18/05/2024 - Edição 540

Especial

ESGOTO PARLAMENTAR

Transfobia de mini Bolsonaro testa os limites da extrema direita na Câmara

Publicado em 10/03/2023 11:53 - Ricardo Noblat (Metrópoles), Leonardo Sakamoto e Weudson Ribeiro (UOL), Rudolfo Lago e Sylvio Costa (Congresso em Foco) - Ediçao Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, antecipou o que deverá acontecer com o deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL), o mais votado de Minas Gerais, ao escrever há dois dias nas redes sociais: “O plenário da Câmara não é palco para exibicionismo e discursos preconceituosos. Não admitirei desrespeito com ninguém. O deputado Nikolas merece minha reprimenda por sua atitude. A todos que se sentiram ofendidos, minha solidariedade”.

Reprimenda. Que por sinal, Lira já aplicou. Cassação de mandato? Esqueça. Câmara e Senado não cortam na própria pele. O corporativismo, ali, é sólido como uma rocha. O deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) disse o diabo sobre a Justiça e não foi punido.

Nikolas, no Dia Internacional das Mulheres, vestiu uma peruca loira, apresentou-se como “Nikole” e fez um discurso contra as trans. PSOL, PSB, PDT e Rede protocolaram no Conselho de Ética o pedido de cassação do seu mandato.

O Conselho, sequer, conhece seus integrantes. Não foram designados. Os mais otimistas apostam que Nikolas, pelo menos, terá o mandato suspenso por algumas semanas. Os realistas, que ele receberá uma censura pública. Ou seja: uma reprimenda.

De Jair Renan Bolsonaro, o Zero Quatro e o mais novo membro da família a ingressar na folha de pagamento do Estado brasileiro, Nikolas só recebeu elogios: “[Foi um discurso] incrível, acertando em cheio os hipócritas da esquerda. Parabéns, deputado!”

Jair Renan virou funcionário do Senado, para orgulho e alívio do pai que pagava suas despesas.

Transfobia de mini Bolsonaro testa os limites da extrema direita na Câmara

Caso a Câmara dos Deputados não casse o mandato de Nikolas ou imponha a ele uma severa punição por transformar a tribuna parlamentar em um show bizarro de transfobia no Dia Internacional da Mulher, vai acabar se tornando refém de uma extrema direita preconceituosa e violenta. E, desta vez, refém de graça.

O centrão, que controla a Câmara, tem como uma de suas características o fisiologismo, não o ultraconservadorismo. Essa é uma das razões pelas quais as pautas em costumes e comportamentos do então presidente Jair “Joias” Bolsonaro, como a redução da idade mínima para trabalhar ou a proibição do aborto em caso de estupro, não terem tramitado facilmente.

O centrão enxerga ganhos econômicos em passar a boiada sobre direitos ambientais, indígenas e trabalhistas. Mas não quer ser visto como o responsável por tentar impedir uma menina de dez anos, grávida após ser estuprada pelo próprio tio desde os seis no Espírito Santo, de interromper a gestação para preservar a própria vida. Sim, os assessores da então ministra e hoje senadora Damares Alves fizeram isso.

Durante o mandato de Joias Bolsonaro, algumas concessões à pauta de costumes e comportamento do capitão foram feitas em meio aos bilhões pagos em emendas e aos cargos concedidos. Mas após a derrota do Patriarca dos Diamantes e das Rachadinhas, e com o Brasil sob nova administração de Lula, a extrema direita foi para a oposição, como minoria.

Não haveria razão de o establishment da Câmara aceitar agora que um deputado ultraconservador, mesmo que tenha sido o mais votado do país, transforme o púlpito da casa em penico. Isso passa a impressão de que a cúpula do parlamento se dobra às necessidades de produzir memes e agredir pessoas de alguém que se porta como um mini Bolsonaro.

Arthur Lira se manifestou. O pito, contudo, é pouco eficaz. Pois ele foi eleito com essa plataforma e com objetivo de fomentar o caos, e acredita que os votos que recebeu lhe darão proteção para rasgar a Constituição quantas vezes desejar.

Tabata Amaral (PSB-SP) e Érika Hilton (PSOL-SP) disseram que vão entrar com pedido de cassação do mandato. Hoje, se o caso for para o Conselho de Ética, o mais provável é que receba uma moção de repúdio ou, no máximo, um gancho por suas declarações criminosas, seguindo o padrão de impunidade baseado na imunidade. Afinal, há deputados com receio de ver limitada a sua liberdade de vomitar tranqueiras na tribuna que vão passar um pano para o comportamento do colega.

Assim como foi com Joias Bolsonaro que, como deputado federal, chegou a dizer que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário porque achava que ela era feia, segundo suas próprias palavras. E ficou por isso mesmo.

O crime cometido contra as pessoas trans e a dignidade humana foi um teste. Hoje, foram Hilton e Duda Salabert (PDT-MG), as primeiras deputadas federais trans da história do Brasil. Se a Câmara não reagir, da próxima vez o ataque da extrema direita atingirá outros grupos. E, mais cedo ou mais tarde, vai chegar ao próprio centrão.

A menos que a cúpula da Câmara decida começar essa legislatura botando ordem na casa, punindo o deputado com a perda de seu mandato ou um gancho bem longo, a leniência passará a imagem de que a extrema direita pode atacar colegas e cometer crimes, atropelando os ritos, as regras e, principalmente, os líderes.

Em outras palavras, que o parlamento não é a Casa de Lira, nem mesmo da Mãe Joana, mas de Nikolas.

Nikolas e a triste e perigosa lacração da peruca transfóbica

Ao final da noite de quinta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, um experimentado assessor de um veterano deputado federal esperava capisbaixo por um carro de aplicativo na porta da Chapelaria, a entrada principal dos prédios da Câmara e do Senado.

O assessor estava atônito com a pantomima feita no início da tarde pelo deputado Nikolas Ferreira. Mas, além de atônito e horrorizado com a baixaria, o que preocupava o assessor era o fato de que aquele tipo de postura mal-educada, que estimula o ódio, ia se tornando comum no Parlamento. No mês passado, o deputado Sargento Fahur (PSD-PR), em um evento em defesa da indústria armamentista xingou o ministro da Justiça, Flávio Dino: “Vem buscar a minha arma, seu merda!”, gritou ele em seu discurso.

Pela primeira vez na história, o Congresso Nacional tem duas mulheres trans como representantes, Erika Hilton (Psol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG). Ao subir à tribuna com sua peruca loira dizendo que era “Nikole”, Nikolas ofendeu duas de suas colegas de Parlamento. Esqueceu-se de que elas foram igualmente eleitas como ele. Receberam o mesmo diploma que ele. Representam da mesma forma seus eleitores. E merecem respeito. E nem merecem respeito por tudo isso. Mereceriam respeito mesmo sem nada disso, porque são seres humanos.

O que angustiava o assessor, além de todo o mal-estar causado por ter presenciado a baixaria, era a angústia quanto a essa escalada de lacração. O Congresso é o espaço do diálogo. Não é por outra razão que se chama “Parlamento”. É onde as pessoas de pensamentos diversos conversam para a busca de um consenso. Consenso que é a raiz da democracia, a flor que viceja a partir desse diálogo.

No entanto, chegam cada vez mais ao Congresso figuras como Nikolas e Fahul. Que chegam justamente porque fazem da propagação do ódio contra aqueles que elegem como inimigos a ferramenta para obter seus votos. Inimigos, não adversários. Para transformar o que seria o campo do diálogo em um território de guerra.

“A seguir assim, meu deputado não se elege”, comentava o assessor. “E ele não se elegendo, eu não estou disposto a ficar propagando essa guerra”. É que não há a menor possibilidade de construção de uma democracia se ela vier a pressupor que uns precisam sobrepujar os outros, vencê-los, destruí-los. A democracia não é a imposição da vontade da maioria sobre a minoria. A democracia é o resultado do diálogo da maioria com a minoria.

E o que torna tudo isso ainda mais complicado é que essa direita que propaga o ódio foi derrotada nas eleições de outubro passado. Se já era uma visão incorreta imaginar a democracia como imposição da maioria sobre a minoria, mais incorreta – absurda mesmo – seria imaginá-la como imposição da minoria sobre a maioria.

Há um componente de destruição no comportamento dos parlamentares lacradores que precisa ser urgentemente contido.

Durante muito tempo, esse tipo de postura foi marginal no Congresso. Havia um único deputado lacrador. Que por diversas vezes agrediu colegas sem que nada com ele acontecesse. Esse deputado elegeu-se presidente da República. Derrotado quatro anos depois, seus seguidores tentaram dar um golpe de Estado e destruíram os três principais prédios da República no dia 8 de janeiro. O Congresso seguirá permitindo tais lacrações sem que nada aconteça? Até quando? Até o próximo 8 de janeiro?

Partidos, entidades e MPF cercam bolsonarista Nikolas Ferreira pela cassação. E possível prisão

As bancadas de Psol, PDT, Rede e PSB anunciaram uma representação ao Conselho de Ética da Câmara contra Nikolas Ferreira. O PT e o PCdoB também representarão, mas ainda avaliam com as demais legendas se uma ação conjunta é o mais adequado. O objetivo final é a cassação de Nikolas. “As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres”, disse o deputado, entre outras agressões.

Além dos partidos, o Ministério Público Federal (MPF) protocolou pedido à Mesa Diretora da Câmara de apuração da conduta do bolsonarista. A transfobia equivale ao crime de racismo desde 2019, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). “Se a legitimidade para o requerimento é outorgada a qualquer cidadão, com mais razão, pode o Ministério Público, no exercício das funções de procurador dos direitos do cidadão (art. 12, LC 75/93), adotar tal medida”, escreveu a procuradora Luciana Loureiro, do Distrito Federal.

Por colocar uma peruca e ridicularizar mulheres e transgêneros, e por tabela a própria tribuna do parlamento, Nikolas Ferreira pode ser acusado de crime (passível de prisão) e ainda justificar pedido de cassação de seu mandato. Mas a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) disse que as duas possibilidades têm competências diferentes e são processualmente muito distintas.

Conselho de Ética

“Estamos entrando com representação no Conselho de Ética, e além disso há a ideia de entrar no STF, onde o crime de transfobia foi equiparado ao de racismo. São duas instâncias e duas coisas diferentes. Uma coisa é considerar crime a atitude de transfobia. É uma questão da Justiça brasileira, e aqui não estamos falando de cassação de mandato, mas de crime. Já a cassação de mandato é uma questão da Câmara. Nesse caso, o Conselho de Ética tem que ser o primeiro a opinar.”

Na legislatura passada, até meados do ano, o Conselho de Ética recebeu 55 representações contra 26 deputados. Dessas, 10 foram contra Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o filho 03 do ex-presidente. “Se vai ser cassação, suspensão ou outra punição, é uma discussão que o conselho tem que fazer”, afirma Jandira. No momento, é preciso esperar qual vai ser a composição do conselho, que nem composto está ainda.

É muito raro os deputados cassarem um colega. Nem mesmo Daniel Silveira, aliado de Bolsonaro, hoje preso, perdeu o mandato.

Como observa a deputada fluminense, o responsável por decidir o destino do deputado não é o presidente da Casa, mas o conselho. Por isso, é preciso aguardar. “A atitude de Lira foi de publicamente não concordar com a atitude, mas quem decide é o Conselho de Ética”, diz Jandira.

Para a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), que estava na presidência da Câmara em exercício no momento da agressão acintosa do bolsonarista, “o deputado agiu de forma desqualificada”.

“Ele não respeita o Brasil, agiu contra a Constituição. A tribuna não é lugar de brincadeira e de desrespeito. Creio que a Câmara dos Deputados deve tomar providências imediatas”, afirma a petista.

A Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) e a Aliança Nacional LGBTI+ já acionaram o STF. Mas devem pipocar muitas outras ações. Já no caso da cassação, devido ao corporativismo e uma espécie de instinto de autoproteção parlamentar, teme-se que Nikolas Ferreira escape, como foi o caso de tantos outros no passado. O exemplo de Eduardo Bolsonaro é o mais recente.

Mendonça analisará ações contra Nikolas Ferreira por discurso transfóbico

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) André Mendonça foi sorteado relator de ações contra o deputado. Ele é alvo de três notícias-crime:

– A primeira petição contra o congressista, apresentada pela bancada do PSOL, foi distribuída por sorteio. O ministro também analisa outra ação, assinada pela Aliança Nacional LGBTI e pela Associação Brasileira de Família Homoafetivas.

– Uma terceira representação, protocolada pelas deputadas Tabata Amaral e Duda Salabert e pelo senador Alessandro Vieira também devem ser direcionadas a Mendonça. Isso se deve à “prevenção”, um mecanismo do STF que concentra processos semelhantes em um só magistrado.

– O ministro foi indicado ao STF pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem relação de proximidade com o deputado. Eleito na esteira do bolsonarismo, Nikolas foi o deputado federal mais votado do país em 2022.

– Em outra frente, o congressista é alvo de pedidos de cassação de mandato. O Conselho de Ética da Câmara recebeu a solicitação assinada por parlamentares do PSOL, PSB, PDT e Rede Sustentabilidade.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) saiu em defesa de Nikolas. Ele afirmou que o discurso foi “excelente” e disse que “nem todo mundo fica à vontade de bater foto quando tem um trans no meio e dizer que aquela foto é só de mulheres”.

Outra ação por transfobia

Nikolas já responde a um processo na Justiça por uma fala transfóbica feita contra Duda Salabert. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou, em fevereiro deste ano, que o parlamentar responda por conduta transfóbica, racismo e injúria racial.

Duda fez a representação em dezembro de 2020, quando ela e o deputado eram vereadores de Belo Horizonte. À época, Nikolas teria dito o seguinte sobre a deputada durante uma entrevista: “Eu ainda irei chamá-la de ‘ele’. Ele é homem. É isso o que está na certidão dele, independentemente do que ele acha que é”.

Ontem, em entrevista ao UOL News, Duda Salabert disse que a “ferramenta” para punição de Nikolas é a prisão. “Cassação é pouco porque um parlamentar não pode usar a imunidade como escudo para cometer crimes. Independente[mente] do ponto de vista político e ideológico de cada um, temos que seguir o entendimento da Suprema Corte brasileira, a qual reconhece a transfobia como um crime inafiançável. Parlamentar não é melhor do que ninguém, então você não pode usar a tribuna para cometer crimes, para fazer falas criminosas, racistas e transfóbicas. Cometeu crime, tem que ser punido. A ferramenta que nós temos hoje é a prisão”.

Brasil teve ao menos 118 mortes violentas de pessoas trans em 2022

O Brasil teve pelo menos 118 mortes violentas de pessoas trans e travestis no ano passado. É o que aponta o “Dossiê: Registro Nacional de Assassinatos e Violações de Direitos Humanos das Pessoas Trans no Brasil em 2022”, levantamento feito pela Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans). Esta é a 7ª edição do relatório que monitora os assassinatos, violações de direitos humanos e tentativas de homicídio das pessoas trans, travestis e de gênero diverso no país.

Em 2022, foram registrados 100 casos de homicídios no país, uma redução de 11% em relação a 2021, quando houve 111 ocorrências. Ainda foram considerados 15 casos de suicídio e três vítimas de aplicação clandestina de silicone industrial. Sozinho, o Brasil responde por 29% dos assassinatos de pessoas trans no mundo.

“É preciso ressaltar que existe uma subnotificação destes dados, uma vez que os órgãos oficiais do governo não se propõem à realização de nenhuma pesquisa a respeito de nossa comunidade”, destaca o dossiê.

Em números absolutos, o Ceará foi o estado com mais registros de assassinatos da população trans, com 11 casos. Em seguida aparece Pernambuco (nove casos). Bahia, São Paulo, Rio de janeiro e Minas Gerais aparecem empatados em terceiro lugar, com sete notificações cada. 100% dos casos monitorados de assassinato tiveram como vítimas travestis ou mulheres trans.

A maior concentração de mortes violentas foi contabilizada na região Nordeste, com 43% dos casos. A região Sudeste aparece em segundo lugar, com 27%. Em terceiro lugar, temos a região Norte com 12% dos assassinatos; em quarto lugar, a região Centro-Oeste, com 11%, e, por último, a região Sul, com 7%.

O dossiê também aponta 33 tentativas de homicídio no ano passado e 96 casos de violações de direitos humanos. A proibição do uso do banheiro foi a violação mais recorrente, seguida por agressão física, violência política de gênero, recusa do uso do nome social e transfobia. A maioria das violações ocorreu nas redes sociais e em escolas.

“Impedir o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero torna-se, portanto, um ataque aos direitos da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade”, reforça o dossiê.

Secretária de comunicação da Rede Trans Brasil, Sayonara Nogueira destaca que as pessoas trans passam por um processo de exclusão que se inicia dentro da própria família e que posteriormente pode alcançar outros ambientes, como a escola, o mercado de trabalho e as próprias políticas públicas até culminar em toda a violência exposta pelo dossiê. “Essa política de morte social envolve processos de repressão, inferiorização, subjugamento, marginalização, violência e isolamento. Infelizmente, há no país cidadãos e cidadãs de primeira e segunda categoria, e nós estamos contidas na segunda categoria, as que mesmo após a morte, temos o desrespeito a nossa identidade de gênero, somos corpos não-choráveis. E toda esta situação que nos viola estabelece um obstáculo ao desenvolvimento de uma sociedade diversa e o avanço de um país mais justo e democrático”, afirma Sayonara.

Confira a íntegra do relatório

O Brasil continua a liderar o ranking dos países que mais matam LGBTIs+. De acordo com levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB), ao menos 256 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros foram vítimas de morte violenta em 2022. A partir da análise do noticiário, foram apontados 242 homicídios e 14 suicídios ao longo do ano passado, ou seja, uma morte a cada 34 horas.

País precisa de norma nacional para políticas LGBTQIA+, diz secretária

A falta de compromisso de parte dos gestores públicos com o combate à discriminação e à violência contra a população LGBTQIA+ reforça a urgência da aprovação de uma regra nacional que estabeleça as responsabilidades de cada ente do Poder Público. A avaliação é da secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat.

Segunda a secretária, embora já existam alguns mecanismos legais, como a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, de 2011, a ausência de uma norma nacional, a exemplo dos estatutos da Criança e do Adolescente (ECA) ou do Idoso, permite que cada estado, município e órgão federal aja da forma que achar melhor ao tratar dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers, intersexuais, assexuais e pessoas com outras orientações sexuais e/ou identidades de gênero.

“A falta de uma normativa nacional, de uma política nacional, permite que cada ente faça do seu jeito. E aí, quem tem mais comprometimento faz um pouco mais. Nos estados, municípios e até mesmo no âmbito federal, ficamos à mercê da proximidade [do gestor responsável] com a pauta; de um bom senso”, disse, durante a divulgação dos resultados de um levantamento realizado pelo Programa Atenas, iniciativa de várias entidades que monitoram as políticas públicas destinadas à população LGBTQIA+.

De acordo com os responsáveis pela pesquisa, o combate à discriminação contra esta parcela da população esbarra na falta de comprometimento dos governos locais. Das 27 unidades da Federação, 19 não têm um plano ou programa específico para a população LGBTI+. Além disso, só 52% das unidades da Federação têm leis para o uso do nome social de transexuais e travestis e 51% estabelecem penalidades administrativas por preconceito de sexo e orientação sexual.

“Concordo que falta comprometimento por parte de muitos governantes estaduais e municipais, mas acho que os resultados também apontam para a tarefa de construirmos [a nível federal] uma política nacional para os direitos da população LGBTQIA+”, acrescentou a secretária.

Para Symmy Larrat, o ideal seria que deputados federais e senadores aprovassem um projeto de lei discutido com a sociedade, mas se o debate não avançar, o governo federal terá que ser proativo. “Não podemos ficar à mercê das omissões de quem quer que seja. Precisamos focar no que concerne ao Poder Executivo fazer”, afirmou a secretária nacional, destacando que, inicialmente, é papel do Poder Executivo Federal “construir” o diálogo com o Congresso Nacional e com setores da sociedade civil organizada para tentar fazer com que o debate avance.

“Precisaremos intensificar o diálogo e mediar a construção de políticas públicas. Pode ser via projeto de lei ou por decreto. Mas precisaremos dialogar com a ala mais progressista do Congresso Nacional e também com os setores mais conservadores, aos quais temos que convencer sobre a importância destas vidas. Vamos ter que avançar com o que temos”, finalizou.

A secretária lembrou que a demanda por uma política nacional específica para o segmento LGBTQIA+ não é uma novidade, tendo inclusive sido debatida com a sociedade durante os treze anos de gestão petista (2003-2016). “Já há um acúmulo. Este, inclusive, seria um dos temas da 4ª Conferência Nacional [de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais], que aconteceria em 2019, mas que não ocorreu”, mencionou a secretária, referindo-se à decisão do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que, em meio à pandemia da covid-19, decidiu revogar a decisão de realizar a conferência.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *