18/05/2024 - Edição 540

Especial

Dois Brasis em campo

Richarlison representa um Brasil solidário, Neymar a sabujice bolsonarista

Publicado em 25/11/2022 11:03 - Victor Barone (Semana On), Jamil Chade (UOL), UOL, RBA, Fórum, Miguel Poiares Maduro, Jamil Chade e Alberto Alemanno (Piauí) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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A vitória da seleção brasileira ontem contra a Sérvia, por 2 a 0, com a estrela brilhante e os dois golaços do craque Richarlison no segundo tempo, somados à saída chorosa de Neymar do jogo, teve um papel importante na conjuntura política nacional. Richarlison representa um Brasil pra frente, solidário, Neymar representa o que há de pior em nós, com sua sabujice bolsonarista.

A apropriação da “amarelinha” pelo fascismo bolsonarista deixou muita gente desconfortável em usar a camisa da seleção nesta Copa do Mundo. Muitos se sentiram até impedidos de torcer por um time que tem no bolsonarista Neymar sua principal estrela. Por isso a ascensão de Richarlison e o novo tombo de Neymar foram comemorados nas redes progressistas.

O estádio não é apenas como um local de entretenimento. Ele é uma caixa de ressonância da esperança, dos sonhos e mesmo da violência da sociedade. Não há motivo, portanto, para pensar que o esporte não possa ser um instrumento de Justiça social e de promoção de valores humanistas.

E Richarlison sabe disso. O craque da seleção que estampou seu voo em jornais de todo o mundo é politizado, defendeu a ciência, se levantou com a morte de George Floyd, denunciou as queimadas nas florestas e destina parte de seu salário para causas sociais.

Ele rompe o silêncio cômodo de tantos jogadores que, para não se transformar em um problema ao clube ou ao patrocinador, baixam a cabeça e escondem no suor as lágrimas de um passado de sofrimento e sacrifícios. Atletas que mentem para si mesmos e que, longe da coragem da indignação de um Muhammed Ali, repetem que nunca foram alvos de racismo e não denunciam um regime econômico desumano que tanto marcou suas infâncias.”

Rapidamente surgirão vozes para alertar que não se pode contaminar o esporte por temas políticos. Mas esses que defendem essa tese são os mesmos que não querem ser questionados em seus privilégios hereditários.

Não se pronunciar diante de injustiças, de atos racistas ou homofóbicos é apenas silêncio ou um ato político? Podemos construir um estádio para ser usado como palanque político para a elite local, mas não podemos usar suas arquibancadas para lutar por igualdade?

Se imagem de craques podem ser usadas pelo capitalismo para vender carros, cueca, desodorante, relógios e sonhos, por qual motivo ele não pode promover a ideia subversiva do direito à vida, à alimentação e à educação?

Quanto tempo devemos esperar para que meninos se transformem em homens numa era em que vemos o acelerado desmonte dos pilares da civilização?

Assim como no reggae e outras formas de arte, a luta por direitos está autorizada a ocupar todos os espaços. Sempre. E o futebol – global, popular e irresistível – tem o poder de ser um ato de resistência contra a barbárie.

Não há contradição entre gols e ser politizado. Fazer a arquibancada tremer é apenas parte do impacto de um jogador que opte por romper o silêncio. Ao se posicionar por valores humanistas, o que esses craques globais fazem é chacoalhar o inconsciente coletivo e as estruturas do poder.

Com a atuação, Richarlison dominou as redes sociais após a partida. No Twitter, o atacante acumula mais de 1,2 milhão de menções. Além do desempenho do craque no campo, os internautas também destacaram a sua atuação fora das quatro linhas.

No auge da pandemia de covid-19, por exemplo, o jogador se aliou à Universidade de São Paulo (USP) e ajudou a arrecadar recursos para desenvolvimento de pesquisas científicas. No ano passado, sua chuteira usada na vitória sobre o Peru, pela semifinal da Copa América, rendeu quase R$ 7 mil para o programa USP Vida.

“Quando a pandemia começou a gente tinha pouca informação e não sabia muito bem o que estava acontecendo. Eu fiquei muito inquieto preso dentro de casa sem saber direito o que fazer. Aí junto com meu estafe resolvi concentrar as ações em um só lugar e na divulgação de informação correta e útil para o povo, usando minhas redes sociais e as minhas aparições na imprensa também”, disse o craque.

Crítico de Bolsonaro

Em entrevista ao diário esportivo argentino Olé, em setembro do ano passado, Richarlison criticou o governo do futuro ex-presidente Jair Bolsonaro. “Duvido muito que hoje um brasileiro possa aplaudir, com tudo o que acontece. À medida que os preços, a inflação, a fome e o desemprego disparam, muitos políticos e estão preocupados com suas próprias causas.”

Na ocasião, ele também lamentou o uso político da camisa da seleção, capturada primeiro pela direita golpista, a partir de 2015, e depois, pelo bolsonarismo. “Hoje em dia, o pessoal leva muito (a camisa) para o lado político. Isso faz a gente perder a identidade da camisa e da bandeira amarela”, comentou o atacante. “Acho importante que eu como jogador, torcedor e brasileiro, tente levar essa identificação para todo o mundo. É importante reconhecer que a gente é brasileiro, tem sangue brasileiro e levar isso para o mundo”, disse.

Confira menções a Richarlison no Twitter

A comemoração de Lula e a análise da Copa até aqui pelo presidente eleito

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comemorou muito a vitória da seleção brasileira sobre a Sérvia, na estreia da Copa do Mundo do Catar, nesta quinta-feira (24). Junto com a futura primeira-dama, Janja, o petista assistiu ao jogo em casa, em São Paulo, devidamente uniformizado, assim como a esposa.

Entendido do assunto, o chefe de Estado que voltará ao Palácio do Planalto em 1° de janeiro de 2023 arriscou até alguns prognósticos e falou sobre o que viu até agora no Mundial, citando os “perigos” que o Brasil deve enfrentar pela frente.

“O Brasil vai ser campeão porque já faz 20 anos que a gente não ganha um título… A seleção tá boa e nós vimos três times que podem nos atrapalhar… A Inglaterra, que tá muito boa, a Espanha que tá bem, e a França, que é a última campeã do mundo… Mas eu acho que Deus vai nos ajudar dessa vez e nós vamos ser campeão do mundo”, disse o presidente eleito.

Por que o clã Bolsonaro não comemorou a vitória do Brasil na Copa

Passadas quase 24 horas desde a vitória do Brasil por 2 a 0 sobre a Sérvia na estreia da Copa do Catar, o clã Bolsonaro segue em silêncio, sem comemorar o resultado da equipe que tinha como estrela o atacante Neymar, que saiu contundido da partida, e abriu espaço para a estrela de Richarlison brilhar, com o gol de voleio, que está sendo considerado a maior pintura do mundial até o momento.

O silêncio de Jair e dos filhos, Flávio, Carlos e Eduardo – que se colocavam até o dia 30 de outubro como exemplo de patriotismo e amantes do futebol – é atribuído, por bolsonaristas radicais, a um apoio velado aos atos golpistas, que vaiaram os gols da seleção em frente aos quartéis.

No entanto, o ranço da família Bolsonaro com o resultado da partida tem a ver com uma disputa judicial com o grande protagonista da estreia do Brasil na Copa: Richarlison.

Mansão em ilha com cachoeira

O imbróglio judicial, que tem Flávio Bolsonaro (PL-RJ) como testemunha, está relacionada à compra pelo atacante brasileiro – por meio da sua empresa, a Sport 70 – de uma mansão de R$ 10 milhões em Ilha Comprida, no município de Angra dos Reis (RJ), no ano de 2020.

A mansão tem 11 suítes, praia privativa, uma cachoeira, piscina, quadra de tênis, heliponto e teria “encantado” o filho de Jair Bolsonaro – que adquiriu recentemente uma mansão avaliada em R$ 6 milhões em Brasília.

Flávio chegou a publicar vídeo do local em 1º janeiro de 2021 em seu perfil no Instagram – veja as imagens. “Quantos lugares você conhece em que a cachoeira desagua no mar? Em Angra dos Reis tem! Tomada da Ilha Comprida, localizada há poucos minutos do aeroporto de Angra”, escreveu junto com imagens aéreas da mansão, filmadas por um drone sem autorização dos proprietários.

Seis meses antes, Flávio, a esposa – a dentista Fernanda Bolsonaro – e o ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas, governador eleito de SP, estiveram em Angra. O casal passou o fim de semana na região e foi levado para conhecer a mansão pelo ex-senador  Wilder Morais (PL-GO).

À época, o dono, Antônio Marcos, recebeu o filho de Bolsonaro, mas afirmou que já negociava a venda com a empresa de Richarlison. Em janeiro, já na companhia de Tomaz, Flávio voltou ao local e cortejou o dono, que explicou que já havia havia fechado negócio com o jogador e seu empresário, Renato Velasco.

Reintegração de posse

Após a compra, Richarlison e Velasco fizeram reformas na mansão, para onde se mudou a esposa do empresário. No entanto, no dia 13 de maio de 2022, a mulher, que estava grávida, ligou para o marido relatando que um oficial de Justiça e policiais estavam na mansão para retirá-la da propriedade e cumprir uma decisão de reintegração de posse – veja o vídeo.

A ação foi movida pelo escritório M Locadora, de um sócio de Tomaz, que alegava que havia havia comprado a posse do imóvel do marido da cantora Clara Nunes – uma das primeiras donas do local, que foi casada com o compositor Paulo César Pinheiro – em 1986 e revendido em 2002. Segundo o escritório, 20 anos depois, representantes dos espólios dos antigos donos da empresa, já mortos, reivindicavam a posse.

Dois dias depois, os advogados da empresa de Richarlison conseguiram provar a compra do imóvel e reverter a decisão, proferida pelo juiz Ivan Pereira, da Segunda Vara Cível da Comarca de Angra.

O amigo de Flávio, Willer Tomaz, recorreu à segunda instância da Justiça no Rio alegando que que sua empresa, a WT Administração, havia pagado R$ 2 milhões de pendências fiscais e administrativas da M Locadora, em troca da transferência do bem.

Para provar a transferência, Tomaz obteve em 11 de julho a regularização do cadastro do imóvel na Secretaria do Patrimônio da União, já que o governo federal concede apenas a posse da terra, que pertence ao Estado.

A última decisão no processo foi de 5 de agosto, quando o desembargador Adriano Guimarães concedeu uma nova decisão liminar, a favor de Tomaz, passando novamente o imóvel para as mãos do advogado. A ação tem como testemunha, Flávio Bolsonaro, que deve ser ouvido a pedido dos advogados de Richarlison.

Em nota, Willer Tomaz afirma que “a WT Administração é hoje a única e legítima titular de direitos detentor do direito de uso” da casa em Ilha Comprida.

Bolsonarista Neymar chora sucesso de Richarlison

Para o colunista do UOL José Roberto de Toledo, Bolsonaro “zicou” Neymar. “O Bolsonaro conseguiu ‘zicar’ o Neymar. Os dois fizeram uma ‘tabelinha’ na seleção, e, agora, o pobre do Neymar não só jogou mal, como saiu contudido, chorando com gelo no tornozelo. Eu diria que Bolsonaro zicou o Neymar e, melhor ainda, o Brasil foi salvo por um jogador que defendeu a vacina”, disse Toledo.

Neymar declarou apoio a Bolsonaro durante a disputa presidencial deste ano. O camisa 10 da seleção chegou a participar de uma transmissão ao vivo promovida pelo presidente e disse que decidiu fazer o anúncio publicamente após ter recebido o apoio do mandatário “no momento mais difícil” de sua vida.

Já para o jornalista Alberto Bombig, o “golaço” do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, em decisão contra o PL foi mais decisivo do que o voleio de Richarlison.

Bombig se refere à decisão de Moraes de rejeitar a ação de teor golpista apresentada pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. O partido pedia a anulação de votos em mais de 279 mil urnas apenas no segundo turno da eleição.

“Eu, num primeiro momento, achei que foi um golaço do Alexandre, depois ouvi de uma fonte, um advogado muito bom, que talvez ele tivesse que ter pedido à PGR [Procuradoria-Geral da República] uma posição antes, e eu fiquei um pouco confuso. Mas eu acho que o ‘Xandão’ fez um gol mais preciso, mais decisivo”, avaliou Bombig, ao fazer o paralelo com a atuação do camisa 9 da seleção brasileira.

O jornalista Ricardo Kotscho afirmou que a Copa do Mundo no Qatar é uma oportunidade para o brasileiro se reconciliar consigo mesmo após as eleições. “Acho que a Copa do Mundo agora é uma boa chance da gente para recuperar a bandeira, o hino e a camisa da seleção, que são de todos nós, não são de um grupo político. Isso [apropriação de símbolos nacionais pelo presidente Jair Bolsonaro] começou no impeachment da Dilma [Rousseff, do PT], e o Bolsonaro se apropriou disso”, analisou Kotscho.

“A eleição já passou, já acabou, é página virada. Acho que é um bom momento do Brasil se reconciliar em todos os campos, todos os sentidos, inclusive com a seleção brasileira. […] Indepente de ganhar ou não, acho que é uma boa chance do Brasil se reconciliar consigo mesmo”, acrescentou o colunista do UOL.

O dia em que Tite se recusou a cumprimentar Bolsonaro e parabenizou Lula

Com o início da Copa do Mundo no Catar, alguns bolsonaristas têm pregado boicote ao torneio e, principalmente, à Seleção Brasileira, por um motivo: o técnico Tite, para apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), seria “petista” – apesar do treinador nunca ter manifestado apoio ao Partido dos Trabalhadores.

Em grupos de Telegram, WhatsApp e nas redes sociais, circulam entre bolsonaristas imagens – claramente manipuladas – de Tite com barba, usando chapéu com estrela, broche do Che Guevara e o símbolo do comunismo (a foice e o martelo) ao fundo. “Petite, o técnico militante”, diz a frase em uma das fotos compartilhadas por apoiadores de Bolsonaro.

O motivo da revolta dos bolsonaristas com Tite, tentando associá-lo à política, não é à toa. O treinador não esconde seu constrangimento com Bolsonaro e, por outro lado, expressa simpatia pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Em 2021, por exemplo, se tornou alvo dos fanáticos de extrema direita por sinalizar ser contra a realização da Copa América no Brasil em um dos picos da pandemia do coronavírus – motivo mais que suficiente para ser odiado por negacionistas.

Antes disso, em dezembro de 2018, durante uma coletiva de imprensa, um jornalista citou o fato de que Bolsonaro havia entregado a taça na final de um torneio nacional e perguntou a Tite se ele se encontraria com o presidente, caso ele fosse cumprimentar a Seleção Brasileira durante a Copa América que seria realizada no Brasil em 2019.

O treinador, então, respondeu: “Não. Continuo com a mesma opinião. Não. A minha atividade não mistura. Eu não me sinto confortável em fazer essa mistura (futebol e política)”.

Em 2019, durante a cerimônia de premiação pela conquista do Brasil naquela Copa América, Tite cumpriu o que disse. Ele cumprimentou as autoridades ali presentes, mas não estendeu a mão para Jair Bolsonaro. Quem teve a mesma atitude do treinador foi o zagueiro Marquinhos.

A forma como Tite trata Lula, no entanto, é totalmente distinta. Em 2012, o técnico, então treinador do Corinthians, clube de coração do presidente eleito, foi ao Instituto Lula para mostrar a taça da Libertadores da América conquistada pelo time ao petista.

Já em 2015, no aniversário de 70 anos do ex-presidente, Tite gravou um vídeo, junto com jogadores do Corinthians, para parabenizá-lo. “Parabéns, presidente Lula. Muita saúde, muita luz no teu caminho e da tua família, com a Marisa, com a família toda. Que tenha um aniversário extraordinário, com teus amigos. Eu só queria um docinho pra mim também. Um abração forte e felicidades”.

O Mundial da vergonha ao Mundial da mudança?

Das fortes suspeitas de corrupção às violações dos direitos humanos, a organização da Copa do Mundo do Qatar tem sido dominada por críticas e indignação. Ao mesmo tempo, multiplicam-se as acusações de hipocrisia: o Qatar estaria sendo alvo de uma exigência e escrutínio que não se aplicou no passado, do Mundial da Rússia às Olimpíadas de Pequim. 

Para os autores deste texto, críticos desses outros eventos e que há muito advogam a necessidade de profundas reformas na governança esportiva, o problema não são as críticas de hoje, mas o silêncio do passado. O que falta são mais críticas e, sobretudo, a transformação dessa indignação numa força reformista da organização esportiva global.

Foi por isso que, com outros autores, defendemos sobre o mundial do Qatar:

 1º – Não esperamos (nem exigimos) que a Fifa (ao contrário do que por vezes dá a entender…) seja capaz de mudar o mundo. Não lhe pedimos que mude regimes políticos, mas exigimos que garanta que esse Mundial seja organizado de acordo com os valores e princípios que a própria Fifa proclama;

2º – Não defendemos boicotes esportivos ao Mundial nem a suspensão das relações diplomáticas com o Qatar. Mas também não queremos ver os nossos chefes de governo e de Estado a afiançar o uso desses grandes eventos esportivos para reforçar o poder de regimes autoritários. Por alguns dias, os líderes desses regimes procuram ganhar uma chancela de legitimidade, entregam medalhas e sorriem para o mundo. Gostaríamos que os nossos líderes democráticos não contribuíssem para isso;

3 – Apelamos a que atletas e federações nacionais usassem essa oportunidade para exprimir a sua solidariedade com aqueles cujos direitos o Mundial violou, dos trabalhadores àqueles discriminados em função do gênero ou da orientação sexual. 

Os primeiros dias mostraram que o sistema continua vivo, mas também que alguns atletas e seleções tomaram consciência de que ele se encontra esgotado.

A Fifa começou por nos demonstrar a sua habitual alienação do mundo: no discurso surreal de seu presidente, Gianni Infantino, no lançamento do Mundial (comparando a sua experiência de vida àquela dos que são discriminados em razão da raça, gênero ou orientação sexual) ou ao ceder, à última hora, ao pedido das autoridades supremas do Qatar de proibição de bebidas alcoólicas, desde que não fosse aplicada aos convidados da Fifa. 

Ao folclore seguiu-se a arrogância. A Fifa proibiu o uso da braçadeira com as cores do arco-íris com que algumas equipes tencionavam demonstrar apoio à diversidade. Ao proibir, não por motivos esportivos, mas pelo significado que tinha essa braçadeira, a Fifa colocou uma mordaça sobre os direitos fundamentais, proibindo os atletas de exprimirem o seu apoio ao princípio da não discriminação com base na orientação sexual que está inscrito no Artigo 22º do próprio Código de Ética da Fifa. Para a Fifa, apenas ela e os organizadores têm direito a usar politicamente o esporte. Um recado de que o monopólio do uso político da bola está nas mãos dos dirigentes do futebol e dos políticos cúmplices destes. Para os demais, a lei da Fifa impõe o silêncio.

Mas a atitude de algumas, poucas, seleções revela sinais de que algo pode estar mudando. Num gesto poderoso, os jogadores da Alemanha têm chance de entrar para a história dos mundiais. Ao cobrirem as suas bocas no momento de fazer a foto oficial da estreia, eles expuseram perante o mundo a mordaça da Fifa. A isto se junta o anúncio, pela Federação alemã, de que tenciona recorrer legalmente da proibição da Fifa, tendo o apoio, igualmente, da Federação dinamarquesa.

Isto não deve ser desvalorizado num mundo onde o poder é tão absoluto e cartelizado que qualquer dissidência arrisca forte punição. Mas é também por isso que atitudes como essas são extraordinariamente raras e que, ao mesmo tempo que essas duas federações exprimiam a sua divergência, 207 das 211 Federações da Fifa exprimiam o seu apoio à atual liderança. 

Entre essas 207 entidades nacionais, existirão outras que têm consciência da necessidade de mudar. Apenas têm um receio maior de defender a mudança. Isto nos diz que tal mudança só ocorrerá com pressão externa. Não é por acaso que a federação alemã anunciou a contestação judicial da decisão da Fifa após o abandono, em protesto por essa decisão, de um dos seus maiores patrocinadores e a ameaça dos outros fazerem o mesmo. 

Eis o que fazer com toda a indignação gerada por este mundial: impor às nossas federações que se aliem às entidades que querem mudanças. Pedir aos nossos atletas que se libertem da mordaça. Exigir de nossos líderes que reformem o esporte em vez de o usarem politicamente.

Miguel Poiares Maduro

É professor adjunto e ex-diretor da EUI School of Transnational Governance. Ele também é presidente do Conselho Executivo do European Digital Media Observatory (EDMO). Maduro ainda presidiu o Comitê de Governança da Fifa.

Jamil Chade

É jornalista e escritor. Cobriu quatro Copas do Mundo e suas premiadas reportagens sobre escândalos de corrupção levaram à abertura de investigações formais tanto no Brasil quanto na Espanha contra dirigentes do futebol. Publicou sete livros, três dos quais foram finalistas do Jabuti.

Alberto Alemanno

É professor do programa Jean Monnet de Direito da União Europeia e uma das principais vozes sobre a democratização da União Europeia.

 

 


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