filme de criminoso internacional? Não, o ex-presidente da República! Bolsonaro precisa pagar pelos seus crimes!”, escreveu o ministro no Twitter.

Ao cancelar perdão a Daniel Silveira, STF o coloca no caminho da delação

A derrubada do perdão de Jair Bolsonaro a Daniel “Surra de Gato Morto” Silveira pela maioria dos ministros do STF, na quinta (4), coloca o ex-deputado federal no caminho de uma delação premiada. Amargando uma cana em Bangu desde o começo do ano, o antigo “mártir do bolsonarismo” está abatido, acreditando que foi abandonado pelos aliados.

Em abril de 2022, Silveira havia sido condenado a oito anos e nove meses de cadeia, à multa, à perda de seu mandato e à suspensão de direitos políticos por atacar a democracia e ameaçar os ministros do STF. Nas semanas que antecederam à decisão do tribunal, a máquina bolsonarista de guerra em redes sociais e aplicativos de mensagens agiu para vender o deputado como um herói que estava para ser sacrificado.

Em uma inversão de valores, martelou-se a ideia de que ele representava uma cruzada pela liberdade de expressão, quando, na verdade, Daniel Silveira estava usando os seus direitos previstos na Constituição para ameaçar direitos previstos na Constituição. O vídeo em que incitou violência contra ministros do STF surpreende pela agressividade. É bizarro mesmo para uma pessoa que ficou nacionalmente conhecida por depredar uma homenagem à Marielle Franco, vereadora que havia sido recém-executada no Rio de Janeiro.

Naquele momento, Bolsonaro defendeu Silveira e atacou o STF, dando ordem unida a seus aliados no Congresso e nas redes para fazerem o mesmo. Disse que não aceitaria uma condenação do deputado – até porque isso significaria, indiretamente, um limite imposto às estripulias do próprio Jair.

Daí, horas depois da sentença veio a graça presidencial. O desvio de finalidade foi completo, pois Bolsonaro 1) perdoou um aliado e amigo, 2) condenado por atacar o Estado Democrático de Direito, ou seja, os mesmos crimes que ele cometia, 3) para esfregar na cara do STF de que a corte não vale nada, 4) e aguardar um acirramento na relação entre os poderes às vésperas da eleição.

Com todas as críticas que lhe são cabidas, o STF foi um dos únicos entraves entre Jair Bolsonaro e uma tentativa de golpe de Estado por anos. Por conta disso, desde o início de seu governo, ele agiu para corroer a autoridade e a credibilidade da corte e, por conseguinte, a própria Constituição.

Quando se fala em golpe de Estado, a imagem histórica remete a uma fila de tanques descendo de Minas Gerais até o Rio de Janeiro e a imagem moderna aponta para um cabo e um soldado batendo na porta do STF. Mas isso é desnecessário. Para um golpe basta que o Poder Executivo passe a governar no arrepio da Constituição, ignorando ordens judiciais e leis.

Por exemplo, no perdão a Daniel Silveira, o presidente deixou claro que não estava simplesmente concedendo uma graça, mas atuando como instância revisora do STF ao afirmar que isso ocorria “em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão”.

E depois que um golpe de Estado é tentado, no dia 8 de janeiro, o ex-presidente ainda tem a falta de coragem de dizer que não teve nada a ver.

Daniel Silveira não foi um herói da liberdade. Pelo contrário, ele fez uso de seus direitos para atacar direitos de terceiros, exigindo que a sociedade fosse tolerante com sua intolerância – paradoxo que, quando ignorado, leva, inexoravelmente ao declínio e extinção da democracia.

Ele sabe que é tradição de Jair abandonar os aliados à beira da estrada na medida que não forem mais úteis. O antigo “mártir do bolsonarismo” não é mais útil.

Para diminuir sua pena, ele poderia contar segredos de planos golpistas. O senador Marcos do Val (Podemos-ES) relatou que recebeu do então deputado ao lado do ainda presidente, uma proposta para armar uma arapuca do tipo “teste de fidelidade” para cima do ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes. A ideia era provar que ele trairia a Constituição e, a partir daí, baixar um golpe. Depois, diante da reação do campo bolsonarista, Do Val veio a público dizer que tudo não passava de um traque para enganar a imprensa.

Silveira bem poderia falar sobre mais sobre esse traque. Aliados relatam que ele está chateado, sentindo que foi esquecido. E foi mesmo, tal como Anderson Torres também foi e Mauro Cid também será. Sabe o que pode melhorar esse sentimento, Daniel? Delatar. Delatar é libertador.

Presos, Silveira, Torres e Cid tornam-se transgressores sem “capo”

Na política, as crises têm uma fatalidade própria. A excentricidade da crise do bolsonarismo é a transgressão acéfala, a máfia sem “capo”, a quadrilha sem chefe. Estão na cadeia Daniel Silveira, Anderson Torres e Mauro Cid. Na aparência, são seres diferentes. Mas igualaram-se nas bolsonarices.

Os três são ex-alguma coisa —ex-deputado, ex-ministro, ex-ajudante de ordens. Encrencaram-se por seguir orientações ou obedecer ordens de Bolsonaro. Presos, passaram a ser ignorados pelo líder e ex-chefe.

Com um ano de atraso, o Supremo anulou o indulto concedido por Bolsonaro em abril do ano passado ao então deputado Daniel Silveira. A estadia do amante do AI-5 atrás das grades agora será longa, pois volta a vigorar a sentença de oito anos e nove meses de cana. O líder se finge de morto.

No caso das joias, Bolsonaro disse à PF que não sabe por que seu faz-tudo Mauro Cid correu para tentar reaver as joias apreendidas pelo Fisco. Jura que não ficou cobrando de ninguém a recuperação dos diamantes das arábias. Bolsonaro tampouco encomendou cartões de vacina falsos para ele e sua filha.

Quando for interrogado sobre o 8 de janeiro e a operação policial tramada para bloquear a chegada de eleitores de Lula às urnas do segundo turno, Bolsonaro talvez pergunte: “Quem é Anderson Torres?” Nada é o que parecia. O capitão virou um antilíder. Trêmulo de humildade, Bolsonaro reivindica o papel de cego abobalhado. Não viu, não soube e não pediu nada.

Cid manda dizer a Bolsonaro que não irá incriminá-lo na fraude das vacinas

Preso numa unidade militar de Brasília desde quarta-feira, o coronel Mauro Cid enviou uma mensagem para Bolsonaro abaixo da linha d’água. Valendo-se de intermediários, mandou dizer que não cogita incriminá-lo no caso da falsificação de cartões de vacina. Cercado pelas evidências recolhidas pela Polícia Federal, o ex-ajudante de ordens pretende assumir sozinho a responsabilidade por tudo o que as provas colecionadas pela Polícia Federal tornarem irrefutável.

A lealdade de Mauro Cid orna com o enredo construído pela vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo. Mas destoa da percepção do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Braço direito de Augusto Aras, Lindôra sustentou em manifestação ao Supremo que, de acordo com o que viu no processo, Mauro Cid teria “arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência” de Bolsonaro.

Ao deferir o pedido da Polícia Federal para realizar uma batida de busca e apreensão na casa de Bolsonaro, Alexandre de Moraes anotou que “não é crível” a versão segundo a qual o ajudante de ordens pudesse ter comandado operação criminosa destinada a beneficiar Bolsonaro e a filha dele sem “no mínimo conhecimento e aquiescência” do chefe. Os cartões falsos foram baixados em endereços IP do Planalto.

Diante da disposição de Mauro Cid de matar a encrenca no peito, ganha especial relevância o conjunto de evidências que a PF será capaz de reunir em relação à participação de Bolsonaro. De resto, consolida-se a impressão de que a expressão “eu não sabia” passará à história como uma frase-lema do Brasil pós-ditadura. Será lembrada quando, no futuro, quiserem recordar a época em que o país era regido pelo cinismo.

Lula recorreu ao “eu não sabia” no escândalo do mensalão do PT. O tucano Eduardo Azeredo repetiu a frase no processo do mensalão do PSDB. Agora, Bolsonaro recorre ao mesmo subterfúgio. Usada assim, tão desavergonhadamente, a expressão já virou uma espécie de código. Quando ela aparece, já se sabe que o país está diante de mais um desses escândalos que, de tão escancarados, intimam o brasileiro a reagir, nem que seja com uma cara de nojo. Mas há sempre quem se disponha a conceder aos encrencados um deixa-pra-lá preventivo que transforma culpados e cúmplices notórios em cegos atoleimados.

Áudios revelam que golpe de Estado foi tramado no Palácio do Planalto

A situação do tenente-coronel Mauro Cid está cada vez mais complicada. A Polícia Federal encontrou áudios no telefone celular do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro enviados por outro auxiliar do ex-presidente, Ailton Barros, nos quais é tramado um golpe de Estado.

A trama teria se desenrolado na antessala do gabinete da Presidência da República, local em que Mauro Cid e Barros atuavam como ajudantes do ex-presidente. A revelação do material foi feita pela jornalista Daniela Lima, da CNN, na quinta-feira (4).

O teor das conversas divulgadas é bombástico. Nos áudios, Ailton fala que o golpe precisaria da participação do então comandante do Exército, Freire Gomes, ou de Bolsonaro e que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deveria ser preso.

Teor dos áudios golpistas

A primeira mensagem foi enviada no dia 15 de dezembro por Barros a Mauro Cid.

“É o seguinte, entre hoje e amanhã, sexta-feira, tem que continuar pressionando o Freire Gomes [então comandante do Exército] para que ele faça o que tem que fazer” […] Até amanhã à tarde, ele aderindo… bem, ele faça um pronunciamento, então, se posicionando dessa maneira, para defesa do povo brasileiro. E, se ele não aderir, quem tem que fazer esse pronunciamento é o Bolsonaro, para levantar a moral da tropa. Que você viu, né? Eu não preciso falar. Está abalada em todo o Brasil.”

Barros ressalta a necessidade de Gomes ou Bolsonaro realizarem o pronunciamento comentado na mensagem de voz e destaca que seja, “de preferência, o Freire Gomes. Aí, vai ser tudo dentro das quatro linhas”.

Ele prossegue que seria necessário ter, até o dia seguinte, 16 de dezembro, pela tarde, “todos os atos, todos os decretos da ordem de operações” prontos.

“Pô [sic], não é difícil. O outro lado tem a caneta, nós temos a caneta e a força. Braço forte, mão amiga. Qual é o problema, entendeu? Quem está jogando fora das quatro linhas? Somos nós? Não somos nós. Então nós vamos ficar dentro das quatro linhas a tal ponto ou linha? Mas agora nós estamos o quê? Fadados a nem mais lançar. Vamos dar de passagem perdida?”, indaga.

Barros prossegue a descrição da trama golpista.

“Se for preciso, vai ser fora das quatro linhas”. “Nos decretos e nas portarias que tiverem que ser assinadas, tem que ser dada a missão ao comandante da brigada de operações especiais de Goiânia de prender o Alexandre de Moraes no domingo, na casa dele”, adiciona.

De acordo com a mensagem de Barros para Mauro Cid no áudio, a ideia é que na segunda-feira, 19 de dezembro, fossem lidas as portarias, decretos de garantia da Lei e da Ordem e “botar [sic] as Forças Armadas, cujo Comandante Supremo é o presidente da República, pra agir”.

Mauro Cid Barbosa está no topo da lista dos que serão convocados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas.

Qualquer dia, a polícia pode bater à porta de Carlos, o Zero Dois

Se não bastasse ter perdido a eleição para Lula, as joias milionárias da Arábia Saudita para o acervo da presidência da República, o golpe de 8 de janeiro para os três Poderes que se uniram, e estar às voltas com a fraude no seu cartão de vacina, Bolsonaro vê o caso da rachadinha aproximar-se do seu filho Carlos, o Zero Dois.

O Ministério Público do Rio de Janeiro concluiu que Jorge Luiz Fernandes, chefe do gabinete de Carlos na Câmara de Vereadores, recebeu um total de R$ 2,014 milhões em créditos provenientes das contas de outros seis servidores. E que Fernandes usou contas pessoais para pagar despesas de Carlos.

A ser assim, cada um tinha um Queiroz para chamar de seu. Fabrício Queiroz foi o operador da rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, o Zero Um. A segunda mulher de Bolsonaro, a advogada Ana Cristina Valle, administrou a rachadinha no gabinete do ex-marido quando deputado federal.

Carlos é o filho emocionalmente mais instável de Bolsonaro, e o mais inteligente. Bolsonaro teme que ele faça uma besteira se um dia a polícia bater à sua porta. Por achar que o ministro Alexandre de Moraes mandaria prender Carlos, Bolsonaro tentou abrigá-lo no Palácio da Alvorada, mas Michelle não deixou.

CPMI dos Atos Antidemocráticos será instalada na próxima semana

Conforme o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), “tudo indica” que a CPMI dos Atos Antidemocráticos será instalada na semana que vem com um plano de trabalho estabelecido e abertura para elencar os nomes dos convocados para depor.

Além de afirmar que a presidência da CPMI não está definida – o nome mais cotado para a função é o deputado Arthur Maia (União-BA), que sofre rejeição do Planalto -, Lindbergh disse que a Operação da Polícia Federal realizada na quarta-feira (3) vai impactar especialmente na CPMI e que o tenente-coronel Mauro Cid tem que ser um dos primeiros convocados e ter o sigilo telefônico e bancário quebrado.

Para Lindbergh, Mauro Cid é peça chave na CPMI dos Atos Antidemocráticos porque “fica muito claro que ele era a pessoa que se comunicava diretamente com o presidente da República”. O deputado afirma que Cid era o elo de negociação de Bolsonaro com agentes de extrema direita.

Outra CPI?

O deputado acrescentou que, junto com o deputado Dorinaldo Malafaia (PDT-AP), está discutindo a ideia de colher assinaturas para abrir uma CPI referente à adulteração do certificado de vacinação. No entanto, o objetivo maior é instalar a CPMI a respeito do dia 8 de janeiro.

“Temos que avaliar porque tem a questão das joias, a rachadinha do cartão corporativo do Palácio do Planalto e essa operação da PF. Conforme a quebra de sigilos é feita, muita coisa vai surgindo e tudo me parece conectado”, ponderou o deputado.

Já para o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o governo está desorganizado e sem base no Congresso e a operação da PF autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) é uma cortina de fumaça para disfarçar a derrota que o governo teve na Câmara dos Deputados ao não conseguir votar a PL das Fake News. “Operações como essa, para ser muito honesto, vão motivar nós, conservadores de direita, a vestir nossas camisas verde-amarelas e tomar as ruas do Brasil.”

Ações fecham cerco contra Bolsonaro e caso em Haia caminha para ser aceito

As denúncias contra o ex-presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional por seu desmonte das políticas indigenistas e por suspeitas de crimes contra essas populações caminham para serem aceitas.

Três fontes diferentes em Haia e no Brasil sinalizaram que existem sinais claros de que os processos contra o ex-presidente ganharam novo ritmo e que há uma forte tendência a uma admissibilidade dos casos.

A sinalização acontece num momento de incremento da pressão internacional contra Bolsonaro, em medidas que têm como objetivo fechar o cerco contra o ex-presidente:

1 – A partir de terça-feira, pela primeira vez, o Brasil receberá a visita de uma representante da ONU que tem, como mandato, investigar riscos de genocídio entre uma população. A queniana Alice Wairimu Nderitu, conselheira especial do secretário-geral para a Prevenção de Genocídio, ficará no país até 12 de maio e focará sua agenda na situação dos povos indígenas e da comunidade afrobrasileira.

Uma das estratégias do governo é a de conseguir um informe internacional chancelando a ideia de que, sob o governo Bolsonaro, essas populações viveram riscos reais de genocídio. Um eventual documento de Nderitu poderia reforçar a pressão sobre o ex-presidente e deve alimentar as denúncias em Haia.

2 – Entidades brasileiras irão submeter um novo informe para o Tribunal Penal Internacional, com detalhes da situação de crise humanitária vivida pelo povo yanomami. Uma vez mais, o foco vai recair sobre Bolsonaro.

3 – No caso do tribunal, as indicações também têm deixado interlocutores “cautelosamente otimistas” e apontam para uma forte tendência de que as denúncias sejam aceitas. Não se trata ainda de entrar no mérito de um eventual crime que Bolsonaro tenha cometido. Mas, em primeiro lugar, uma avaliação se a procuradoria da corte tem mandato para assumir tais queixas contra o ex-presidente.

Desde 2020, Bolsonaro tem sido alvo de diferentes denúncias no Tribunal Penal Internacional. Pelo menos uma delas foi arquivada. Mas queixas relativas à situação dos indígenas chamaram a atenção da procuradoria da corte que, por ano, recebe mais de 700 denúncias de todo o mundo.

Casos como o que foi apresentado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil apontavam para crimes resultantes do desmonte da assistência às populações tradicionais. Uma das tendências em Haia é a de reunir, em uma só avaliação, as diferentes evidências apresentadas pelos diferentes grupos.

Juristas consultados pelo UOL apontam que um dos pontos principais a ser considerado antes do início de uma investigação é o conceito de complementaridade entre Haia e a justiça nacional.

Ou seja, para que um caso seja aceito, alguns princípios são examinados:

– Haia avalia se já existe um caso aberto contra aquela pessoa em seu país de origem. Mas pode optar por ir adiante com a investigação em situações nas quais o estado é incapaz ou opta por não realizar o inquérito de forma independente;

– A corte examina se os procedimentos nacionais foram realizados com o objetivo de proteger a pessoa em questão da responsabilidade criminal por crimes da jurisdição do tribunal;

– Se houve um atraso injustificado no processo que, nas circunstâncias, é inconsistente com a intenção de levar a pessoa em questão à Justiça;

– Os procedimentos não foram conduzidos de forma independente ou imparcial, e foram conduzidos de uma maneira que, nas circunstâncias, é inconsistente com a intenção de levar a pessoa em questão à Justiça.

Para juristas, a inação do estado diante de um crime torna um caso imediatamente admissível no Tribunal Penal Internacional. Mas a inação não é o único elemento que pode levar a corte a considerar uma ação contra o suspeito.

Se Bolsonaro já está sendo investigado, é necessário que os crimes pelos quais ele é denunciado em Haia sejam os mesmos pelos quais existe um processo doméstico contra ele.

Em 2006, num caso envolvendo a República Democrática do Congo, o TPI decidiu aceitar a denúncia, mesmo quando o suspeito já havia sido detido em seu país de origem. Naquele momento, a procuradoria decidiu que, para que um caso seja inadmissível, “os procedimentos nacionais devem abranger tanto a pessoa quanto a conduta que é objeto do caso perante o tribunal”.

Entre as entidades que levaram os casos para Haia, existe um otimismo cauteloso diante das sinalizações por parte da procuradoria. Um processo, porém, pode levar ainda meses ou anos para de fato significar qualquer risco de prisão para Bolsonaro.

No ano passado, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) já condenou Bolsonaro por crimes contra a humanidade cometidos durante a pandemia da covid-19 e indicou que uma outra política teria salvo pelo menos 100 mil pessoas.

A condenação, porém, não tinha consequências práticas contra Bolsonaro. Mas ainda que apenas simbólica e moral, a decisão poderá ampliar a pressão internacional contra o ex-presidente brasileiro. O órgão internacional, criado nos anos 70, não tem o peso do Tribunal Penal Internacional, nem a capacidade de tomar ações contra um estado ou chefe de governo. Mas a condenação foi considerada por grupos da sociedade civil, ex-ministros e juristas como uma chancela importante para colocar pressão sobre o Palácio do Planalto e expor Bolsonaro no mundo.

Bolsonaro, segundo o tribunal, cometeu “atos dolosos” e “intencionais” contra sua população.

Os membros do órgão ainda recomendam que o Tribunal Penal Internacional avalie ainda a possibilidade de genocídio cometido pelo estado, ao longo de décadas e intensificada mais recentemente pelo ex-presidente. A sentença simbólica foi transmitida para a corte na Holanda.


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