18/05/2024 - Edição 540

Especial

Faltam dois dias

O tempo do ódio, da guerra e da desunião está chegando ao fim

Publicado em 30/09/2022 9:09 - Ricardo Noblat (Metrópoles), Tiago Pereira (RBA), Plinio Teodoro (Fórum), Pedro Dória (Meio) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone by Midjourney

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Para sobreviver politicamente a derrota que se avizinha no domingo (2) e sonhar com a volta em 2026, Bolsonaro não poderá reconhecer o resultado que lhe seja adverso. Dirá que a eleição foi fraudada.

É o que ensina a cartilha dos populistas de extrema direita mundo afora. Foi o que fez Donald Trump nos Estados Unidos. Mas, como lá, qualquer tentativa de golpe aqui será malsucedida.

Há dias, Bolsonaro repetiu que só respeitará o resultado das eleições se elas forem limpas. Quem dirá que foram? O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os observadores internacionais.

Bolsonaro irá se contentar com isso? É claro que não. Eleições limpas, para ele, um filhote da ditadura militar que suprimiu a democracia por 21 anos, são só aquelas que o elegem.

Com urnas eletrônicas e tudo mais, Bolsonaro se elegeu deputado seis vezes e nunca contestou os resultados, ele e os filhos. Em 2002, votou em Lula e quis emplacar o nome do novo ministro da Defesa.

Falou em eleições roubadas porque não se elegeu em 2018 no primeiro turno. Como se elegeu no segundo, deixou de falar. Voltou a falar depois da pandemia porque anteviu a derrota.

Lembra-se de que ele disse que era preciso salvar a economia senão o seu governo não se salvaria? Que sabotou todas as medidas de proteção da vida adotadas por governadores e prefeitos?

Por pressão dele, o Congresso foi forçado a votar um projeto que restabelecia o voto impresso. Votou e derrotou-o, mas Bolsonaro nunca se conformou. Continua inconformado.

Valdemar Costa Neto, ex-mensaleiro do PT, é presidente do PL. Alugou a legenda a Bolsonaro para aumentar a bancada de deputados federais do partido. Esteve, na quarta 928), no TSE.

Saiu de lá dizendo que não “há mais sala secreta”; jamais houve, é mais uma mentira de Bolsonaro. Mal saiu, foi divulgado um documento do PL que duvida da segurança das urnas eletrônicas.

O documento está em papel timbrado do PL, mas ninguém o assina. Sem apresentar provas, em linguagem eminentemente técnica, sugere que possa haver fraude na apuração dos votos.

Não é um documento para ser levado a sério por quem é sério, e esse não é o caso de Valdemar. É só para alimentar a rede de fake news a serviço da campanha de Bolsonaro. É para isso que serve.

Por que Bolsonaro não recomenda aos seus eleitores que se abstenham de votar? E por que não dá o exemplo? Se o sistema eleitoral não merece confiança, o mais lógico é não votar.

Votando, compactua com a farsa que teme. Acontece que a farsa só estará consumada se Bolsonaro perder, se vencer, não. Sabe de uma coisa? Bolsonaro, vá para o inferno e deixe o país em paz.

Cheiro de Lula no ar

Em 11 de novembro de 1989, a poucos dias do primeiro turno da primeira eleição presidencial depois do fim da ditadura militar de 64 de triste memória, o jornalista Ricardo Noblat escreveu um artigo no Jornal do Brasil, onde trabalhava, sob o título: “Cheiro de Lula no ar”.

O que estava em discussão à época era quem enfrentaria Fernando Collor de Mello (PRN) no segundo turno – se Lula (PT) ou Leonel Brizola (PDT), ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, herdeiro do trabalhismo de Getúlio Vargas.

Foi Lula que enfrentou Collor, derrotando Brizola por 0,5% dos votos, a maior titica de votos das eleições presidenciais brasileiras até aqui. No segundo turno, Collor venceu Lula com 53% dos votos válidos, contra 47% do petista. Uma semana depois, Noblat foi demitido do jornal.

Em maio daquele ano, quando Collor apareceu em primeiro lugar nas pesquisas, ele havia escrito um artigo sobre ele com o título “Falso brilhante”. E em 15 de dezembro, escreveu sobre o candidato que era tratado como “fenômeno” (hoje seria “Mito”):

“Collor é um político capaz de fazer qualquer coisa para alcançar os objetivos dele. Releva aspectos morais e éticos, desrespeita costumes e atropela princípios para obter o que deseja. Pode até conseguir se eleger assim, mas que tipo de presidente será?”.

Lula, hoje, admite que não estava preparado para governar o país em 1989. Collor, derrubado pelo Congresso dois anos depois sob a suspeita de ser corrupto, é senador e tenta voltar ao governo de Alagoas, de onde saiu com a fama de “caçador de marajás”.

Nos seus tempos áureos, o PT era um “partido de chegada”. Crescia na reta final das campanhas, surpreendendo os adversários. “Ou enxergo mal, ou começo a ver uma onda petista em formação. Não será um tsunami, mas marolinha também não”, diz o experiente jornalista.

Há uma ou duas semanas, por exemplo, dava-se ACM Neto (União) como eleito governador da Bahia no primeiro turno. Há fortes sinais de que ali haverá segundo turno, podendo a eleição ser resolvida ainda no primeiro a favor de Jerônimo (PT).

Não é por outra razão que Lula, que pretendia encerrar sua campanha em São Paulo, viajará ao Rio, Bahia e Ceará nesta sexta-feira (30). Irá ao Rio ajudar Marcelo Freixo (PSB) e a si mesmo. Ao Ceará, para ajudar Eumano (PT), candidato ao governo.

O PT do Piauí espera que, indo ao Ceará, Lula dê um pulo por lá, é pertinho. Ciro Nogueira (PP-PI), chefe da Casa Civil de Bolsonaro, dava como certa a vitória do seu candidato ao governo do Piauí, e também do seu candidato ao Senado. Mas, na terça-feira…

Na terça-feira, por volta das 23h, foi visto desembarcando de cara amarrada do voo da TAM em Teresina. Havia meia dúzia de pessoas à sua espera, metade carregadores de mala. Ciro aposta que no seu terreiro é só marola a onda petista. A conferir.

É a mesma aposta que faz em Minas Gerais Romeu Zema (Novo) diante do encurtamento da distância entre ele e Alexandre Kalil (PSD), apoiado por Lula. Mas isso Zema diz da boca para fora. Para quem ganharia no primeiro turno, ele não gosta do que vê.

Pernambuco vai “mariliar” domingo. Marília Arraes (Solidariedade), a candidata mais identificada com Lula no estado, poderá se eleger no primeiro turno. O mais provável, no entanto, é que dispute o segundo, contra quem ainda não se sabe.

A escolha do candidato contra Marília está nas mãos dos prefeitos. Eles poderão pôr no segundo turno qualquer um dos quatro candidatos empatados nas pesquisas. Nas mãos dos prefeitos paulistas estará a sorte dos que por lá irão para o segundo turno.

A dobradinha Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (PL) poderá excluir do segundo turno Rodrigo Garcia (PSDB), mas o número de eleitores paulistas indecisos é grande. Indecisos costumam decidir em quem votar na noite da véspera da eleição.

Quanto a Lula e Bolsonaro, faça sua aposta. Haverá segundo turno? Torcemos para que não. Noblat escreveu há mais de um ano que votaria no candidato que fosse capaz de derrotar Bolsonaro, poderia até ser o Eymael, um democrata cristão do qual nem se fala.

Prevendo derrota, ministros de Bolsonaro buscam interlocução com Lula

Com a mais recente pesquisa Ipec (ex-Ibope) mostrando Lula (PT) com 52% das intenções de votos – o que dá a ele chances de liquidar as eleições no próximo domingo, 2 de outubro -, o clima de fim de festa instalou-se no Palácio do Planalto.

Políticos aliados e até ministros do governo já preveem derrota de Jair Bolsonaro (PL) e começam a buscar interlocução com Lula para hastear a bandeira branca.

Segundo informações de Mônica Bergamo, na edição de terça-feira (27) da Folha de S.Paulo, os recados a Lula se intensificaram “especialmente entre aqueles que têm base eleitoral e política no Nordeste do país”.

Ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI) – que em 2017 chamou Bolsonaro de fascista -, já abandonou Brasília e tem se dedicado a eleição no Piauí. Na semana passada, durante chilique na Rede TV, o ministro da Economia, Paulo Guedes, teria atacado Nogueira, dizendo que “ele nunca foi bolsonarista”.

Usando empresários na interlocução, os “aliados” de Bolsonaro têm sinalizado a Lula que não farão oposição ferrenha a eventual governo petista, abrindo espaço para diálogo.

Esperança contra o medo

A dois dias das eleições, o candidato da coligação Brasil da Esperança à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou na “super live” que marca a reta final da campanha, que “o tempo do ódio, o tempo da guerra, da discórdia e da desunião está chegando ao fim”. E disse que cabe a todos os brasileiros inaugurar um novo tempo. “Um tempo de paz, de democracia, união, prosperidade, amor e esperança.”

Lula disse que sabe que a jornada é muito difícil e que a situação do país hoje é pior do que em 2003. “Estamos a um passo da vitória em 2 de outubro. Falta só um tiquinho. Nesses poucos dias que restam, é preciso trabalhar para conquistar o voto de todos aqueles que amam a democracia. A democracia não é um pacto de silêncio. Ela é ruidosa, é barulhenta. Porque nelas ecoam muitas vozes. É em defesa da democracia que tantas vozes estão reunidas aqui hoje”, afirmou o petista.

Aos 76 anos, afirmou que poderia “não estar metido nessa briga”. mas disse ter uma causa. “Não posso aceitar a ideia de que a fome voltou nesse país. Assim como não posso aceitar a ideia de que alguém é atacado ou violentado porque anda com uma camisa vermelha ou uma bandeira vermelha”, declarou. “Não posso aceitar as pessoas acharem que não adianta investir em educação e em ciência e tecnologia. Cortaram o dinheiro da merenda escolar, acabaram com o Farmácia Popular. Que estupidez é essa?”

Lula também prometeu pôr fim ao Orçamento Secreto e disse que não haverá sigilo nas contas públicas. “No primeiro dia de governo vamos fazer um decreto para acabar com esses sigilos de 100 anos. Quero ver o que esse cidadão está escondendo do povo brasileiro”.

Em vez de promessas, compromissos

O ex-presidente citou o desemprego recorde, a inflação fora de controle, os preços abusivos dos alimentos, do gás e da energia elétrica, a destruição das políticas de inclusão, o endividamento das famílias e a violência política. Classificou o sofrimento provocado pelo atual governo como “uma das páginas mais infelizes de toda a nossa história”. E apresentou compromissos.

“Tenho como avalista o extraordinário legado dos nossos governos”, ressaltou. “Tiramos 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza. Criamos 22 milhões de empregos com direitos garantidos. Elevamos o Brasil ao posto de 6ª maior economia do mundo. Pagamos a dívida do FMI e nos tornamos credores do fundo. Deixamos 370 bilhões de reservas. E foi graças a isso que o Brasil não quebrou, apesar da incompetência do atual governo”.

Assim, afirmou que, em caso de vitória, o seu futuro governo vai voltar a investir em infraestrutura, bem como reativar o programa Minha Casa Minha Vida. Também se comprometeu a fortalecer o salário mínimo, com aumento real acima da inflação. Além disso, afirmou que vai garantir o Bolso Família de R$ 600, com R$ 150 a mais para cada criança até seis anos. Disse que vai renegociar as dívidas das famílias que estão com nome sujo. E que vai corrigir a tabela do Imposto de Renda (IR), desonerando principalmente a classe média.

Também disse que vai voltar a investir na agricultura familiar, para garantir alimentos de melhor qualidade e mais saudáveis. Também sinalizou com crédito a juros baixos para quem quiser empreender. E prometeu assegurar os direitos dos trabalhadores de aplicativos.

Saúde, educação e cultura

“Vamos investir em creches, ensino em tempo integral, e o ensino técnico profissionalizante voltara a ser prioridade. Universidade tem quer ser para todos e todas que desejarem”, disse o candidato. Nesse sentido, Lula afirmou que vai fortalecer programas como o Prouni e o Fies, além de garantir o cumprimento da Lei de Cotas. “É inaceitável que num país da grandeza do Brasil o sonho da juventude seja ir embora para o exterior em busca de oportunidade que hoje lhes são negadas”. Também afirmou que vai levar internet “a todos os cantos do país”, prometendo uma “verdadeira revolução digital”.

Da mesmo modo, Lula disse que vai retomar e ampliar “boas políticas” de Saúde implementadas durante as gestões petistas. “O Samu, as Upas, o Farmácia Popular e o Saúde da Família serão fortalecidos. Vamos garantir aos usuários do SUS o acesso a consultas com especialistas. É inaceitável que uma pessoa receba o diagnóstico de alguma doença grave e tenha que esperar até oito meses por uma consulta”, afirmou. “Ninguém mais morrerá por falta de vacinas, por falta de remédios e de oxigênio, nesse país”, acrescentou.

Também disse a Cultura, que classificou como “um dos maiores patrimônios do povo brasileiro”, será tratada como “gênero de primeira necessidade”, porque “alimenta nossas almas”. “Nós precisamos de música, cinema, teatro, dança, artes plásticas. Precisamos de mais livros, em vez de mais armas. Vamos recriar o Ministério da Cultura e criar comitês culturais em cada capital desse país. Para que a cultura seja de novo reconhecida como fonte de geração de emprego e renda”.

Igualdade e meio ambiente

Lula ainda prometeu “trazer de volta” os ministérios da Igualdade Racial e das Mulheres. Como “novidade”, voltou a anunciar a criação do Ministério dos Povos Originários. Além disso, se comprometeu a cuidar da Floresta Amazônica e de todos os demais biomas, recuperando os órgãos de preservação e fiscalização, como o Ibama, o ICMBio e a Funai.

“Quero que fique bem claro: Não haverá garimpo ou qualquer atividade ilegal em área indígena. Não haverá derrubada de floresta. Não haverá soja, gado, cana ou milho nos nossos biomas. Hoje manter uma árvore em pé é tão ou mais importante que uma cabeça de gado. O Brasil não precisa derrubar uma árvore. Temos 30 milhões de hectares degradados. A gente pode dobrar a produção sem derrubar uma única árvore no Pantanal ou na Amazônia”, frisou.

O Brasil não vai mudar na segunda-feira

Robert Paxton, um cientista político e historiador americano, que hoje tem 90 anos de idade, deu uma definição profunda do que é fascismo. O Fascismo não é tão simples de definir, porque não é uma ideologia. O anarquismo é uma visão de como o mundo funciona, tem um diagnóstico dos problemas e daí nascem propostas e soluções. O Marxismo é assim, o liberalismo é assim. Mas o fascismo, não!

O fascismo é o culto à morte, tanto à morte real quanto à morte metafórica. O Brasil nunca teve em sua história um presidente como Jair Bolsonaro. Um homem que cultua a morte, que se encanta com a morte.

O que dá energia a ele é a morte. É o desejo de armar as pessoas. A obsessão de liberar a polícia para que mate à vontade. A maneira como expôs o Brasil à Covid, sua completa falta de empatia.

Artistas brasileiros morrem, os maiores, ele ignora.

Brasileiros morrem por desastres naturais e doenças, e ele curte férias.

Mas tá também a morte metafórica, a luta por destruir a Amazônia, a luta por destruir a cultura indígena, a luta por destruir quase tudo que chamamos de cultura brasileira. Por destruir a ciência brasileira, a destruição da Constituição de 1988.

O fascista sempre diz saber o que é o país, o que é a nação. Mas o que ele deseja mesmo é destruir. Bolsonaro quer mesmo é destruir tudo o que há de positivo na brasilidade. Só o seu fetiche alucinado e o daqueles que pensam igualzinho a ele pode sobrar. Só o pior do que nós, brasileiros, somos, sobra no bolsonarismo.

E isso não quer dizer que Bolsonaro não seja brasileiro. Não. Somos um dos países que mais lincham no mundo, somos um dos países que nunca deixou de torturar nas suas delegacias, somos um dos países onde mais há racismo estrutural, homofobia, aporofobia. A brutalidade e a violência também fazem parte do Brasil, só que elas nunca nos resumiram. O Brasil tinha alegria também. Vinícius de Moraes dizia que “a gente tinha batuque no nosso coração”.

Quando todo dia, toda hora, o presidente da República enfatiza, instiga, provoca, atiça, faz despertar o que há de brutal na brasilidade, isso desperta o que há de pior em nós. O que é mais chocante conforme finalizamos estes quatro anos de Governo, é que ele continua com 30% por cento de aprovação e de lá não desce.

A melhor coisa do mundo seria que houvesse um segundo turno, e que Bolsonaro não estivesse lá. Não por apoiarmos uma determinada terceira via, mas porque se Bolsonaro for mesmo o segundo colocado, mesmo que perca, se 30 e poucos por cento dos brasileiros continuarem achando que de todos os nomes postos ele é o melhor, o que isso dirá sobre nós?

Estamos regredindo em nossa humanidade.

Si, repetimos, a brutalidade e a violência sempre fizeram parte do Brasil. Mas, elas representam o pior do que somos. O fundo do poço da brasilidade. Nós somos outras tantas coisas melhores.

Quando tudo passar e Bolsonaro perder, porque ele tem de perder, ainda teremos 20, 30, 35 por cento de brasileiros que votaram em tudo o que ele representa. Estas pessoas não vão desaparecer, não haverá o renascer de um Brasil novo em janeiro de 2023, mesmo que se tudo der certo, com um presidente novo.

O ovo da serpente eclodiu, e nós precisamos de um plano para lidar com isso, para trazer de volta do transe nossos amigos, familiares, gente que faz parte de nós.

Se não fizermos isso, o fascismo poderá voltar.


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