18/05/2024 - Edição 540

Especial

Eles não são a maioria

Número de manifestantes bolsonaristas no 7 de setembro é menos da metade dos mortos pelo descaso do presidente na Covid-19

Publicado em 08/09/2022 12:12 - Agência Senado, Leonardo Sakamoto (UOL), Rafael Moro Martins e Guilherme Mazieiro (The Intercept_Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Abr

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Mais de 400 mil brasileiros poderiam ter sobrevivido à pandemia de Covid-19, caso o Governo Federal tivesse apoiado o uso de máscaras, medidas de distanciamento social, campanhas de orientação e ao mesmo tempo acelerando a aquisição de vacinas. De acordo com Pedro Hallal, epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas, quatro em cada cinco mortes pela doença no país eram evitáveis.

O número de vidas perdidas diante do descaso de Jair Bolsonaro é mais do que o dobro do número de pessoas que o presidente conseguiu reunir na quarta-feira, 7 de Setembro, durante a “micareta eleitoral” promovida por ele no Rio de Janeiro e na Avenida Paulista, na comemoração dos 200 anos da independência.

Os atos eleitorais em prol do presidente reuniram 64.632 pessoas na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, e 32.691, na avenida Paulista, em São Paulo, no 7 de setembro, em suas máximas ocupações. A contagem foi feita por pesquisadores da Universidade de São Paulo ligados ao Monitor do Debate Político no Meio Digital, coordenado pelos professores Pablo Ortellado e Márcio Moretto.

De acordo com os pesquisadores, foram tiradas 81 fotos aéreas de alta resolução no Rio de Janeiro, entre as 16h e às 16h30, e, em São Paulo, 62 fotos entre 15h20 e 16h, de forma a cobrir toda a extensão dos locais. A partir daí, aplicados métodos para a contagem dos presentes. A margem de erro média é de 12% para mais ou para menos.

“Estamos fazendo um esforço para produzir estimativas metodologicamente confiáveis que nos permitam comparar mobilizações. O número pode parecer pequeno, mas é porque estamos acostumados com estimativas superestimadas que tem sido divulgadas nos últimos anos”, afirmou à coluna Ortellado, professor do curso de Gestão em Políticas Públicas da USP.

“Posso assegurar que a mobilização que reuniu 64 mil em Copacabana e 32 mil na Paulista foi muito grande”, completa.

Em Brasília, a medição realizada pelo site Poder 360º a partir da análise de fotos panorâmicas em alta resolução da Esplanada calculou um público de 100 a 115 mil pessoas.

Mesmo assim, por conta da divulgação dos dados, os pesquisadores têm sido duramente atacados por bolsonaristas que haviam divulgado nas redes sociais que a manifestação na avenida Paulista, por exemplo, reuniria mais de 1,5 milhão de pessoas.

Para efeito de comparação, o protesto contra Dilma Rousseff, realizado no dia 13 de março de 2016, reuniu 500 mil pessoas na Paulista, segundo contagem do Datafolha. A polícia, na época, divulgou uma estimativa de 1,4 milhão.

Segundo estimativa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o comício da avenida Paulista, na quarta (7), contou com 50,4 mil pessoas.

O Brasil tem, hoje, 212,6 milhões de habitantes…

O Brasil não está com Bolsonaro

Considerando que o eleitorado apto a votar consiste em 156.454.011 de almas, os 31% (segundo o Ipec) que pretendem apoia-lo representam 48,5 milhões. Ainda assim, isso é menor que os 44% que Lula têm hoje, ou seja, 68,8 milhões.

Mesmo se enchesse a Esplanada dos Ministérios, a avenida Atlântica e a avenida Paulista, Bolsonaro não poderia dizer que o povo brasileiro está com ele, mas sim que ele é capaz de mobilizar seus seguidores. De acordo com institutos de pesquisa, o bolsonarismo-raiz gira em torno de 15% da população, o que não é pouca gente.E que, além disso, ele foi bem-sucedido ao se aproveitar de uma data cívica para sobrepor um comício, atraindo pessoas que estavam acostumadas, desde criança, a ir ver desfiles de 7 de Setembro.

Por isso, fotos e vídeos produzidos na quarta irão circular pelos grupos de WhatsApp e de Telegram e pelas redes sociais, transmitindo a ideia de que o país está com ele. E, consequentemente, que apoia suas pautas antidemocráticas, como o emparedamento das instituições, a ameaça aos opositores, os ataques às urnas, a excitação de seus cabos eleitorais.

A tática usa o mesmo método de ilusionismo presente na tentativa erodir a credibilidade dos institutos de pesquisa. A campanha à reeleição do presidente se aproveita da ignorância em matemática de parte da população para vender que enquetes realizadas dentro da bolha bolsonarista têm mais valor que pesquisas feitas com o rigor científico. Como tem muita gente que nunca teve uma aula de estatística, caem no conto do vigário.

Vale lembrar que as pesquisas mostraram uma estagnação de Bolsonaro. Na Ipec, Lula manteve 44%, enquanto o presidente oscilou de 32% para 31%.

Campanha bolsonarista conseguiu ‘produzir fotos’ em Brasília, Rio e São Paulo

Um dos objetivos de Bolsonaro para os atos eleitorais que realizou na quarta foi de produzir imagens a fim de serem usadas nas redes sociais, aplicativos de mensagens e em seus programas de TV.

A ideia é contrapor, usando o que chama de “Datapovo”, as imagens de comícios, os números das pesquisas de intenção de voto. Ele está em segundo lugar, a uma distância que varia de 8 a 15 pontos entre os institutos mais bem avaliados.

Bolsonaristas partem de um fato concreto (o presidente é realmente uma pessoa popular capaz de atrair muita gente) para vender uma extrapolação falsa (essas multidões demonstram que a maioria dos brasileiros está com ele). Para isso, imagens de aglomerações são vendidas como maiores do que realmente são.

Um exemplo são as motociatas realizadas por Bolsonaro ao longo dos últimos anos, que ocupam um espaço muito grande de rodovia de forma rápida e com menos gente que seria necessário para preencher uma passeata ou um comício.

Em junho de 2021, o bolsonarismo, já em plena campanha pela reeleição, afirmou que 1,3 milhão de motos participaram de um ato com Bolsonaro no interior de São Paulo. Porém, as praças de pedágio da Rodovia dos Bandeirantes mostraram a passagem de 6.661 motos.

Considerando que o eleitorado apto a votar no Brasil consiste em 156.454.011 de pessoas, os 31% (segundo o último levantamento do Ipec) que pretendem apoia-lo representam 48,5 milhões. É muita gente, capaz de preencher ruas e praças, mas ainda assim um montante menor do que os 44% que Lula têm hoje, ou seja, 68,8 milhões.

Fotos e vídeos produzidos na quarta nos três epicentros dos comícios já circulam intensamente pelos grupos bolsonaristas de WhatsApp e de Telegram e pelas redes sociais.

Seus adversários prometem ir ao Tribunal Superior Eleitoral por usar recursos e estrutura pública dedicada às celebrações do Bicentenário da Independência para sua campanha pessoal.

Além das pesquisas, como a do grupo da USP, a campanha de Bolsonaro tem atacado os institutos que medem a intenção de voto se aproveitando da falta de conhecimento de matemática por parte da população. Afirmam que enquetes realizadas dentro de grupos bolsonaristas, que não são representativas da população, têm mais valor que pesquisas feitas com o rigor científico.

Jair Bolsonaro sequestrou o 7 de setembro, mas ele – e eles – não são sequer a maioria de nós

“Estarei na praia de Copacabana participando de um evento que une brasileiros dos quatro cantos do país. Evento onde, entre nós, não há qualquer diferença. Somos todos iguais”, falou Jair Bolsonaro já ao final de seu primeiro discurso de ontem, quarta-feira, em Brasília.

“Entre nós, não há qualquer diferença” é uma confissão do Brasil com que sonha o fascismo explícito de Bolsonaro, evidenciado mais do que nunca nos atos que sequestraram para ele e seus seguidores fanatizados o 7 de setembro de 2022, bicentenário da Independência.

Porque nós não somos todos iguais: o Brasil é multifacetado por onde quer que se olhe. Somos indígenas, pretos, pardos, brancos, católicos, judeus, candomblecistas, umbandistas, ateus, muçulmanos, evangélicos, agnósticos, kardecistas, (muitos e muito) pobres, remediados e, alguns poucos, ricos. Somos também filhos de mães solo, filhos de pais separados, temos famílias LGBTQIA+. Plantamos soja, mas também arroz orgânico e plantas comestíveis não-convencionais – e muitos de nós gostariam apenas de ter o que comer. Gostamos de carnaval, mas também de música sertaneja, de roqueiros carcomidos, de hip hop, de funk – ou de nada disso. Divergimos sobre o aborto: parte expressiva da sociedade defende o direito a ele nas situações previstas por lei. Muitos de nós gostaríamos de discutir a liberação das drogas. E votamos em muitos partidos e políticos diferentes.

É contra a diversidade da sociedade que formamos que o bolsonarismo se voltou ontem. Se o 7 de setembro de 2021, com os caminhões tentando invadir o prédio do Supremo Tribunal Federal, foi de golpismo explícito, o 7 de setembro de 2022 passará à história como um ato de fascismo escancarado.

Já havia muitos sinais de fascimo no bolsonarismo: do slogan eleitoral que copia o lema do integralismo, o fanatismo maniqueísta da “luta do bem contra o mal”, a visão do líder como a última salvação possível, a simbiose entre a figura do presidente e os símbolos nacionais, escancarada na apropriação da bandeira e das camisas da seleção brasileira de futebol pelo bolsonarismo.

Ontem, o presidente e candidato à reeleição sequestrou para si e os seus, apenas, a mais simbólica data cívica nacional. Mais grave, fez isso abusando do poder político, usando para promoção pessoal eventos de estado, montados e custeados com muito dinheiro público.

O que se viu não foram manifestações populares, mas sim manifestações de um corte muito específico do povo brasileiro. Ao longo da avenida Atlântica e da Esplanada dos Ministérios, vimos gente majoritariamente branca, na maioria homens, fanatizados pelo discurso sectário, agressivo e religiosamente apelativo de Bolsonaro. É gente que, por motivos diversos, sente saudades da ditadura militar, gostaria que o presidente acionasse as Forças Armadas para prender ministros do Supremo Tribunal Federal que tomam decisões que lhe desagrada, acha que deveríamos todos viver sob o seu credo religioso.

É para eles, e apenas para eles, que Bolsonaro governa. Ao implodir o Ministério da Cultura e entregar seus despojos a uma ex-celebridade adolescente, ao nomear para o Ministério da Educação uma sequência inédita de idiotas que variaram do fascismo explícito à conivência com pastores evangélicos suspeitos de corrupção em nome do presidente, ao colocar a Fundação Palmares na mão de um sabotador do movimento negro, o recado é explícito: só haverá governo para os que são iguais a mim. Para não falar de Funai, do Ibama, da sabotagem à compra de vacinas contra a covid-19.

Ontem, Bolsonaro deu um passo adiante: colocou o imaginário da formação nacional a serviço de sua causa – e em oposição a todas as outras bandeiras políticas. Não se trata mais, apenas, de fuzilar a petralhada, de mandar os vermelhos para a ponta da praia, mas – como ele mesmo já disse – de forçar a “minoria a se curvar à maioria ou desaparecer”.

Em democracias de fato, minorias jamais são obrigadas a se curvar a maiorias. Mas quantos são eles, os que adulam o presidente como vimos ontem pelas ruas do país? A julgar pelas pesquisas eleitorais, não são a maioria: 49% dos eleitores brasileiros ouvidos pelo Ipec no início de setembro dizem que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro; 57% desaprovam a maneira dele de governar, e só 30% acham que ele faz uma boa administração. Mesmo tendo a ajuda do Centrão para praticar o maior pacote de benesses pré-eleitorais da história da democracia brasileira, Bolsonaro não lidera as pesquisas em sua busca pela reeleição. A tentativa escancarada de comprar a simpatia do eleitorado mais empobrecido, até agora, não colou.

Não importa. O 7 de setembro do bicentenário foi só deles, ainda que pago por todos nós. Foi transmitido em rede nacional com estrutura e qualidade profissional pela Empresa Brasil de Comunicação, a EBC. Consumiu toneladas de combustível para aviões, helicópteros e navios de guerra servirem de cabos eleitorais de Bolsonaro. Em Brasília, o palco reservado às autoridades entregou lugar de destaque à figura tosca de Luciano Hang, o véio da Havan, apoiador e financiador do bolsonarismo. Ele desfilou com seu patético terno verde e foi aplaudido pelos manifestantes. Além de parecer um papagaio, fez o papel de um, pendurado ao lado de Bolsonaro durante o evento. Hang, alvo de investigação do STF pela suspeita de trabalhar por um golpe de estado, passou mais tempo sob os holofotes que o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, convidado de honra do evento em Brasília.

Do outro lado, brasileiros que não se alinham a Bolsonaro foram aconselhados a não sair às ruas. Em Brasília e outras cidades, há muitos anos movimentos sociais de esquerda realizam, todo 7 de setembro, o Grito dos Excluídos. O ex-presidente Lula, que era esperado, avisou que não iria. Temia-se que sua presença fosse vista como provocação – o Grito dos Excluídos na capital é realizado a uns dois quilômetros de distância da Esplanada dos Ministérios. Em Copacabana, casais gays, por precaução, desderam-se as mãos. Parece razoável? Não é, mesmo.

Com as ruas só para si, o fascismo bolsonarista deitou e rolou em Copacabana e em Brasília. Faixas pediram abertamente que não haja eleições, que adversários políticos sejam presos, que outros Poderes sejam enquadrados pelo presidente e que se faça uso das Forças Armadas em um golpe de estado. Em dado momento, o locutor que animava o trio elétrico do pastor Silas Malafaia lia os cartazes erguidos diante dele. Um dizia “Supremo é o povo”, uma provocação óbvia ao Supremo Tribunal Federal – e que escancara mais uma visão fascista, a de que a vontade da maioria pode se sobrepor à lei ou aos direitos de minorias. Foi a deixa para o locutor passar a repetir: “Supremo é o povo, viu, Xandão? Viu, Fachin?”. Mais claro, impossível.

Mas não haveria como encerrar esta análise do triste espetáculo do fascismo brasileiro do século 21 sem destacar o papel lamentável a que se prestaram as Forças Armadas brasileiras. Ao lado do Forte de Copacabana (de onde partiram os 18 tenentes que tentaram golpear o país em 1922), havia um palco armado para a solenidade militar que Bolsonaro mandou fazer para abrilhantar sua festa política exclusivista. É outro traço marcante do fascismo, afinal, o uso dos militares como ferramentas de demonstração de poder coercitivo do líder autoritário de forma a intimidar os inimigos internos: ou seja, quem quer que lhe faça oposição.

Sob o pretexto de celebrar o bicentenário da Independência, canhões dispararam salvas de tiros ao longo de todo o dia, no Rio. Na baía da Guanabara, navios e um submarino da Marinha se exibiam logo atrás de onde estavam ancorados os jet skis e lanchas da elite bolsonarista. Aviões da Força Aérea Brasileira e da esquadrilha da fumaça voaram, entretendo as hordas presentes em Copacabana. O problema é que não havia como distinguir o evento oficial do ato político de Bolsonaro – eles foram, como era previsível, uma coisa só. Pouco depois do meio-dia, quando um imponente helicóptero da Marinha sobrevoou a praia carregando uma grande bandeira brasileira, houve frisson na multidão bolsonarista. Do alto de um dos muitos trios elétricos, um locutor mandou que parassem de tocar o funk de louvor a Bolsonaro que jorrava das caixas de som e disparou: “Olha aí! A nossa bandeira jamais será vermelha!”.

Representadas pela ridícula figura do ministro Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira – em si mesmo uma caricatura perfeita, na aparência, no espírito e no hábito de falar aos gritos, do milico golpista de republiqueta de bananas –, as Forças Armadas se prestaram docilmente ao papel de animadoras da micareta golpista e fascista de Bolsonaro.

Pois a maioria do povo brasileiro, que não esteve em Copacabana ontem e – segundo 100% das pesquisas sérias – rejeita a continuação deste desastroso governo militar, sente vergonha e indignação diante de mais um papelão de suas Forças Armadas. E espera desde já que o ministro Paulo Sérgio, junto dos atuais comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, seja condenado a passar a eternidade ao lado de tipos como Carlos Alberto Brilhante Ustra na lata de lixo da história.

Bolsonaro se consolida como candidato favorito à posição de estorvo do país

Daqui a 200 anos, quando a posteridade puder falar sobre o 7 de Setembro de 2022 sem ser xingada nas redes sociais, dirá que a estrela do Bicentenário da Independência do Brasil foi dom Bolsonaro, não dom Pedro I. Candidato à reeleição, o presidente promoveu um cancelamento da data histórica. Substituiu a celebração cívica por megacomícios. Aproveitando-se da estrutura estatal, promoveu os mais vistosos atos de sua campanha. Os ritos oficiais tornaram-se puxadinhos dos palanques. As Forças Armadas viraram adornos de uma subversão institucional.

Do ponto de vista formal, Bolsonaro pareceu isolado. Os presidentes de outros Poderes preferiram não comparecer à celebração cívico-eleitoral. Faltaram à cerimônia de Brasília Luiz Fux e Rodrigo Pacheco, presidentes do Supremo e do Congresso. Algo inédito no Brasil pós-redemocratização. Nem mesmo o réu Arthur Lira, presidente bolsonarista da Câmara, se animou a comparecer. Sob o ângulo estritamente eleitoral, Bolsonaro produziu uma notável exibição de força. Atraiu multidões para ouvi-lo em Brasília e no Rio de Janeiro. Mesmo ausente, encheu também a Avenida Paulista.

Os operadores do comitê de Bolsonaro estão em festa. Avaliam que o presidente moderou o seu discurso em relação ao 7 de Setembro do ano passado. Defendeu o governo e suas pautas conservadores. Declarou-se imbrochável. Atacou Lula, o “ladrão nove dedos”. Defendeu o “extermínio” dos adversários. Fez tudo isso, mas teria poupado as instituições, segundo a visão do staff da campanha à reeleição.

De fato, Bolsonaro não chamou nenhum magistrado de “canalha”, como fizera em 2021. Entretanto, alguns trechos dos seus discursos passaram longe da moderação. Em Brasília, disse que “todos sabem o que é o Supremo Tribunal Federal”. Em seguida pronunciou algo que soou como ameaça: “É obrigação de todos jogarem dentro das quatro linhas da Constituição. Com a minha reeleição, nós traremos para as quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora dela.”

No Rio, repetiu a referência ao Supremo. Fez uma pausa dramática, facultando aos devotos a oportunidade de preencher o seu silêncio com uma vaia estridente.

A pergunta a ser respondida nos próximos dias é a seguinte: a apropriação eleitoral do Dia da Pátria renderá a Bolsonaro votos novos em quantidade suficientes para mantê-lo no poder. Suspeita-se que o presidente tenha consolidado os votos que já possui, falando sobretudo para convertidos.

Seja como for, o 7 de Setembro consolidou uma sólida e irreversível certeza: o país terá que conviver com o incômodo por muitos anos. Bolsonaro consolidou-se como candidato favorito à posição de estorvo do Brasil. Se for reeleito, o que as pesquisas indicam ser improvável, dom Bolsonaro II ganhará mais quatro anos de Poder. Se for derrotado, será o líder incômodo de uma oposição agressiva. A perversão institucional dispõe de popularidade. Bolsonaro firmou-se como uma força política que arrasta multidões às ruas do Brasil..

Festa paralela da Independência vende a ilusão de que anormalidade é normal

Num esforço para fornecer aos livros de história uma celebração que Bolsonaro cancelou, o Congresso festejou ontem, 8 de setembro de 2022, um 7 de Setembro que, em pleno Bicentenário da Independência, virou comício eleitoral. O senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, definiu a celebração feita com 24 horas de atraso como uma solenidade “cívica”.

Ao enumerar os convidados, Pacheco deu à cerimônia do Legislativo a aparência institucional que faltou ao evento da véspera. “Receberemos o presidente da República, Jair Bolsonaro, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, o presidente da Câmara, Arthur Lira, chefes de Estado e ex-presidentes da República. Será uma celebração muito bonita do Bicentenário da República, uma solenidade verdadeiramente cívica.”

Ou seja: decidiram prestigiar o 7 de Setembro paralelo os chefes de Poder que faltaram à pajelança eleitoral em que a memória de dom Pedro foi sufocada pela emergência eleitoral de dom Bolsonaro. Pelo menos dois ex-presidentes confirmaram presença: Michel Temer e José Sarney.

Escolheu-se como trilha sonora o Hino Nacional entoado por Fafá de Belém. Personagem como o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, tratado por Bolsonaro no palanque da véspera como uma espécie de sub-Luciano Hang, recebe do Legislativo tratamento de chefe de Estado. O mesmo ocorre com representantes de Cabo Verde, Guiné Bissau e Moçambique.

Quem assistiu aos comícios ficou com a impressão de que o Brasil não tem presidente. O presidente é que tem o Brasil. Quem vê a programação do Congresso recupera a ilusão de que é normal a anormalidade que vigora no país.


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