18/05/2024 - Edição 540

Especial

OS SEGREDOS DE BOLSONARO

Entenda que informações foram postas em sigilo, como isso foi possível e o que de fato pode ou deve ser revertido

Publicado em 06/01/2023 11:05 - Alexandre Schossler (DW), Felipe Mendes (Brasil de Fato), Ivan Longo e Plinio Teodoro (Fórum), Yurick Luz (DCM) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) reavalie os casos postos sob sigilo de 100 anos durante o governo de seu antecessor, Jair Bolsonaro. A CGU deverá avaliar se leis foram desvirtuadas para ocultar o que deveria ser público.

A Lei de Acesso à Informação garante o sigilo de informações pessoais de cidadãos privados ou de informações que comprometam a segurança da sociedade ou do Estado. Seu Artigo 31 permite o sigilo de “até” 100 anos para informações de caráter pessoal referentes à “intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas”.

O governo Bolsonaro, porém, usou inúmeras vezes o prazo máximo de 100 anos, e também para informações ligadas ao governo federal. Especialistas em transparência veem abuso nessas decisões. Levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o sigilo de 100 anos foi aplicado em pelo menos 65 casos cujas informações deveriam ser públicas.

O ministro da CGU, Vinícius Marques de Carvalho, afirmou no último dia 3 que “houve uso indiscriminado e indevido do sigilo para supostamente proteger dados pessoais ou sob o falso pretexto de proteção da segurança nacional e da segurança do presidente da República”.

A situação será, portanto, revista pelo novo governo. O caminho mais adequado seria reavaliar cada caso, como Lula solicitou à CGU. A própria Lei de Acesso à Informação já prevê, no Artigo 29, que a decisão sobre o sigilo pode ser revista “com vistas à sua desclassificação ou à redução do prazo de sigilo”. Não haveria necessidade de um decreto presidencial para tal. As revogações dependeriam de um amplo processo de revisão por parte da CGU.

Os sigilos de 100 anos tampouco foram “decretados” por Bolsonaro. Eles são negativas apoiadas em leis (em especial a Lei de Acesso à Informação) que, na opinião de especialistas, foram usadas de forma abusiva.

Outro dispositivo invocado em alguns casos de sigilo foi a Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP). Ela protege a privacidade de dados pessoais que não sejam de interesse público. Especialistas explicam que ela existe pra proteger o cidadão da ação do Estado e não para blindar pessoas públicas, que têm o dever da transparência.

Alguns dos casos mais polêmicos e que podem agora ser reavaliados:

Cartão de vacinação

O mais famoso de todos os sigilos impostos por Bolsonaro é o que se refere ao cartão de vacinação dele. O caso é ainda mais estranho porque Bolsonaro nunca escondeu o que pensa sobre as vacinas contra a covid-19.

O ex-presidente declarou que não se vacinaria e até fez piada com quem pretendia fazê-lo. Tanto mais estranho, portanto, que ele se recusasse a mostrar o cartão de vacinação.

Quando a revista Época pediu para ver o documento, com base na Lei de Acesso à Informação, recebeu resposta negativa. A Presidência da República argumentou que o cartão de vacinação se enquadra no caso de informação que diz respeito à “intimidade, vida privada, honra e imagem” e, por isso, as informações não seriam repassadas.

Crachás dos filhos

Outro pedido negado pelo governo, dessa vez feito pela revista Crusoé, foi para ver os dados dos crachás de acesso de dois filhos de Bolsonaro, Carlos e Eduardo, ao Palácio do Planalto.

Novamente, a justificativa foi de que se trata de informação que diz respeito à “intimidade, vida privada, honra e imagem” de familiares do presidente.

Segundo a revista, Carlos Bolsonaro, que é vereador no Rio de Janeiro, esteve 32 vezes no Palácio do Planalto, em Brasília, entre abril de 2020 e junho de 2021. Ele teria livre acesso ao gabinete da Presidência da República.

Processo de Pazuello

O sigilo de 100 anos também beneficiou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Em junho de 2021, o Exército colocou sob sigilo o processo contra o general, que na época estava na ativa e participara de um ato público com Bolsonaro no Rio de Janeiro. Militares da ativa não podem participar de manifestações políticas.

No caso de Pazuello, a negativa argumenta que a divulgação representaria risco aos princípios da hierarquia e disciplina militares.

Ronaldinho e médico bolsonarista

No início de 2020, o ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho foi preso no Paraguai por apresentar documentos falsos ao entrar no país. O Itamaraty agiu para libertar o ex-jogador, que havia sido nomeado embaixador do turismo brasileiro. As mensagens trocadas entre o Itamaraty e o jogador e o irmão dele, Assis, também estão sob sigilo de 100 anos.

O mesmo sigilo vale para o caso do médico bolsonarista Victor Sorrentino, que em 2021 foi detido no Egito sob a acusação de assediar uma vendedora.

Visitas a Michelle

Também estão sob sigilo de 100 anos as visitas que a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro recebeu no Palácio da Alvorada. O argumento, mais uma vez, é que há informações pessoais nos documentos.

“Rachadinhas”

Igualmente sob sigilo de 100 anos estão as investigações das suspeitas de “rachadinha” no gabinete do senador Flávio Bolsonaro, quando ele ainda era deputado estadual no Rio de Janeiro. Mais uma vez a argumentação, desta vez apresentada pela Receita Federal, é de que há informações de cunho pessoal nos processos.

Pastores lobistas

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) também usou o sigilo de 100 anos para os polêmicos encontros entre o então presidente e pastores evangélicos lobistas acusados de intermediar a liberação, para prefeituras, de recursos do Ministério da Educação, na época encabeçado por Milton Ribeiro.

Novamente a imprensa solicitou informações. No caso, o jornal O Globo queria saber sobre os registros de entradas e saídas dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura do Palácio do Planalto. O GSI negou o pedido com a justificativa de que a informação poderia colocar em risco a vida de Bolsonaro e familiares.

Nesse caso foram usados os artigos 6 e 7 da Lei Geral de Proteção de Dados. O sigilo, porém, durou apenas um dia, sendo logo derrubado pelo GSI a pedido da Controladoria-Geral da União.

Moura esteve 35 vezes no Palácio do Planalto de janeiro de 2019 a fevereiro de 2022. Santos o acompanhou em dez vezes. Os dois são acusados de pedir propina para prefeitos em troca de fazer lobby pela liberação de recursos, no que ficou conhecido como o escândalo do balcão de negócios do MEC.

Análise

O advogado Bruno Morassutti, conselheiro fiscal da agência Fiquem Sabendo, afirma que o despacho assinado por Lula ao tomar posse é um “primeiro passo” para rever decisões equivocadas tomadas pela gestão bolsonarista com base na Lei de Acesso à Informação.

“A questão toda é que a gente não tem acesso aos fundamentos de algumas decisões. Algumas a gente sabe que são realmente equivocadas por que utilizam a Lei de Acesso de forma errada, mas outras podem estar corretas. Eventualmente, decisões do Banco Central, ou reuniões do Copom [Comitê de Política Monetária]. Essas informações podem estar restritas por razões razoáveis e legítimas do ponto de vista jurídico”, explica.

Para o advogado, mesmo que a curiosidade seja grande, é preciso conter a ansiedade. Ele explica que o prazo dado por Lula no despacho assinado no primeiro dia de mandato é fundamental para que todos os decretos sejam avaliados de maneira criteriosa pelos integrantes do governo antes de decidir sobre a publicação ou não de informações colocadas sob sigilo.

“Por mais que a gente tenha, com certeza, interesse na maior transparência possível, poderia ser irresponsável simplesmente tornar tudo público automaticamente. É importante que haja uma avaliação adequada dessas informações para que a gente possa saber que informações ali foram colocadas sob sigilo de forma errada e aquelas que foram de forma correta”, complementa.

Morassutti aposta que algumas informações terão o sigilo totalmente suspenso, outras podem ter o prazo de restrição diminuído e outras virão a ser parcialmente divulgadas — um dispositivo previsto pela Lei de Acesso à Informação.

Entre os assuntos que o especialista aponta que haverá divulgação total está o processo administrativo do Exército contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por participação em manifestação pública ao lado de Bolsonaro. A presença de militares em atos políticos é vedada.

Por outro lado, há dúvida sobre o destino das informações a respeito do cartão de vacinação do agora ex-presidente. Segundo o colunista Daniel Cesar, do iG, esse é um assunto de grande interesse de Bolsonaro, que já teria afirmado a aliados que acionaria o Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar a divulgação das informações.

“Na minha opinião, não só o cartão de vacinação do próprio Bolsonaro, mas informações médicas, de forma geral, de qualquer presidente da República deveriam ser públicas. A gente deveria ter o direito de saber a situação de saúde dele até para que possa confiar nas condições dele exercer o cargo mais importante do país”, pondera Morassutti.

O especialista diz ainda que o governo que está começando tem a oportunidade de mudar os rumos da Lei de Acesso e evitar que, no futuro, outras pessoas venham a usar do mesmo expediente de Bolsonaro.

“Talvez isso seja mais importante que rever os casos de sigilo: evitar que aconteça de novo. Agora é o momento, estamos no início do mandato, temos tempo pra discutir isso de forma adequada. Inclusive o próprio governo de transição durante os relatórios apontou por onde poderia começar o trabalho. Esperamos que o governo se aproprie dessas sugestões que a sociedade civil apresentou”, conclui.

Tudo pronto

Vinícius Marques de Carvalho, novo ministro indicado pelo presidente Lula para a Controladoria-Geral da União (CGU), assumiu a pasta na terça-feira (3) e, em seu discurso, anunciou que já formou um grupo técnico que vai dar início ao processo de abertura dos sigilos de 100 anos impostos por Bolsonaro a inúmeras informações de interesse público.

“Houve uso indiscriminado e indevido do sigilo para supostamente proteger dados pessoais ou sob o falso pretexto de proteção da segurança nacional e da segurança do Presidente da República”, disse Vinícius Marques de Carvalho em seu pronunciamento de posse na CGU.

“A partir de hoje, a Lei de Acesso à Informação voltará a ser cumprida. O Portal da Transparência voltará a desempenhar o seu papel. Não há democracia sem um estado transparente, aberto ao dialogo e o controle social, onde o sigilo não é a regra”, declarou ainda o ministro.

Bolsonaro em pânico

A assinatura da medida provisória de Lula que visa derrubar os sigilos chegou até Jair Bolsonaro, que está em Orlando, na Flórida (EUA). Segundo informações do IG, o ex-presidente entrou em desespero pois há muitas informações que, quando vierem a público, podem ser utilizadas em eventuais investigações criminais contra ele.

Em pânico, Bolsonaro avisou a apoiadores que pretende ir à Justiça contra Lula e o governo federal caso os sigilos sejam derrubados.

Em um grupo do PL no WhatsApp, Bolsonaro declarou que “não vai aceitar liberarem o conteúdo” de sua caderneta de vacinação e que, caso isso ocorra, vai processar o atual governo.

Membros do PL, que revelaram o desespero de Bolsonaro ao IG, acreditam que o ex-presidente Bolsonaro se vacinou contra a Covid e por isso está em pânico com a possibilidade da divulgação de sua caderneta de vacinação.

Com medo de ser preso, Bolsonaro teve crise de choro em jantar com ministro do STF

Há duas semanas, o ex-presidente Jair Bolsonaro teve duas crises de choro durante o jantar de despedida oferecido por Fábio Faria, ex-ministro das Comunicações, segundo informações do colunista Guilherme Amado, do Metrópoles.

Este foi o último evento privado do ex-presidente com autoridades. Na ocasião, o ministro do STF Dias Toffoli também esteve presente. Apesar da indicação ao Supremo feita pelo presidente Lula entre 2018 e 2020, o magistrado teve uma boa relação com o ex-capitão quando presidiu a Corte.

Bolsonaro estranhamente ouviu mais do que falou durante o jantar. O ex-presidente também voltou a dizer que não quer ser preso e pediu que seus filhos não sejam perseguidos. Faria e Toffoli o aconselharam a deixar o país, submergir e desencorajar atos terroristas.

Vale destacar que dois dos conselhos de Toffoli e Faria já foram seguidos por Bolsonaro, uma vez que ele já saiu do Brasil, dias antes da posse do presidente Lula, e durante uma live feita no dia 30 de dezembro, moderou seu discurso sobre os atos protagonizado por seus simpatizantes em Brasília.

O jantar aconteceu antes de Faria ser exonerado do cargo de ministro. De acordo com a publicação feita no “Diário Oficial da União (DOU)”, o próprio Faria pediu demissão. Ele chefiava a pasta desde junho de 2020.

PL prevê Bolsonaro inelegível e preso, desiste de pagar aluguel

Foragido na mansão do lutador de MMA José Aldo Júnior em um condomínio de luxo próximo a Orlando, nos EUA, Jair Bolsonaro está sendo abandonado pelo próprio partido, o PL, que já prevê a inelegibilidade do ex-presidente e, assim, não teria mais serventia alguma para a legenda.

Com mais uma decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre Moraes, de autorizar a quebra de sigilo telefônico de oito bolsonaristas investigados na ação das milícias digitais, integrantes do PL acreditam que o próximo passo será decretar a prisão e tornar Bolsonaro inelegível.

A quebra de sigilo dos bolsonaristas pode mostrar a conexão entre o clã Bolsonaro e a propagação de fake news e discurso de ódio nas redes, que incitaram extremistas a ameaçarem autoridades e cometerem atos terroristas nas ruas, como foi visto no dia 12 de dezembro em Brasília.

Com essa perspectiva, de um Bolsonaro definitivamente fora da vida política, o PL desistiu de pagar o aluguel da mansão que alugou para Bolsonaro viver e montar um escritório político em Brasília, caso ele resolva voltar da fuga aos EUA.

A legenda aumentou o salário que pagará a Bolsonaro, dos prometidos R$ 39 mil para R$ 46,6 mil. No entanto, o PL não tem como pagar depois da multa de R$ 22,9 milhões aplicada por Moraes por litigância de má-fé, após o partido seguir as orientações do próprio ex-presidente e contestar, de maneira rasa e irresponsável, o resultado das eleições.

O PL ainda não sabe como fará o pagamento do primeiro salário a Bolsonaro, agora em janeiro, e estuda fazer uma vaquinha para obter doações para honrar o compromisso.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *