18/05/2024 - Edição 540

Especial

OS RACHADORES

Escândalo na UERJ ilumina esquema de rachadinha dos Bolsonaro

Publicado em 19/05/2023 10:37 - Ruben Berta, Igor Mello e Leonardo Sakamoto (UOL), Rudolfo Lago (Congresso em Foco) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Um dos principais assessores de Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) recebeu quase R$ 90 mil em meio a um esquema de pagamentos secretos do governo do Rio durante o período eleitoral do ano passado. Isso reforça as suspeitas de que o gabinete do filho 02 de Jair opera como um dos epicentros das maracutaias da República.

Além da grana recebida por Rogério Cupti diretamente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, uma tia do assessor também levou outros R$ 91 mil da instituição. Questionado pelos repórteres Ruben Berta e Igor Mello, do UOL (que vêm, há meses, descascando esse abacaxi dos pagamentos secretos através de serviços de treinamento educacional inexistentes), ele não quis dizer qual serviço os dois prestaram à universidade.

A questão é relevante. O assessor estava mesmo dando aulas em projetos sociais ou o “bico” para a gestão do governador Cláudio Castro (PL) foi uma forma de complementar a sua renda por serviços prestados à família Bolsonaro?

A esse caso somam-se as investigações do Ministério Público que apontam que Carlos Bolsonaro recebeu R$ 129,5 mil em depósitos em dinheiro vivo, dos quais R$ 91 mil sem origem identificada, durante seu mandato como vereador da capital fluminense. Um dos créditos, segundo a Folha de S.Paulo, teria sido feito uma semana antes de ele ter comprado um imóvel em Copacabana.

O MP apura peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo e avalia se Carluxo pode ser o chefe do esquema. Juliana Dal Piva vem revelando no UOL como a segunda esposa de Jair e madrasta do vereador, Ana Cristina Valle, e sete de seus parentes, foram empregados como funcionários fantasmas no seu gabinete. Aponta que ela recebeu um total de R$ 385,8 mil em 177 depósitos em dinheiro entre 2005 e 2021, tendo sido chefe da equipe de Carlos entre 2001 e 2008.

É conhecida a preocupação de Jair com a possibilidade de decretação de uma prisão preventiva do filho 02, seu estrategista digital. Primeiro caso de “vereador federal” do país, e figura sempre presente no Palácio do Planalto, ele não tem foro privilegiado ao contrário dos irmãos, o deputado federal Eduardo e o senador Flávio.

Desde a postagem de um vídeo golpista na conta de Bolsonaro no Facebook, em 10 de janeiro, já circulava a avaliação por parte de aliados do ex-presidente que isso foi um tremendo erro de Carluxo e equipe, que controlam as redes do ex-presidente.

Para proteger o rebento e a si mesmo, Jair teve que se sujeitar a um “foi mal, tava doidão” para a Polícia Federal, afirmando que defendeu golpe de Estado porque estava sob efeito de morfina no hospital. Ser pai é padecer no paraíso, mas no caso de Jair, é afirmar estar chapadão para evitar que ele e filho se encaminhem à prisão.

Com o país ainda perplexo diante de uma horda de bolsonaristas que invadiu, vandalizou e roubou o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF, em 8 de janeiro, Bolsonaro acabou incentivando ainda mais a violência com a postagem. Por conta disso, o ministro Alexandre de Moraes determinou que fosse ouvido no inquérito da Polícia Federal que investiga os autores intelectuais dos atos golpistas a pedido da Procuradoria-Geral da República.

A série de reportagens de Ruben Berta e Igor Mello vem mostrando que o governo Cláudio Castro usou órgãos ligados à educação, como a Fundação Ceperj e a Uerj, para bancar pessoas ligadas a aliados políticos. As reportagens, que levaram a uma investigação do Ministério Público, contam um cenário de terra-arrasada: cargos secretos, funcionários-fantasma, alunos de mentira, vultuosos saques em dinheiro, rachadinhas, enfim, financiamento de cabos eleitorais e assessores de aliados com recursos que deveriam ser gastos na construção do futuro.

Enquanto isso, as rachadinhas continuam na moda, mesmo sendo uma tecnologia antiquada de desvio de dinheiro público. Além das evidências que apontam para a sua utilização nos gabinetes de Carlos, Flávio e Jair, investigação da Polícia Federal aponta que elas podem ter ocorrido também no Palácio do Planalto.

Reportagem de Aguirre Talento, no UOL, relevou indícios de que dinheiro de uma empresa com contratos com o governo federal pagava um cartão crédito usado pela ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, caía na conta de sua tia e bancava boletos do seu irmão. Diálogos descobertos no celular do ex-faz-tudo de Jair, mostravam o tenente-coronel Mauro Cid tentando avisar Michelle que esse tipo de movimentação desaguaria em denúncia.

A uma das assessoras da então primeira-dama, Cid foi claro: “O Ministério Público, quando pegar isso aí, vai fazer a mesma coisa que fez com o Flávio [Bolsonaro], vai dizer que tem uma assessora de um senador aliado do presidente, que está dando rachadinha, tá dando a parte do dinheiro para Michelle”.

Não surtiu efeito. Hoje, Jair indica que pode abandonar Cid, como sempre faz com aliados para se proteger, e o tenente-coronel, que está preso, aponta que não vai aceitar arcar com a bomba sozinho. Um aviso que os demais assessores da família não deveriam ignorar.

Reportagem do UOL escancara modus operandi da corrupção bolsonarista

A Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) pagou ao menos R$ 2,4 milhões a aliados dos líderes do PL, partido de Jair Bolsonaro, na Câmara e no Senado, e a um dos principais assessores de Carlos Bolsonaro (Republicanos) na Câmara do Rio. As contratações em projetos de pesquisa com folhas de pagamento secretas se concentraram às vésperas da campanha eleitoral de 2022.

O UOL identificou nas folhas de pagamento sem transparência de projetos da Uerj ao menos 20 aliados de Altineu Côrtes, líder do PL na Câmara. Entre eles, estão um vendedor de churrasquinho e uma acusada de praticar “rachadinha” que fizeram campanha para Côrtes. Quinto deputado mais votado do RJ em 2022 (167.512 votos), ele tem estado na linha de frente da defesa de Bolsonaro em meio às recentes investigações.

Carlos Portinho, líder do PL no Senado, teve a mãe e um assessor de gabinete empregados pela universidade. Ele era suplente e assumiu o mandato em 2020 após a morte de Arolde de Oliveira.

Rogério Cupti de Medeiros Júnior, assessor do vereador Carlos Bolsonaro desde 2021, e uma tia dele também apareceram nas planilhas de pagamento secretas da Uerj. Cupti desenvolveu o app Bolsonaro TV, que reúne postagens do ex-presidente.

Contratações às vésperas das eleições com dinheiro do RJ e do governo federal. Os dados, sob sigilo, aos quais o UOL teve acesso, mostram que os pagamentos aos apadrinhados dos bolsonaristas ocorreram em 2021 e 2022, mas se concentraram no primeiro semestre do ano passado, véspera da campanha eleitoral. Eles foram contratados como bolsistas em dois projetos —um de inovação em escolas públicas e outro de educação profissional— realizados com recursos estaduais e federais transferidos a partir de órgãos do governo Cláudio Castro (PL).

Procurada, a Uerj disse que “vem apurando rigorosamente todas as denúncias apresentadas de supostas irregularidades”. Assessores de Côrtes, Portinho e Carlos Bolsonaro negam que eles tenham tido influência nas contratações.

O assessor de Carlos Bolsonaro

Com salário de R$ 14 mil, Rogério Cupti é considerado um dos principais assessores de Carlos Bolsonaro e já advogou para o vereador em ações na Justiça. Em um dos debates da TV Globo, no ano passado, ele acompanhou Jair Bolsonaro e Carlos, segundo reportagem do jornal O Globo.

Rogério Cupti ganhou da Uerj R$ 87,4 mil brutos entre julho e novembro de 2022 —na maior parte dos meses recebeu R$ 13 mil— de um projeto de educação profissional.

A tia dele Márcia Toffano Mattos recebeu R$ 91 mil nos mesmos período e programa.

Por telefone, Cupti não quis dizer que serviço ele e a tia prestaram, afirmando que isso teria que ser esclarecido “pela gestão [da Uerj]”.

“Respeito seu trabalho como jornalista, mas não vou me pronunciar. Fique com Deus”, disse Rogério Cupti ao ser questionado sobre o serviço prestado à Uerj.

Dias depois, o UOL questionou Carlos Bolsonaro, por meio do e-mail do gabinete dele, sobre possível ingerência na contratação de Cupti pela Uerj. A resposta foi dada pelo próprio assessor via WhatsApp.

“O meu chefe nada tem [a ver] com trabalhos que realizo fora do gabinete e nenhum trabalho atrapalha o meu no meu gabinete […] A bolsa que recebi está declarada no meu Imposto de Renda. O senhor quer meu extrato bancário?”, disse o assessor.

Vendedor de churrasquinho

O UOL localizou nas folhas de pagamentos da Uerj 20 aliados do deputado federal Altineu Côrtes. Eles receberam ao menos R$ 2 milhões do projeto ECO (Escola Criativa e de Oportunidades).

Entre os contratados, está o ex-vereador de São Pedro D’Aldeia (RJ), na Região dos Lagos, Ediel Teles dos Santos, conhecido como Ediel do Espetinho. Famoso pelo churrasquinho que vende em uma praça da cidade e em municípios vizinhos, Ediel divulgou eventos de apoio a Côrtes em suas redes sociais.

Segundo a Uerj, os aliados do líder do PL na Câmara atuaram em “gestão estratégica, voltada para atividades de melhoria e qualificação dos processos de gestão desenvolvidos na Secretaria Estadual de Educação”.

Apesar de não demonstrar qualquer experiência nessa área, Ediel recebeu R$ 94,3 mil brutos entre janeiro e outubro de 2022.

Procurado pelo UOL em sua casa, Ediel se surpreendeu quando questionado sobre os serviços prestados. Ele respondeu que tinha que resolver algo dentro da residência, fechou a porta e não apareceu mais.

Pelas regras do projeto, que consumiu com pagamento de pessoal mais de R$ 100 milhões entre o início de 2021 e agosto de 2022, os contratados não eram obrigados a cumprir carga horária. A origem desse dinheiro é o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), cujos recursos vêm dos âmbitos municipal, estadual e federal.

Em nota, Altineu Côrtes afastou qualquer ingerência nas contratações. O deputado disse que “não fará considerações acerca de ‘coincidências’, já que os critérios para as contratações foram estabelecidos pela Uerj”.

Por sua vez, a universidade falou que “a seleção é feita por análise de currículo e entrevistas (…). As atividades realizadas são detalhadas em relatórios, além de atestadas pelos coordenadores, em documentação analisada pelos órgãos de controle interno.”

Presa por suspeita de praticar ‘rachadinha’

Shirlei Aparecida Martins Silva ganhou da Uerj R$ 84.815 entre agosto de 2021 e fevereiro de 2022. Ela é outra bolsista que participou de atos de apoio a Côrtes na Região dos Lagos. Shirlei e Ediel atuaram juntos pela eleição do deputado federal.

O UOL apurou que ela coordenou a captação de votos para o bolsonarista na região, apesar de nem ela nem Ediel constarem na prestação de contas de campanha do líder do PL.

Em 2018, Shirlei chegou a ser presa na Operação Furna da Onça, do MPF (Ministério Público Federal), por suspeita de participar de um esquema de “rachadinha” envolvendo o então deputado Edson Albertassi. “Na qualidade de chefe de gabinete de Albertassi, era a responsável por receber o dinheiro proveniente da suposta corrupção, além de ocultar e dissimular a origem da verba espúria”, disse o MPF à época.

Shirlei alega inocência. A defesa dela afirmou que a bolsista não contou com indicação política para ser bolsista da Uerj, mas com suas “credenciais de assistente social e professora aposentada”. “Sobre participação em redes sociais em campanhas políticas, nas últimas eleições, praticamente todos os brasileiros se manifestaram nas redes sobre suas posições, e não receberam por isso, assim como ela”, afirmou a defesa da cabo eleitoral.

Tesoureiro de campanha levou R$ 192 mil da Uerj

Outro aliado de Altineu Côrtes contratado pela Uerj foi o tesoureiro de campanha dele. Laércio Tavares de Andrade ganhou R$ 192 mil da universidade entre agosto de 2021 e dezembro de 2022.

Procurado pelo UOL, Andrade disse que a Uerj era quem deveria esclarecer que serviços ele prestou. Côrtes disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que Andrade saiu do projeto enquanto trabalhou na campanha, “não havendo conflito de interesses”.

Um grupo ligado a Altineu Côrtes na Uerj foi formado por ex-assessores de um dos principais aliados dele. Primeiro suplente do senador Romário (PL), Bruno Bonetti é atualmente funcionário do gabinete da liderança do PL na Câmara.

Ao menos cinco pessoas que trabalharam com Bonetti em 2021 na RioLuz, empresa de iluminação da Prefeitura do Rio, ganharam bolsas da Uerj.

Entre elas, está a ex-chefe de gabinete da RioLuz Suely Marina Rocha, que recebeu no projeto ECO R$ 397,6 mil entre outubro de 2021 e dezembro de 2022. O UOL não conseguiu contato com Suely.

Bonetti também tem um primo que foi bolsista: Julio Bierrenbach ganhou R$ 57,9 mil. O funcionário do gabinete do PL alegou que o parente trabalhou na área de gestão de documentos.

Mãe de senador

A mãe do líder do PL no Senado, Ângela Maria Teixeira de Mello, recebeu do mesmo projeto, o ECO, R$ 90 mil entre fevereiro e julho de 2022. Ela negou ter sido indicada pelo filho, alegando ter uma história bem anterior no serviço público.

Ângela, que disse ser produtora rural, afirmou ter trabalhado para a Uerj em escolas da Região Serrana do RJ na implementação de hortas. A mãe de Carlos Portinho enviou ao UOL fotos do serviço.

“Vale destacar também que as despesas com meu carro próprio, hospedagem e alimentação estavam todas incluídas na minha remuneração sem qualquer reembolso”, disse ela.

Bolsista com agenda cheia pelo PL

Além da mãe, o líder do PL no Senado tem um assessor de gabinete que foi bolsista na Uerj.

Jeremias de Jesus Santos, que também é coordenador da Juventude do PL no estado do RJ, recebeu R$ 102,9 mil entre outubro de 2021 e julho de 2022.

O UOL levantou que, enquanto foi bolsista, Santos participou de ao menos 21 agendas políticas, entre elas, com Carlos Portinho.

Por WhatsApp, Santos disse que seu serviço para a Uerj foi participar de um projeto de gestão de música em escolas públicas, já que é “maestro de coros musicais na igreja”.

Ao ser questionado em quais escolas atuou, ele não respondeu. Disse que, por não ter vínculo empregatício com a universidade, preferiu sair.

Portinho afirmou, por sua vez, que não tinha conhecimento do serviço do assessor na Uerj. “A assessoria do senador Carlos Portinho informa que o parlamentar não teve nenhuma influência nestas indicações e que só é responsável por contratar profissionais para atuar no seu gabinete.”

Além do assessor de Carlos Bolsonaro e de aliados da cúpula do PL, o UOL já mostrou que a universidade abrigou cabos eleitorais de outros quatro políticos do partido no RJ: o senador Romário, a deputada federal Soraya Santos e os deputados estaduais Rodrigo Bacellar e Dr. Serginho.

Ao todo, a universidade gastou entre janeiro de 2021 e agosto de 2022 mais de R$ 350 milhões em projetos cujas folhas de pagamento não têm transparência.

Há investigações em andamento do Tribunal de Contas do Estado, do Ministério Público do Rio e da Procuradoria Regional Eleitoral, deflagradas após reportagens do UOL.

O negócio dos Bolsonaro

Todo empreendimento, para funcionar bem, precisa ter um organograma, uma detalhada organização de tarefas. A família Bolsonaro atua na política como se tal atuação fosse um empreendimento. No topo da organização, está o presidente Jair Bolsonaro. E abaixo seus três filhos com mandato parlamentar. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) é o seu braço de relacionamento político de fato, com partidos e parlamentares. Não por acaso é agora o coordenador da sua campanha à reeleição. O vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) é o responsável pela sua estratégia de comunicação via redes sociais. E o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o responsável pelas conexões internacionais, com os ideólogos dos movimentos de direita que crescem pelo mundo.

Abaixo dos três, há uma extensa rede de operadores. Funcionários fantasmas. Outros parentes da família e parentes dos demais operadores que atuam nos bastidores. Para recolher parte dos salários de outros funcionários ou para atuar de forma velada em determinadas atividades. Um negócio no qual, por uma década, teve papel de destaque a ex-mulher de Bolsonaro Ana Cristina Siqueira Valle, mãe de Jair Renan, o filho 04 de Bolsonaro. A toda essa organização, foi Ana Cristina quem a batizou de “O Negócio do Jair”, conta a jornalista Juliana Dal Piva, do portal UOL. E foi assim que Juliana batizou o livro que escreveu sobre o esquema, recém-lançado pela editora Zahar.

“É, sim, um esquema de corrupção e desvio de dinheiro público”, assegura Juliana Dal Piva nesta entrevista ao Congresso em Foco. Em O Negócio do Jair – A História Proibida do Clã Bolsonaro, Juliana relata como Bolsonaro valeu-se da política, colocando também nela seus três filhos mais velhos, para fazer com que seu patrimônio e o de sua família crescessem de um automóvel Fiat Panorama e uma linha telefônica, quando se elegeu pela primeira vez vereador, para a posse de 107 imóveis, dos quais 51 comprados, pelo menos em parte, com dinheiro vivo.

O livro é o resultado das apurações que Juliana, como repórter, veio colhendo desde que começou a cobrir, antes de 2018, o nascimento da candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Uma candidatura que, desde o início, chamava a atenção por ter contornos diferentes. Bolsonaro não tinha um marqueteiro, como os demais candidatos, e construía sua campanha especialmente no uso massivo das redes sociais, de uma forma muitas vezes agressiva, com fake news, desinformação e ataques contra os adversários.

Logo no início, destacou-se nesse sentido a atuação de Tércio Arnaud Tomaz. Oficialmente, ele era então assessor do gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara de Vereadores do Rio. Mas, na prática, trabalhava na campanha de Bolsonaro à Presidência. Arnaud depois viria a ser um dos nomes associados ao chamado Gabinete do Ódio na Presidência depois da posse de Bolsonaro. “Quando explodem as informações do Coafi [sobre o esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro como deputado estadual no Rio de Janeiro], várias coisas que eu vinha apurando começam a fazer sentido”, afirma Júlia, referindo-se a essas conexões e à forma como atuavam figuras como Tércio Arnaud Tomaz.

22 da família de Bolsonaro. 18 de Ana Cristina

Segundo Juliana, além dos funcionários fantasmas, há também muito nepotismo. O próprio Jair Bolsonaro chegou a ter 22 pessoas da sua família trabalhando no seu gabinete e nos gabinetes dos filhos. Ana Cristina Valle chegou a ter 18.

Andréa Siqueira Valle, ex-cunhada de Bolsonaro, irmã da Ana Cristina Valle, afirmou que entregava todo mês R$ 7 mil do seu salário de volta. André, outro irmão, acabou sendo exonerado porque, segundo o relato, não devolveria a quantia certa. “Andréa foi funcionária fantasma da família Bolsonaro por cerca de 20 anos”, diz Juliana.

Hoje, há uma investigação sobre esquema de rachadinha envolvendo Flávio Bolsonaro, que é acusado pelo Ministério Público de peculato, lavagem de dinheiro e de ser líder de uma organização criminosa. Há outra ação por razão semelhante contra Carlos Bolsonaro. E há uma ação civil pública, do Ministério Público de Brasília, contra o próprio Jair Bolsonaro, por causa da história de Walderice da Conceição, a Wal do Açaí, que seria funcionária fantasma do gabinete do hoje presidente quando deputado federal enquanto, na verdade, atuava como uma espécie de caseira na casa de veraneio que ele tem na cidade de Mambucaba, região de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Segundo Juliana, na primeira campanha política de Bolsonaro, para vereador, ele declarou à Justiça Eleitoral ser proprietário somente de um automóvel Fiat Panorama, de uma linha telefônica e de dois terrenos, que formalmente nos cartórios não constavam.

Depois, em 1995 e 1996, ele comprou a casa em Mambucaba e um apartamento no bairro do Maracanã, no Rio de Janeiro. De acordo com Juliana, é somente depois que ele se une a Ana Cristina Valle que se inicia uma enorme expansão patrimonial. No período em que os dois estiveram juntos, eles compram 14 imóveis, cinco com dinheiro vivo.

Ao mesmo tempo, os filhos entraram para a política. Ele chegou a dizer na época que ia “sarneyzar” o Rio de Janeiro, numa referência a José Sarney, cujos filhos Roseana e Sarney Filho também seguiram na política.

Para esta eleição em que concorre a novo mandato como presidente, Bolsonaro declarou sua casa no Rio de Janeiro, no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca. No mesmo condomínio, ele é proprietário de outra casa, onde vive Carlos Bolsonaro. Ele tem a casa em Mambucaba, que ficou associada a Wal do Açaí. E um apartamento em Brasília. Além de automóveis e aplicações. Seus bens declarados, sem atualização dos valores de mercado, somam em torno de R$ 3 milhões.

“Agora, se juntar os filhos, o patrimônio todo da família, incluindo as irmãs e irmãos de Bolsonaro, a mãe [já falecida] e os três filhos mais velhos, a gente descobriu que eles negociaram ao longo das últimas três décadas 107 imóveis, 51 deles foram negociados parcialmente com o uso de dinheiro em espécie. O valor atualizado desses 51 imóveis é cerca de R$ 25 milhões. O total em espécie nessas negociações soma R$ 11 milhões, em valores atualizados”, afirma Juliana Dal Piva.

“Bolsonaro tenta passar de forma equivocada a ideia de que ele é um homem humilde, com pouco patrimônio e que a família dele é assim também. Essa não é mais a realidade da família Bolsonaro. O senador Flávio Bolsonaro comprou uma mansão de R$ 6 milhões no mesmo mês em que ele foi denunciado também por um desvio de R$ 6 milhões”, continua.

Juliana observa que nem Bolsonaro nem seus filhos têm outras atividades além da política. Somente Flávio Bolsonaro, desde 2015, tem no Rio de Janeiro uma loja de chocolates.

“Ana Cristina Valle, no processo de separação, declarou que Bolsonaro tinha uma renda de mais de R$ 100 mil. Ela não diz de onde vem, mas ela sustenta esse valor. Ele na época recebia um salário de R$ 27 mil brutos como deputado federal e mais cerca de R$ 7 mil, R$ 8 mil, da aposentadoria militar. O restante, que chega aos R$ 100 mil, de onde veio? Mas ela escreve isso. Não me pareceu um equívoco. Ela não corrige em nenhum momento essa informação”, diz Juliana.

A autora do livro rebate as afirmações da família de que não seria verdade que os imóveis foram comprados em parte com dinheiro vivo. Flávio chegou a conseguir por um determinado momento que as duas reportagens a esse respeito feitas pelo UOL deixassem de ser publicadas. A situação foi revertida. O detalhamento da forma como foram comprados os 51 imóveis em que houve uso de dinheiro vivo estão na reportagem “As evidências do dinheiro vivo em cada um dos 51 imóveis”.

“Eles precisavam arrumar uma narrativa, porque explicar mesmo eles não conseguem”, diz Juliana.

Os operadores

Na apuração que fez, Juliana Dal Piva não tem dúvida de que Ana Cristina Valle seria a operadora central do “Negócio do Jair”.

“A Ana Cristina foi uma sócia do Bolsonaro em tudo isso”, diz ela. É no período em que estão juntos como o patrimônio do casal e da família crescem exponencialmente.

“Depois, eles se separam, mas o esquema continua.”, diz ela. É aí que cresce o papel de Fabrício Queiroz, que era assessor no gabinete de Flávio. Ela cita também outros operadores. Como o coronel Miguel Braga, chefe de gabinete de Flávio. Outro militar, Jorge Fernandes, atual chefe de gabinete de Carlos. No gabinete de Bolsonaro, teve papel importante Jorge Francisco, pai do hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira. Jorge Francisco morreu em 2018.

“Depois da separação, Ana Cristina não vai mais operar diretamente. Vão ter outros operadores. Mas vai sempre ter uma situação em torno dela de administrar a Cristina. Porque ela sabe muito”, afirma Juliana Dal Piva.


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