18/05/2024 - Edição 540

Especial

CANA NELES

STF esboça jurisprudência antigolpe e apavora o bolsonarismo

Publicado em 15/09/2023 11:14 - Josias de Souza e Leonardo Sakamoto (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles) - Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou ontem (14) três réus pela invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. Por maioria, a Corte concordou com os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a Aécio Lúcio Costa Pereira, 51; Thiago de Assis Mathar, 43; e Matheus Lima de Carvalho Lázaro, 24: associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

O trio foi sentenciado a penas entre 14 e 17 anos de prisão, mais multa e indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos – a ser quitada de forma solidária por todos os condenados.

No julgamento de quinta, que havia sido iniciado na quarta, prevaleceu a tese da PGR de que os crimes do 8 de Janeiro foram cometidos por uma multidão e que, por isso, todos respondem pelo resultado do crime, sem necessidade de individualização de conduta.

Relator dos processos, o ministro Alexandre de Moraes destacou, ao proferir seu voto na quarta contra o primeiro réu, Aécio Pereira, que “não existe liberdade de manifestação para atentar contra a democracia, pedir AI-5, volta da tortura, para pedir a morte de inimigos políticos, dos comunistas, para pedir intervenção militar”. “Isso é crime”, frisou.

Esta é a primeira vez que o STF julga civis por tentativa de golpe de Estado, enquadrando-os na nova Lei dos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito, de 2021, que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional.

Pereira, Mathar e Lázaro fazem parte de um grupo de 232 pessoas denunciadas pela PGR por crimes mais graves relacionados ao 8 de janeiro – um quarto réu, Moacir José dos Santos, teve seu caso incluído na pauta do tribunal, mas ainda aguarda julgamento. O número total de denunciados pode aumentar, já que a PGR entregou no início desta semana outras 31 denúncias. Outros mais de 1.000 casos estão sob análise da Procuradoria e poderão ser objeto de acordos de não persecução penal.

As sentenças em detalhe e o que dizem as defesas 

Morador de Diadema (SP), Aécio Pereira havia publicado um vídeo nas redes sociais durante a invasão do Senado, mas acabou preso em flagrante pela Polícia Legislativa no plenário da Casa. Detido desde então, ele foi exonerado do cargo que ocupava na Sabesp, a empresa de águas e esgoto de São Paulo.

Pereira terá que cumprir 15 anos e 6 meses em regime fechado e 1 ano e 6 meses em regime aberto, além de pagar uma multa de R$ 44 mil, mais a indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos.

A defesa nega que ele tenha participado do quebra-quebra e alega que o réu deveria ser julgado na primeira instância.

Um dos advogados dele, o desembargador aposentado Sebastião Reis Coelho, é investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sob suspeita de incitar atos golpistas.

Também preso desde a invasão dos Três Poderes, Matheus Lázaro, de Apucarana (PR), portava um canivete quando foi detido já próximo ao Palácio do Buriti, sede do governo do DF, a 5 km de distância dali. Ele também gravou e divulgou vídeos do quebra-quebra e, por isso, teve a mesma pena que Pereira, de 17 anos de prisão, mais multa e indenização solidária.

A defesa afirma que Lázaro é inocente e foi alvo de “lavagem cerebral”, já que ele sequer saberia o que significa intervenção militar.

Já o produtor rural Thiago Mathar, de São José do Rio Preto (SP), terá que cumprir pena de 14 anos de reclusão, além de pagar 100 dias-multa e arcar solidariamente com a indenização. A pena dele foi menor porque ele não gravou nem divulgou vídeos que pudessem incitar outras pessoas a participar da arruaça.

A defesa alega que ele participou do ato com intenção pacífica, mas não cometeu atos de vandalismo e só adentrou o Palácio do Planalto para se proteger do conflito com agentes de segurança.

Como votaram os ministros

Oito dos 11 ministros concordaram com a PGR em enquadrar o trio pelos crimes de associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Foram eles: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber. Zanin, porém, propôs pena menor a Pereira, de 15 anos, e de 11 anos a Mathar.

O ministro Roberto Barroso votou por absolvê-los do crime de abolição violenta do Estado democrático, argumentando que a condenação por golpe de Estado já abarca os fatos em análise, e sugerindo uma pena de 10 anos de prisão para Pereira, de 11 anos e 6 meses para Lázaro e de 9 anos e 6 meses para Mathar.

Já André Mendonça descartou o crime de golpe de Estado, concordando com as condenações pelos outros quatro crimes e sugerindo penas menores: de 7 anos e 11 meses para Pereira, e de 4 anos e 2 meses para Mathar. Segundo ele, o golpe pressupõe uma “ordem jurídica e institucional”, algo que dependeria de “uma ação de outras forças, basicamente dos militares”; pelo raciocínio do ministro, como o golpe não prosperou, não caberia essa acusação.

Kassio Nunes Marques foi o único a votar pela absolvição dos réus pelos crimes mais graves, imputando-lhe apenas dano qualificado e deterioração de patrimônio, calculando pena de 2 anos e 6 meses.

Tanto Mendonça quanto Nunes Marques assumiram um assento no STF por indicação do ex-presidente Jair Bolsonaro, suspeito de incitar atos golpistas.

Embora estivesse nos Estados Unidos quando a invasão aconteceu, Bolsonaro não reconheceu oficialmente a derrota nas urnas e questionou a confiabilidade do sistema de votação eletrônico. Seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, era à época da depredação Secretário de Segurança do Distrito Federal e comandava a Polícia Militar, que escoltou a multidão de apoiadores de Bolsonaro até a Praça dos Três Poderes. Militares simpáticos ao ex-presidente também teriam sido coniventes com o quebra-quebra.

Mendonça passa pano para golpismo e faz valer o investimento de Bolsonaro

Ao analisar o processo do primeiro réu julgado pelos atos golpistas de 8 de janeiro, o ministro André Mendonça disse que não viu nele “tentativa idônea” de golpe de Estado, insinuou que o Palácio do Planalto foi conivente com as invasões e que o ministro da Justiça, Flávio Dino, esconde as imagens daquele dia. Bolsonaro, seu padrinho, deve ter ficado orgulhoso.

Pois, ao votar por absolver Aécio Lúcio Pereira Costa do crime de tentativa de golpe, ele reforça a linha de argumentação do bolsonarismo mirando o julgamento de Jair, que deve acontecer lá na frente.

Mendonça defendeu que ações daquele 8 de janeiro não bastavam para uma tentativa de golpe, necessitando a participação de outras instituições. Ignorou que os executores do vandalismo era apenas uma parte dos atores da conspiração. O crime também contou com o apoio de setores da Polícia Militar e do Exército, o financiamento de empresários do campo e da cidade, a incitação de influenciadores da extrema direita e a idealização do ex-presidente da República e seus aliados. Ou seja, para ser golpista na avaliação de Mendonça tem que ter um plano infalível.

O ministro condenou o réu por tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e associação criminosa, absolveu sobre o golpe. A fim de tentar confirmar a tese bolsonarista, o ministro elencou argumentos:

  1. a) Disse que há “dúvida razoável quanto a homogeneidade de métodos e atitudes, o que macula a tese de que todos por lá estarem pertenciam a uma mesma associação criminosa”; b) “um golpe de estado demanda atos não só de destituição de poder, mas de estabelecimento de nova ordem política institucional […]. Uma série de planejamentos e condutas que não vi nessas manifestações”; c) “eles não agiram para tentar derrubar o governo. A deposição do governo dependeria que atos que não estavam ao alcance dessas pessoas”.

Também levou às redes bolsonaristas à loucura quando disse que o STF não tem competência para analisar o caso e insinuou que o governo Lula fez corpo mole, outra tese defendida por aliados de Jair.

“Em todos esses movimentos de 7 de Setembro, como ministro da Justiça, eu estava de plantão com uma equipe à disposição, seja no Ministério da Justiça, seja com policiais da Força Nacional, que chegariam aqui em minutos para impedir o que acontecer. Eu não consigo entender, e também carece de resposta, como o Palácio do Planalto foi invadido da forma como foi invadido”, disse.

O ministro Gilmar Mendes o interrompeu, lembrando que apesar de o Brasil já ter tido protestos, “jamais tivemos um grupo acumulado na frente de quarteis pedindo intervenção”. E aproveitou para cutucar o voto de Kassio Nunes Marques, outro indicado por Bolsonaro, que também não viu golpe, em seu voto.

“Ainda ontem vi essa consideração sobre o passeio no parque [feita por Alexandre de Moraes, ao frisar que o 8/1 foi grave]. Jamais houve passeio no parque. Não se tratava de passeio no parque, ministro Kassio. Nem de um incidente. A cadeira que o senhor está sentado estava lá na rua no dia da invasão”, afirmou.

Irritado, o ministro Alexandre de Moraes respondeu à provocação de Mendonça:

“As investigações demonstram claramente o porquê que houve essa facilidade. Cinco coronéis comandantes da PM do DF estão presos, exatamente porque, desde o final das eleições, se comunicavam por zap dizendo exatamente que iriam preparar uma forma de, havendo manifestação, a Polícia Militar não reagir”, disse.

Mendonça ainda cobrou os vídeos do circuito interno do Ministério da Justiça, uma demanda do bolsonarismo para reforçar a narrativa falsa de que o ministro Flávio Dino não fez nada diante dos ataques. “Muito embora eu queria, e o Brasil quer, ver esses vídeos do Ministério da Justiça…”

Moraes reagiu: “Vossa Excelência falar que a culpa é do ministro da Justiça é um absurdo quando cinco comandantes estão presos. Quando o ex-ministro da Justiça fugiu para os Estados Unidos e jogou o celular dele no lixo e foi preso, e agora Vossa Excelência vem ao plenário do Supremo Tribunal Federal, que foi destruído, que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo”.

Mendonça ainda exigiu que não fossem colocadas palavras em sua boca. No final, ambos se desculparam. Mas o quiprocó já serviu como indicador que Bolsonaro pode contar com os votos dos seus indicados quando o seu caso chegar no STF e que a linha de argumentação de ambos no tribunal está alinhada com as redes.

Contudo, se continuar usando suposições não comprovadas que são tratadas como fato apenas no esgoto dos piores grupos bolsonaristas, André Mendonça não vai conseguir ajudar seu padrinho. Apenas manchar sua biografia.

Em sessão histórica, o Supremo esboça jurisprudência antigolpe

A sessão em que o Supremo Tribunal Federal inaugurou o julgamento dos enrolados na intentona de 8 de janeiro exalou um aroma de história. Trinta e oito anos depois do término da ditadura militar, a Corte iniciou a formação de uma draconiana jurisprudência antigolpe.

A mão pesada de Moraes expressa a disposição majoritária do Supremo. A mesma corda que asfixiou os primeiros réus será enrolada no pescoço dos mais de 1.300 golpistas que aguardam na fila do cadafalso.

Apenas oito meses depois do quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes, fica entendido que a nova jurisprudência tornará qualquer tentativa de virada de mesa da democracia num empreendimento de altíssimo risco no Brasil. Ao rebater os argumentos da defesa do réu, Moraes acertou o olho da mosca ao declarar que “o terraplanismo e o negacionismo obscuro de algumas pessoas faz parecer que no dia 8 de janeiro tivemos um domingo no parque”. Disse estar “muito claro” que o objetivo da “turba” era “derrubar o governo democraticamente eleito em 2022.” Algo que, segundo Moraes, só não aconteceu porque “o Exército brasileiro não aderiu a esse devaneio golpista, defendido inclusive por vários políticos que estão sendo investigados.”

A construção da nova jurisprudência do Supremo é facilitada pelo trabalho de mostruário realizado pela Polícia Federal. Havia na multidão de golpistas anônimos velhos, jovens, empresários, profissionais liberais e desocupados fanatizados. Procurando agulha no palheiro, os investigadores conseguiram acomodar os criminosos na cena do crime. A boa notícia é que o golpismo começou a ser enquadrado. A má notícia é que, por ora, a asfixia atinge apenas as piabas do golpe. O trabalho está apenas no começo. Para que o espetáculo seja completo, é imperioso que a mão forte do aparato repressor caia também sobre os tubarões do golpe.

Supremo fixa em 17 anos piso de uma provável pena de Bolsonaro

O Supremo foi implacável na fixação das penas dos primeiros réus condenados por participarem da intentona bolsonarista de 8 de janeiro. Ficou boiando na atmosfera do plenário a percepção de que as penas impostas ontem pelo Tribunal devem ser o piso de futuras condenações de réus mais graúdos. Entre eles Bolsonaro, um personagem tratado nos bastidores da Suprema Corte como uma espécie de denúncia esperando na fila para acontecer. Nunes Marques e André Mendonça, togas indicadas por Bolsonaro, portaram-se como se apalpassem o futuro.

Ambos isentaram os acusados, peixes pequenos no enredo golpista, do crime de tentativa de golpe de Estado. Fixaram as penas mais brandas. Nunes Marques, autor de votos considerados mais constrangedores pelos colegas, excluiu do rol de imputações também o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Todos os demais ministros seguiram Moraes no entendimento de que o 8 de janeiro foi uma tentativa de reverter o resultado das urnas de 2022, estabelecendo no país um regime de exceção.

Bolsonaro frequentou o julgamento na condição de sujeito oculto. Sua presença invisível tornou-se quase palpável quando Mendonça declarou que não via na turba que promoveu o quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes potencial para dar um golpe. Para ele, a deposição do governo recém-eleito dependeria de atos que não estavam ao alcance dos invasores. Gilmar Mendes fustigou: “A cadeira em que o senhor está sentado estava lá na rua.”

Mendonça não se deu por achado. Ecoando uma pregação disponível nos grupos de WhatsApp bolsonaristas, disse que não consegue entender como o Planalto foi invadido com tanta facilidade. Alexandre Moraes interveio para recordar que estão presos cinco comandantes da Polícia Militar de Brasília, responsável pela segurança da Capital.

O bate-boca escorregou para a atuação de Flávio Dino, o ministro da Justiça de Lula. Moraes disse que Dino não poderia ter acionado a Força Nacional de Segurança para suprir o déficit de policiais militares sem requisição do governo do Distrito Federal. Mendonça discordou. Para ele, a soldadesca da Força Nacional poderia, sim, ter atuado na proteção dos prédios federais.

Morais elevou o timbre. “É um absurdo, com todo o respeito, Vossa Excelência querer falar que a culpa pelo 8 de janeiro é do ministro da Justiça.” De novo, Mendonça reproduziu a retórica bolsonarista, insinuando que a pasta da Justiça, sob Dino, deve explicações sobre o sumiço das imagens captadas pelo circuito de câmeras do ministério no dia do quebra-quebra.

Sem mencionar-lhe o nome, Moraes colocou na roda Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro que respondia pela Secretaria de Segurança do governo brasiliense no dia dos ataques. “Fugiu para os Estados Unidos e jogou o celular dele no lixo. Foi preso”, disse Moraes. No ápice da altercação, Xandão, como os bolsonaristas se referem a Moraes, foi à jugular do colega “terrivelmente evangélico”.

“Vossa Excelência vem no plenário do STF, que foi destruído, para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó!” E Mendonça: “Não coloque palavras na minha boca. Tenha dó Vossa Excelência.”

O embate resultou num pedido de desculpas recíproco. Restou, porém, a percepção de que a eletrificação da sessão foi um ensaio do curto-circuito que se avizinha. Em entrevista concedida à repórter Mônica Bergamo na véspera do início do julgamento, Bolsonaro esgrimiu discurso idêntico ao de Mendonça ao ser questionado sobre a tentativa de golpe.

“O 8 de janeiro foi um movimento que, no meu entender, teve a participação do Poder Executivo”, disse o capitão, referindo-se à gestão Lula. “O nosso pessoal sempre foi de paz. Fez movimentos enormes no Brasil todo, e você não via uma cesta de lixo queimada, uma vidraça quebrada.” Noutro trecho da conversa, Bolsonaro foi mais incisivo. Disse que o 8 de janeiro “no mínimo contou com a omissão do atual governo.”

Se as intervenções de Moraes serviram para alguma coisa foi para sinalizar que esse tipo de alegação não terá livre trânsito no Supremo quando as investigações revelarem o que ainda se esconde atrás do manto diáfano que Bolsonaro imagina protegê-lo. Paira sobre a cabeça do capitão a delação do tenente-coronel Mauro Cid.

Dá-se de barato no Supremo que a colaboração do ex-ajudante de ordens incluirá revelações sobre a tentativa de virada de mesa da democracia, inserindo na trama golpista o ex-chefe e seus generais palacianos. É nesse contexto que a pena de 17 anos de cadeia é vista como um piso.

“Vocês não acham uma só situação minha agindo fora das quatro linhas da Constituição”, disse Bolsonaro na entrevista a Mônica Bergamo. “Não seria depois do segundo turno que eu iria fazer isso. Muito menos no 8 de janeiro”, ele enfatizou. Bolsonaro vive a síndrome do que está por vir.

STF começou a julgar Bolsonaro, por enquanto sem citar seu nome

Garoto esperto, Flávio Bolsonaro, o Zero 1, senador por obra e graça do pai, assim como Carlos, o Zero Dois, é vereador, Eduardo, o Zero 3, deputado federal, e Jair Renan, o Zero 4, aspirante a vereador. Depois de muito pensar, Flávio concluiu: “Eles (ministros do STF) querem insistir com a tese de que há um mentor intelectual disso tudo e não há. Simplesmente não. Eles querem dizer que é o Bolsonaro, mas como não tem prova, ficam prendendo para ver se forçam uma delação”.

A fala foi a propósito da condenação a penas de até 17 anos de cadeia dos três primeiros golpistas do 8 de janeiro julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Como bom filho, defendeu o pai: “Eu tenho certeza de que é isso. Mas é mais uma vez à revelia da lei. Como é que alguém vai abolir o Estado Democrático de Direito? Vai assumir quem a presidência do Brasil? [de vez que Bolsonaro estava no exterior]? Não tem pé nem cabeça.”

Garoto esperto, mas menos inteligente do que aparenta. Finge ignorar que o pai quis dar o golpe em 7 de setembro de 2021, com o apoio dos comandantes militares da época. Só não deu porque o Supremo Tribunal Federal ameaçou armar um salceiro.

Flãvio finge ignorar que, depois de derrotado no ano passado, o pai planejou dar o golpe em algum momento de dezembro, antes da diplomação e posse de Lula. O golpe foi abortado por pressão internacional e falta de unidade entre os militares.

Foi então que Bolsonaro, depois de surrupiar joias milionárias do governo, fugiu para os Estados Unidos. De lá, assistiu a tentativa fracassada do golpe de 8/1. Se ela tivesse dado certo, ele pretendia voltar ao poder nos braços do povo, quer dizer: do seu povo.

Um dia, tudo isso será contado em detalhes. É uma história com pé e cabeça. Há muita gente na fila para ser condenada e presa antes de Bolsonaro – a mão de obra empregada no assalto à Praça dos Três Poderes, os que a financiaram e os que planejaram o golpe.

Quem tem prazo não tem pressa. O Supremo é senhor do tempo, para acertar ou errar. Por ora, Bolsonaro deve preocupar-se com a velocidade imprimida no processo sobre o roubo das joias. Pior do que passar à História como golpista será passar como ladrão.

A revista VEJA que começou a circular ontem trouxe o que o tenente-coronel Mauro Cid contou à Polícia Federal ainda na fase dos depoimentos. A fase da delação, já homologada pelo ministro Alexandre de Moraes, começará em breve.

Confrontado com as provas reunidas pela polícia, o ex-ajudante-de-ordem de Bolsonaro confessou ter participado da venda nos Estados Unidos de dois relógios de luxo subtraídos ao acervo da Presidência da República – um Patek Philippe e um Rolex.

Segundo ele, o dinheiro da venda foi depositado na conta do seu pai, o general Mauro Lourena Cid, sacado em espécie e repassado a Bolsonaro: “Em mãos. Para ele”. A entrega dos valores, 68 000 dólares, se deu de maneira parcelada ainda em solo americano.

A amigos, Mauro Cid, o filho, admitiu: “O presidente estava preocupado com a vida financeira. Ele já havia sido condenado a pagar várias multas. […] A venda pode ter sido imoral? Pode. Mas a gente achava que não era ilegal”.

Os dois relógios e outras joias voaram com Mauro Cid a bordo do avião que em junho de 2022 levou Bolsonaro ao encontro do presidente Joe Biden. A sós com Biden, Bolsonaro pediu ajuda para se reeleger. A notícia vazou. A Casa Branca não desmentiu.

Advogados de golpistas atacam STF, falam de si mesmos e passam vergonha

Advogados de réus dos atos golpistas do 8 de janeiro gastaram tempo precioso de seus clientes no julgamento no STF, nos últimos dois dias, para se promover ou gerar conteúdo que viralizou nas redes bolsonaristas. Podem não tê-los ajudado a reduzir a pena, mas certamente devem conseguir seguidores.

O ex-desembargador Sebastião Coelho, advogado do primeiro condenado, Aécio Costa Pereira, usou a tribuna para acusar o Conselho Nacional de Justiça de perseguição por abrir uma investigação contra ele sob a justificativa de incitar atos golpistas. Disse que disponibilizaria o Imposto de Renda e extratos bancários, que não tem nada a esconder, que não se intimida com nada, que é um homem idoso, que tem probleminhas de saúde e pode morrer a qualquer hora.

Ainda criticou Alexandre de Moraes e avisou aos ministros do STF que eles eram “as pessoas mais odiadas desse país”.

O advogado Hery Kattwinkel, que representa Thiago de Assis Mathar, o segundo condenado, apelou e falou que os filhos de seu cliente buscam o pai como uma “estrelinha” no céu porque acham que ele morreu – o réu está preso desde a tentativa de golpe. E que sua única “arma” era a bandeira do Brasil.

Também criticou Moraes e usou frase falsamente atribuída ao ministro Luís Roberto Barroso (“eleição não se ganha, se toma”), uma conhecida fake news, para embasar um ataque ao STF.

Como vergonha pouca é bobagem, ele ainda atribuiu uma frase de “O Príncipe”, de Maquiavel, pai da ciência política, a “O Pequeno Príncipe”, um livro infantil escrito por Antoine de Saint-Exupéry. Sim, os fins justificam aquilo que cativas.

“É patético e medíocre que um advogado suba à tribuna do STF com um discurso de ódio, com um discurso para postar depois nas redes sociais. Porque veio aqui para agredir o STF, talvez pretendendo ser vereador no ano que vem”, afirmou Moraes.

“Hoje os alunos que vieram ver a sessão, tiveram uma aula do que um advogado constituído não deve fazer para prejudicar o seu constituinte e fazer uma média com os ‘patriotas'”, disse.

O repórter Paulo Roberto Netto, do UOL, apurou que havia um defensor público preparado para defender o terceiro réu, Matheus Lima de Carvalho Lázaro, mas na véspera do julgamento a advogada Larissa Araújo retomou o caso. A Defensoria Pública havia assumido após a defesa, veja só, perder o prazo para se manifestar no processo.

Araújo foi às lágrimas ao implorar aos ministros pela absolvição de Matheus, tentando vender a ideia de que ele foi vítima de uma “lavagem cerebral” e que seu cliente falava muita “bobagem”.

Ele, que serviu como soldado no Exército, enviou mensagens à esposa após invadir o Congresso. Dizia que era necessário “quebrar tudo, pra ter reforma, pra ter guerra”, para o “Exército entrar” e fazer uma intervenção.

Antes de começar sua sustentação oral, ela gastou tempo do cliente para também falar de si mesma. Contou sobre sua primeira visita ao STF, disse que naquele momento percebeu que era “ministra que eu quero ser quando crescer, quando me formar”. A partir daí, começou a criticar o tribunal, reclamou que foi supostamente ignorada por um representante do MPF.

A intervenção de Araújo foi tão ruim que Moraes, quando tomou a palavra, afirmou: “A Defensoria Pública fez um brilhante trabalho e faria a sustentação oral, mas aí a advogada retornou”.

Foram três réus. Faltam centenas. Se a tribuna continuar sendo tratada como live de rede social, a advocacia brasileira vai terminar menor quando tudo isso acabar. Mas o bolsonarismo pode ter novos candidatos às eleições.


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