18/05/2024 - Edição 540

Especial

R$ 18 É POUCO?

Lula sobe salário mínimo e corta imposto de trabalhadores. Falta taxar super-ricos

Publicado em 17/02/2023 11:04 - Luciano Sakamoto (UOL), IG, FGV – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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O governo federal confirmou o reajuste do salário mínimo dos R$ 1.212, de 2022, para R$ 1.302, em janeiro, e, em maio, R$ 1.320, ou seja, R$ 36 acima da inflação. Ao mesmo tempo, a faixa de isenção do Imposto de renda passará de R$ 1.904 para R$ 2.640. Com isso, Lula dá o primeiro passo para aumentar o poder de compra dos trabalhadores mais pobres e injetar recursos na economia. Falta ver como ele aumentará os impostos dos mais ricos, outra de suas principais promessas de campanha.

As informações foram dadas em entrevista do petista à CNN. É o primeiro aumento real desde o governo Michel Temer, porque a gestão Bolsonaro sepultou a política de valorização do mínimo – mudança que fãs de Paulo Guedes chamavam de “herança bendita”. Antes de Jair, o governo reajustava o salário pela inflação do ano anterior através do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e acrescia ao resultado a variação do PIB medido dois anos antes, caso fosse positivo, claro.

Os R$ 36 parecem pouco, mas os 72 milhões de trabalhadores da ativa, pensionistas e aposentados que dependem do salário mínimo e suas famílias entendem o que essa diferença traz à mesa. Lula prometeu para Primeiro de Maio uma nova política para garantir o crescimento real nos próximos anos e afirmou que a isenção do IR deve subir paulatinamente até alcançar R$ 5 mil.

A questão é o que ele pretende fazer com outro extremo, o 1% mais rico que, no geral, paga menos impostos que a classe média pois recebe através de dividendos de empresas, isentos de Imposto de Renda desde 1995. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que uma reforma tributária sobre o consumo será debatida no primeiro semestre, e outra sobre renda, no segundo.

Falta ainda combinar com os russos, ou seja, com os mais ricos que vão à guerra, usando sua força no governo, no Congresso, na mídia, quando alguém sugere mexer com seus privilégios. Vale lembrar que o próprio Paulo Guedes queria, acertadamente, taxar dividendos. Em contrapartida, propunha reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos. Foi bombardeado.

Taxar a renda dos super-ricos é urgente e imprescindível em um país com níveis obscenos de desigualdade social. O Brasil tem 284 bilionários, de acordo com a Forbes, e 33 milhões de famintos – dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. O 1% mais rico do mundo ficou com quase dois terços de toda riqueza gerada desde 2020, segundo a Oxfam.

As elites política e econômica afirmam que ações para a redução da nossa pornográfica desigualdade através da valorização do salário mínimo, do reajuste da isenção do Imposto de Renda e de um programa de renda mínima mais parrudo nos levarão ao inferno – como se milhões já não vivessem nele. E sugerem que a solução para o crescimento é tirar proteções dos trabalhadores – tanto que muitos tinham orgasmos com a ideia da Carteira de Trabalho Verde, Amarela e Sem Direitos de Bolsonaro.

Hoje, a classe média paga mais impostos em relação à sua renda do que multimilionários e bilionários devido à não-taxação de dividendos, à baixa taxação de Imposto de Renda de Pessoa Física, entre outras manobras.

Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais. É o que defenderam a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)\, o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições. Eles apresentaram 11 propostas legislativas que estão em consonância com o plano de Reforma Tributária formulado por seis partidos de oposição, que também tramita no Congresso.

Apenas o Imposto sobre Grandes Fortunas arrecadaria R$ 40 bilhões nos cálculos desse grupo de entidades, maior que o orçamento do Bolsa Família. O resto viria de uma maior progressividade do Imposto de Renda de Pessoa Física (R$ 160 bilhões, incluindo a taxação progressiva de dividendos), no aumento temporário da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de setores econômicos com alta rentabilidade (R$ 30 bilhões), pela criação da Contribuição Social Sobre Altas Rendas (R$ 25 bilhões), entre outros.

O Imposto sobre Grandes Fortunas taxaria patrimônios superiores a R$ 10 milhões, abraçando 60 mil pessoas. E o Imposto de Renda aumentaria paulatinamente para quem ganha mais de R$ 23,8 mil por mês – que, segundo eles, perfazem 1,1 milhão de pessoas, 3,6% dos contribuintes. A alíquota mais elevada (45%) incidiria sobre 211 mil contribuintes (0,1% da população) que ganham mais de R$ 60 mil por mês.

Tenho repetido sempre neste espaço que o Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto em suas cabines. Não estou entrando no mérito de como chegamos a essa situação, nem propondo uma revolução imediata para que cabines diferenciadas deixem de existir. Mas é fundamental que a terceira classe conte com a garantia de um mínimo de dignidade e primeira classe pague passagem progressivamente proporcional à sua renda.

Seguimos, contudo, parecidos como um navio remado por escravizados que, a qualquer sinal de crise, aumenta a frequência do estalar do chicote.

Em tempo: para evitar que algumas pessoas defendam a classe social à qual não pertencem, é importante avisar que super-rico não é você que parcelou o Renegade em 24 vezes.

Juros altos quebram uma economia, e não R$ 18 a mais no salário mínimo

O valor do novo mínimo está longe do que foi defendido pelas centrais sindicais durante as eleições (R$ 1.342), mas se distancia de Bolsonaro, que abandonou a política de valorização do mínimo, reajustando-o apenas pela inflação durante quatro anos. O primeiro reajuste de Lula, que vale desde Primeiro de Janeiro, havia sido de R$ 90 acima da inflação. Agora, virão mais R$ 18.

Se você não depende do mínimo para sobreviver porque faz parte do grupo que não tem que escolher o que deixar de fora no caixa do supermercado para que as compras caibam no que tem na carteira ou na bolsa, pode estar pensando que muito barulho está sendo feito por 18 mangos. Mas isso equivale a um quilo de arroz, de feijão e de cebola.

O que faz diferença no mês para cerca de 72 milhões de pessoas, entre aposentados e pensionistas, empregados com carteira assinada, trabalhadores autônomos e trabalhadoras empregadas domésticas, entre outros, que têm seu rendimento referenciado no mínimo.

Membros da mesma elite que vocifera contra o aumento do salário mínimo acima da inflação, dizendo que a economia não aguenta, são os mesmos que defendem os juros altos do Banco Central, justificando-se que é pelo bem dos mais pobres. Seria ótimo que jornalistas e consultores que xingam quem pede juros menores em veículos de comunicação colocassem ao final de suas análises um disclaimer informando se lucram pessoalmente com esses juros.

Paulo Guedes colocou uma pá de cal na política implementada durante os anos do PT que considerava o INPC do ano anterior e a variação do PIB de dois anos antes para reajustar o mínimo. O ex-ministro da Economia dizia que isso iria estimular o desemprego em massa. Tanto que muita gente do andar de cima trata o fim dessa política como herança bendita de Bolsonaro. É de lascar.

Mas ela levou a um aumento no seu poder de compra e a melhoria na qualidade de vida de milhões de pessoas. O reajuste acima da inflação é uma das ações mais importantes para melhorar a qualidade de vida do andar de baixo. Salário mínimo não é programa de distribuição de renda, é uma remuneração mínima – e insuficiente – por um trabalho realizado. Não é caridade e sim uma garantia institucional de um mínimo de pudor por parte dos empregadores e do governo na relação de compra e venda de mão de obra, a base do capitalismo.

No Brasil, o debate sobre o salário mínimo vem acompanhado de muitas lamentações. Mas aquelas que ganham destaque vêm principalmente de economistas, analistas, empresários, políticos, ou seja, exatamente quem não sobrevive com o mínimo.

Uma das defesas mais enfáticas feitas por muita gente cheirosa nos últimos anos foi de que as aposentadorias fossem desvinculadas do mínimo. Pois, para eles, os aposentados não deveriam receber aumentos na mesma progressão que a população economicamente ativa. Em outras palavras, quem pode vender sua força de trabalho merece comer, pagar aluguel, comprar remédios. O governo tem que se preocupar em garantir a manutenção da mão de obra para as empresas. O resto que se dane.

Outra lamentação é o custo desse aumento para o país, como se uma variação positiva não significasse aquecimento na economia de locais de baixa renda, gerando empregos e melhorando a qualidade de vida de milhões.

O que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no interior do país, recebe um mínimo e tem que depender de programas de renda mínima quando vê na sua TV especialistas dizendo que quem defende um aumento maior não pensa no país. E, na sequência, vê notícias de perdões de dívidas de grandes empresas.

Ou quando descobre que os mais ricos são porcamente tributados, isentos em bilhões da taxação de dividendos que recebem de suas empresas, pagando proporcionalmente menos que a classe média.

Lula prometeu que, até o Primeiro de Maio, Dia dos Trabalhadores, uma nova política para valorização será apresentada, fruto da discussão com as centrais sindicais e empresários. Cobremos isso.

A defesa de uma política de valorização real do mínimo não é contra a responsabilidade fiscal, tampouco insinua que os favoráveis a restringir o aumento à correção monetária fazem isso por “maldade”.

Mas abandonar a política usando como justificativa a crise econômica, como foi feito na Era Jair, foi negar coletes salva-vidas um pouquinho melhores para a turma que não tem nada e que, convenhamos, não teria acesso aos botes salva-vidas porque estava na terceira classe quando um iceberg bateu no casco do navio.

Em tempo: De acordo com a Constituição Federal, artigo 7º, inciso IV, o salário mínimo deveria ser “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim”. De acordo com cálculo mensal feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), desde 1994, isso seria hoje R$ 6.641,58.

1% mais rico ganha quase 40 vezes mais renda do que os 50% mais pobres

A parcela de brasileiros que faz parte do 1% com os maiores rendimentos mensais recebe atualmente, em média, 38,4 vezes mais do que a metade da população do país com os menores rendimentos. É o que mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2021: Rendimento de todas as fontes, divulgada em junho passado pelo IBGE.

Segundo a pesquisa, a concentração de renda por essa comparação mostrou trajetória de redução entre 2012 e 2014, caindo de 38,2 vezes para 33,5 vezes no período. Em 2014, porém, voltou a crescer até atingir o maior nível da série histórica (39,8 vezes) em 2019, antes da pandemia.

A pesquisa também mostrou que nos últimos nove anos, os brasileiros, de todas as faixas de renda, empobreceram. Mas a perda foi muito maior entre os mais pobres. Na base da pirâmide social, entre os 5% mais pobres, a renda foi reduzida em 48%, ou praticamente à metade.

E a perda foi significativa na virada de 2020 para 2021, uma queda de 33,9% em apenas um ano, muito por efeito do aumento da inflação e da redução nos valores pagos de Auxílio Emergencial.

Estudo revela que 29,6% dos brasileiros têm renda familiar inferior a R$ 497 mensais

A pobreza aumentou durante a pandemia no Brasil. A constatação é do estudo “Mapa da Nova Pobreza”, desenvolvida pelo FGV Social, a partir de dados disponibilizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o estudo, o contingente de pessoas com renda domiciliar per capita de até R$ 497 mensais atingiu 62,9 milhões de brasileiros em 2021, o que representa 29,6% da população total do país. Em dois anos (2019 a 2021), 9,6 milhões de pessoas tiveram sua renda comprometida e ingressaram no grupo de brasileiros que vivem em situação de pobreza.

“A pobreza nunca esteve tão alta no Brasil quanto em 2021, desde o começo da série histórica da PNADC em 2012, perfazendo uma década perdida. Demonstramos neste trabalho que 2021 é ponto de máxima pobreza dessas séries anuais para uma variedade de coletas amostrais, conceitos de renda, indicadores e linhas de pobreza testados”, destaca o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

O objetivo da pesquisa é avaliar o nível e a evolução espacial da pobreza durante os últimos anos no Brasil, usando os microdados da PNAD Continua Anual, recém disponibilizados pelo IBGE. O FGV Social explorou, inicialmente, o cenário básico dos grandes números da pobreza nacional. Após essa primeira análise, o estudo fez a espacialização destes números em Unidades da Federação e estratos geográficos, que constitui a principal contribuição do levantamento. Na etapa final, foi fornecida uma visão de prazo mais longo conectando com resultados anteriores.

“Mapeamos a influência das escolhas metodológicas usadas na medição e de uma miríade de linhas de pobreza nacionais e internacionais nos resultados encontrados. Os maiores níveis e incremento da pobreza na pandemia são robustos. Eles pintam o mapa da pobreza brasileiro em tons mais fortes de tinta fresca”, complementa Marcelo Neri.

Dados de pobreza entre os 146 estratos geográficos nacionais e todas as Unidades da Federação (UFs):

A Unidade da Federação com menor taxa de pobreza em 2021 foi Santa Catarina (10,16%). No extremo oposto está o Maranhão, com a maior proporção de pobres (57,90%). Na análise do FGV Social, o Brasil foi dividido em 146 estratos espaciais: aquele com maior pobreza em 2021 é o Litoral e Baixada Maranhense, com 72,59% de habitantes nesta situação. Já Florianópolis concentra a menor população pobre do país, com 5,7%. Trata-se de uma relação de 12,7 para um, refletindo a conhecida desigualdade geográfica brasileira.

Análise da variação geográfica da pobreza no período da pandemia:

A mudança da pobreza de 2019 a 2021 por Unidade da Federação em pontos percentuais na pandemia revela que o maior incremento se deu em Pernambuco (8,14 pontos percentuais). As únicas quedas de pobreza no período foram observadas em Tocantins (0,95 pontos percentuais) e Piauí (0,03 pontos percentuais).

Mapas interativos e rankings com dados locais:

O estudo do FGV Social também disponibiliza um leque de rankings geográficos e de mapas de sobrevoo interativos para cada um visualizar a pobreza na sua área de interesse. É possível, por exemplo, ter uma perspectiva local sobre os 92 municípios fluminenses, agrupados em oito estratos espaciais: as taxas de pobreza na capital (16,68%); e de segmentos da área conhecida como Grande Rio: Arco Metropolitano de Niterói e São Gonçalo (20,96%), Arco Metropolitano de Duque de Caxias (30,48%), ou o Arco Metropolitano de Nova Iguaçu (33,24%). Ou ainda, diferenciando os nuances do interior, separando áreas ainda afluentes para quem visita, mas não tanto para quem mora, como regiões Serrana (20,18%), dos Lagos (22,6%) e Vale do Paraíba e Costa Verde (25,33%) daquela observada no tradicionalmente pobre Norte Fluminense (26,12%), onde os efeitos de algo temporário da economia do petróleo se fazem sentir.

Veja a pesquisa completa no site.

Confira também a matéria sobre o Mapa da Riqueza publicada no FGV Notícias.


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