18/05/2024 - Edição 540

Especial

Lugar de militar é no quartel

Democracia não pode ser tutelada pelos fuzis

Publicado em 11/11/2022 9:49 - Ricardo Noblat (Metrópoles), Carla Araújo, Thaís Oyama, Leonardo Sakamoto (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Até quando a democracia brasileira será tutelada pelas Forças Armadas? Não é admissível que a sociedade brasileira seja inundada com três notas dos militares m uma semana tratando de eleições e da agressão à democracia perpetrada por manifestantes que interrompem estradas, agridem policiais e pedem o fim do Estado Democrático de Direito. A República brasileira jamais superou sua triste tradição de quarteladas. A mais recente nota das Forças Armadas sobre as manifestações golpistas mostram que, ainda hoje, o país pena para colocar os valores democráticos da sociedade civil sobre o castelo de cartas onde equilibramos nossa República de Bananas.

Para Lula, Bolsonaro humilhou as Forças Armadas ao obrigá-las a fazer uma auditoria nas urnas eletrônicas para reforçar seu discurso de que o processo eleitoral não é confiável. Em menos de 48 horas, as Forças Armadas repetiram que a auditoria não comprovou irregularidades, mas que elas podem ocorrer.

Manda quem pode, obedece quem tem juízo e lado. O lado das Forças Armadas deveria ser o Brasil, sem tomar partido em política. Mas nunca foi. E quando elas viram a chance de voltar ao poder apoiando Bolsonaro, não hesitaram. Se dependesse delas, Bolsonaro teria sido reeleito. Como não foi, resmungam.

Bolsonaro não gostou nem um pouco da leitura que se fez do relatório da auditoria divulgado pelo Ministério da Defesa. Então, ordenou que uma nova nota do ministério repetisse o que já fora dito. Sua preocupação: não frustrar de todo sua tropa de choque que ainda pede intervenção militar nas portas dos quartéis.

Ele também não gostou da decisão do Comando Militar do Planalto que pediu ajuda ao governo do Distrito Federal para restabelecer a ordem pública defronte do QG do Exército, em Brasília, onde bolsonaristas seguem acampados com todas as despesas pagas por empresários do agro que nada têm de pop.

O que fez o comandante do Exército, general Freire Gomes? Em reunião virtual com 150 generais da ativa, comunicou que as manifestações antidemocráticas em frente aos quartéis não devem ser reprimidas, segundo a Folha de S. Paulo. Os atos, segundo Freire Gomes, são amparados, sim, pela Constituição.

Não são, é o que acham o ministro Alexandre de Moraes e a maioria dos seus colegas do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Alexandre não está disposto a deixá-los impunes. A Polícia Federal vai investigar por crime de prevaricação o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal.

Silvinei Vasques, indicado para o cargo pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), é suspeito de ter colaborado com a baderna instalada no país desde o fim das eleições. No sábado, dia 29, ele pediu votos para Bolsonaro. No domingo, dia 30, usou seus agentes para dificultar no Nordeste o comparecimento às urnas.

E desde a segunda-feira, dia 31, não combateu como deveria os bloqueios montados por caminhoneiros em estradas. Moraes ainda não recebeu todas as informações pedidas sobre placas de caminhões, donos dos veículos e as fontes que financiam as paralisações. Mais caminhões chegaram a Brasília.

Forças Armadas dizem que manifestações são legítimas, mas condenam excessos

Com diversos bolsonaristas inconformados com o resultado das eleições protestando em frente aos quartéis do país, os comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes; da Marinha, almirante Almir Garnier Santos; e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior; divulgaram uma nota conjunta nesta sexta-feira (11) em que afirmam que a Constituição permite protestos, mas que também prevê que “os deveres e os direitos” devem ser observados por todos os brasileiros e “que devem ser assegurados pelas Instituições”.

Na nota, os militares criticam restrições ao direito de ir e vir e alertam para ações que possam criar situações de risco. Parte dos manifestantes que está nas ruas pede golpe de estado e intervenção militar, o que é inconstitucional. Mas, na avaliação dos militares ouvidos pela coluna, não seria correto a generalização e a caraterização de que todos os atos são de teor golpista.

“São condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade”.

Após a divulgação da nota, o site do Exército chegou a sair do ar, segundo eles, por conta do grande número de acessos simultâneos.

Desde o fim das eleições e com a derrota do presidente Jair Bolsonaro, os militares preferiram manter o silêncio em relação às manifestações nas portas dos quartéis por avaliarem que se tratava de uma questão política e qualquer manifestação por parte deles não seria positiva.

Nos últimos dias, porém, após a divulgação do relatório de fiscalização das eleições por parte do Ministério da Defesa, Bolsonaro teria feito chegar aos comandantes que gostaria de alguma manifestação, o que também teria o apoio do ministro Paulo Sergio (Defesa).

Bolsonaro e Paulo Sérgio ficaram incomodados com a postura do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, de responder de forma quase que imediata o relatório de 60 páginas elaborado pelas Forças Armadas.

Apesar disso, os militares negam que tenha sido feita algum tipo de consulta a Bolsonaro sobre o teor da nota divulgada hoje e afirmam que o texto vinha sendo construído nos últimos dias.

Ontem, em reunião do Alto Comando, que já estava pré-agendada, tratou -se da conjuntura atual e o texto foi discutido. Há uma pressão vinda por parte de generais da reserva que também englobam a parcela da população que não se conforma com o resultado das urnas.

Mas, esse não é um sentimento geral na ativa. Embora boa parte do generalato não goste do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, para a grande maioria dos militares da ativa, as eleições acabaram no dia 30 de outubro e a transição já está em curso.

Nota das Forças é “alerta” e tem Judiciário e Moraes como destinatários

A nota divulgada em conjunto pelo Exército, Marinha e Aeronáutica — sem a assinatura do Ministério da Defesa — tem como destinatário o Poder Judiciário e, mais especificamente, o ministro do STF Alexandre de Moraes. Ontem, à noite, Moraes determinou a “imediata liberação” das vias obstruídas por cerca de cem caminhoneiros apoiadores de Jair Bolsonaro que estão em Brasília, além de multa de R$ 100 mil por hora de bloqueio.

A decisão do ministro, segundo um oficial que participou da elaboração da nota conjunta das Forças Armadas, foi a “gota d’água” que fez transbordar o “desconforto” dos militares em relação ao que consideram “uma tentativa do Judiciário de constranger pessoas que estão se manifestando democraticamente”.

O fato de a nota não ser assinada pelo Ministério da Defesa, de acordo com o oficial, teve o propósito de esvaziar interpretações de que ela seria fruto de uma pressão do governo. “É uma posição dos comandante das Forças. Essa é a mensagem”.

Segundo o oficial, comandantes de quartéis que ainda estão cercados por manifestantes bolsonaristas pedindo intervenção militar estão sendo pressionados “pelo STF, pelo Ministério Público e pelas Polícias Militares” a dispersá-los — algo que, afirma o militar, as Forças não farão. “A nota é um alerta às instituições sobre os excessos que estão sendo cometidos por agentes públicos”, afirmou.

Ontem à tarde, em reunião do Alto-Comando do Exército, o comandante da Força, general Freire Gomes, já havia dito que as manifestações de bolsonaristas em frente aos quartéis não deveriam ser reprimidas pelos batalhões.

Além da manifestação que reúne cerca de cem caminhões nos arredores do Quartel General do Exército em Brasília, há concentração de bolsonaristas diante de pelo menos outros três quartéis em capitais: o Comando Militar do Leste, no Rio; o Comando da 6º Região Militar, em Salvador; e o Comando Militar do Sudeste, em São Paulo.

Recado aos golpistas?

Apesar de fontes militares afirmarem que o texto tem a intenção de reforçar o posicionamento institucional das Forças, o documento dá margem para reforçar os movimentos de rua, boa parte antidemocráticos, ao afirmar que as instituições devem dar atenção às demandas do povo.

“A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação”.

Na nota, os comandantes dizem ainda que reiteram “a crença na importância da independência dos Poderes” e reforçam o papel do Legislativo no processo democrático.

Segundo eles, a “Casa do Povo” é o “destinatário natural dos anseios e pleitos da população” e “sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade”.

LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA CONJUNTA

Às Instituições e ao Povo Brasileiro

Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.

A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território nacional.

Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: “Não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.

Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.

A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação.

Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.

A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.

Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo.

Brasília/DF, 11 de novembro de 2022.

Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS
Comandante da Marinha

General de Exército MARCO ANTÔNIO FREIRE GOMES
Comandante do Exército

Tenente-Brigadeiro do Ar CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR
Comandante da Aeronáutica

Para agradar golpista, Ministério da Defesa divulgou nota baseada em falácia

As Forças Armadas foram duramente criticadas por golpistas que estão orando na porta dos quartéis depois que o seu relatório sobre a credibilidade do sistema eletrônico de votação não apontar uma única fraude. Para agradá-los, o Ministério da Defesa se humilhou com uma nota pública, na quinta (10), baseada em uma falácia descrita no mais básico manual de lógica.

De acordo com o texto, o trabalho da equipe de técnicos militares “embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”.

Bobagem. Não é porque as Forças Armadas não conseguiram provar que fraudes são impossíveis que elas ocorreram de fato. Algo que alguém não provou ser falso não é necessariamente verdadeiro, da mesma forma algo que pode, em tese, acontecer não aconteceu de fato necessariamente.

Da mesma forma não é porque ainda não foi possível provar que as compras milionárias de Viagra e próteses penianas pelas Forças Armadas sob o governo Bolsonaro não foram fruto de esquemas de corrupção que os responsáveis pelas compras perdem a sua presunção de inocência. O ônus da prova de um desvio está com acusação, coisa que a nota da Defesa parece querer ignorar.

A nota de quinta repetiu pontos que o ofício do ministro Paulo Sergio de Oliveira, que acompanhou a divulgação do relatório, já havia apontado ontem, tudo no campo da hipótese. Cita “possível risco” à segurança na geração dos programas das urnas eletrônicas e afirma que os testes de funcionalidade das urnas não foram suficientes para afastar a “possibilidade” da influência de um eventual código malicioso.

No capítulo “A refinada arte de detectar mentiras”, do livro “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, Carl Sagan chama essa falácia de “apelo à ignorância” – agradeço a Rodrigo Ratier, também colunista aqui do UOL, pelo lembrete disso. Ou seja, a afirmação de que qualquer coisa que não provou ser falsa deve ser verdade, e vice-versa.

Sagan dá como exemplo o fato de que a não existência de evidência convincente de que OVNIs não estejam visitando a Terra leva a algumas pessoas a defenderem, portanto, que OVNIs existem – segundo essa falácia. “Essa impaciência com a ambiguidade pode ser criticada pela expressão: a ausência de evidência não é evidência da ausência”, aponta o cientista.

Apesar de não contar com fatos que corroborem sua hipótese, o governo enumera hipóteses para criar fatos. E conclui: “Em consequência dessas constatações e de outros óbices elencados no relatório, não é possível assegurar que os programas que foram executados nas urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que alterem o seu funcionamento”.

Após bombar uma falácia, ajudando os golpistas a permanecerem mobilizados em frente às portas dos quartéis e em algumas estradas estaduais, a nota do Ministério da Defesa ainda conta uma piada de mau gosto. Diz que ele “reafirma o compromisso permanente da Pasta e das Forças Armadas com o Povo brasileiro, a democracia, a liberdade, a defesa da Pátria e a garantia dos Poderes Constitucionais, da lei e da ordem”.

Torço, de forma sincera, que ninguém esteja pensando em nos invadir. Tanta humilhação enfileiradas sob Bolsonaro pode passar a imagem de que as nossas Forças Armadas são fáceis de combater.


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