18/05/2024 - Edição 540

Especial

Bolsonaro despenca diante da crise

Publicado em 27/05/2022 12:00 -

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O desastre econômico brasileiro, a carestia, a fome, o desemprego mostram sua força na pré-campanha eleitoral. Entre 2019 e 2021, saltou de 30% para 36% o percentual de brasileiros que vivem sob constante situação de insegurança alimentar e ameaça de fome. A taxa no Brasil alcançou recorde da série histórica, iniciada em 2006. Além disso, também superou a média global (35%). Os resultados são de uma pesquisa do Centro de Políticas Sociais do FGV Social, que analisou dados coletados pelo instituto Gallup em 160 países.

No ano passado, entre os 20% dos mais pobres, três em cada quatro brasileiros (75%) disseram que faltou dinheiro para comprar comida nos últimos 12 meses. Em todo o mundo, nesse mesmo estrato social, o percentual de entrevistados que afirmou não ter renda para comprar alimentos para ou para a família foi de 48%. Em 2019, a taxa de insegurança alimentar nas classes de baixa renda era da 53%.

“Entre os 20% mais pobres no Brasil, o nível (de insegurança alimentar) é próximo dos países com maiores taxas, como Zimbábue [80%]”, afirmou o diretor da FGV Social, Marcelo Neri. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele se disse impressionado com “o aumento abissal da desigualdade de insegurança alimentar” no país.

Entre as mulheres, a taxa de insegurança alimentar no Brasil está na casa dos 47%, enquanto a média global ficou em 37%. E é de 45% para brasileiros e brasileiras com idades entre 30 e 49 anos. Nesse sentido, as taxas elevadas entre esses grupos têm “efeitos de longo prazo” por causa do risco de desnutrição nas crianças, segundo Neri.

Também à Folha, o coordenador da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), Renato Mafuf, disse que todos os fatores que mantinham os níveis elevados de fome entre os brasileiros se agravaram no ano passado; e seguem em deterioração neste ano. Além disso, ele destacou que não há “política de governo” estruturada para combater à fome.

No ano passado, a Rede Penssam já havia apontado a volta do crescimento da fome no Brasil, depois de recuar significativamente até meados da década passada. Naquele momento, 117 milhões de pessoas estavam em situação de insegurança alimentar.

Desse total, 19,1 milhões de brasileiros estavam efetivamente passando fome, em um quadro de carência grave de comida. Os dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.

Simultaneamente, o repórter Carlos Madeiro informa que o Auxílio Brasil, versão mal ajambrada do Bolsa Família, deixou ao relento 2 milhões de famílias submetidas à extrema pobreza. Fica evidente que é grande, muito grande, enorme a distância que separa a retórica oficial e o debate eleitoral das necessidades do estômago.

Diante de dados tão sombrios sobre a fome, um presidente que reivindica a reeleição não deveria ousar aparecer para os brasileiros que trazem um espaço baldio entre o esôfago e o duodeno em outro formato que não fosse o de um prato de comida. Mas Bolsonaro oferece uma retórica oca em que pátria, Deus e família se misturam a ataques às urnas eletrônicas, caneladas em magistrados e distribuição de armas de fogo.

Resta aos famintos trocar as alucinações que a falta de alimentos provocou a pelo sonho de alcançar um dia uma fome de presidente —do tipo que pode ser saciada abrindo a geladeira do Palácio da Alvorada, abastecida com todas as iguarias que o déficit público pode comprar.

Evaporação de Moro e Doria e inflação ajudam Lula, que venceria no 1º turno

Com 48% de intenções de voto, Lula (PT) poderia vencer no primeiro turno, caso as eleições fossem hoje. Ele tem oito pontos acima da somatória de seus concorrentes, de acordo com a pesquisa Datafolha divulgada na quinta (26). Se por um lado a saída de candidatos mais à direita não impulsionou Bolsonaro, por outro a inflação que disparou o preço dos alimentos e combustíveis ajudou Lula, que tem explorado a lembrança do poder de compra durante seu governo.

Jair Bolsonaro (PL) conta com 27%, Ciro Gomes (PDT), 7%, André Janones (Avante) e Simone Tebet (MDB), 2% cada um, Pablo Marçal (Pros) e Vera Lúcia (PSTU), com 1% cada um. Os demais, não pontuaram.

A pesquisa tem dois pontos de margem. Ou seja, apenas uma constelação de erros altamente improvável nas intenções de voto dos outros candidatos evitaria a vitória do petista em primeiro turno no quadro traçado pelo Datafolha. Tanto que o próprio instituto fez uma previsão de votos válidos, dando 54% para Lula, 30% para Bolsonaro e 8% para Ciro.

Apesar do último Datafolha, de 24 de março, e o levantamento divulgado nesta quinta não serem comparáveis entre si porque contam com nomes diferentes, Lula tinha 43% e Bolsonaro, 26%. A distância entre eles foi de 17 para 21 pontos.

Lula tem 38% na espontânea, aquela em que o eleitor diz o nome de cabeça, mostrando uma posição mais consolidada, frente a 22% de Bolsonaro. Por outro lado, a rejeição de Bolsonaro, pessoas que não votariam nele de jeito nenhum, é de 54%, enquanto a de Lula, de 33%. O atual presidente tem uma rejeição maior que sua intenção de votos.

Os fatos políticos mais relevantes para a corrida eleitoral entre as duas pesquisas foram a saída de Sergio Moro e João Doria da disputa. A chegada de Geraldo Alckmin como vice foi anunciada com festa, mas já era prevista. Já o fato econômico de maior peso foi a persistência de uma inflação em dois dígitos anuais, que atinge principalmente os mais pobres, mas também a classe média.

Moro trocou o Podemos pelo União Brasil, acreditando que teria melhor estrutura para concorrer. Mas a nova legenda negou a ele a vaga de pré-candidato à Presidência. Optou, por enquanto, pelo presidente do partido, o deputado federal Luciano Bivar, que zerou neste Datafolha. O que significa, na prática, liberar seus candidatos para apoiarem quem quiserem nos estados.

Doria venceu as prévias do PSDB, derrotando o ex-governador Eduardo Leite e o ex-prefeito Arthur Virgílio. Mas não conseguiu apoio da executiva do partido, que preferiu rifá-lo para não atrapalhar a tentativa de reeleição de Rodrigo Garcia ao Palácio dos Bandeirantes. Os tucanos estão, por enquanto, indicando o apoio à senadora Simone Tebet (MDB), que conta com apenas 2%, apesar de parte dos tucanos pedir Leite.

O ministro Paulo Guedes vem tentando reduzir o impacto da inflação para os consumidores, a mais alta para um mês de abril desde 1996. E apesar do IPCA, nos últimos 12 meses, ter acumulado 12,13%, a alta dos preços é ainda mais sentida entre os mais pobres, que dedicam boa parte do orçamento ao essencial, ou seja, sobreviver. Por exemplo, de acordo com o Dieese, a cesta básica de alimentos em São Paulo aumentou 27% no mesmo período, ultrapassando R$ 800.

Com a perda do poder de compra causado pela inflação, o peso eleitoral do Auxílio Brasil de R$ 400 também reduziu entre os mais pobres. De acordo com o Datafolha, entre os entrevistados com renda familiar de até dois salários, 56% votam Lula e 20% preferem Bolsonaro.

Pesquisa, vale lembrar, é uma fotografia de um momento e não uma previsão do que acontecerá em outubro. E, neste momento, a lista de candidaturas ainda não está fechada e a campanha eleitoral nem começou formalmente, apesar das motociatas e comícios presidenciais.

Mas a pesquisa, que vai reforçando o pleito de outubro como um plebiscito sobre o governo Jair Bolsonaro, deve aumentar a pressão do PT sobre Ciro Gomes (PDT), tentando convencer os eleitores do ex-governador a fim de liquidar a fatura no primeiro turno. E evitar que Jair transforme o segundo turno em um plebiscito também sobre os anos dos petistas no poder.

Inflação e ódio de Bolsonaro viraram os principais cabos eleitorais de Lula

A nova pesquisa do Datafolha apresentou a Bolsonaro a conta da ruína econômica e do destrambelhamento retórico. A inflação e o desemprego custaram ao presidente a ampliação da liderança de Lula entre os mais pobres, que decidem a eleição. O flerte com o golpismo resultou no confinamento do capitão no seu cercadinho radical. Bolsonaro adiou sua tradicional live das noites de quinta-feira para esta sexta-feira. Ganhou tempo para digerir dois números duros de roer.

Bolsonaro leva uma surra de Lula entre os eleitores que mais sofrem com a crise econômica. No Nordeste, região mais pobre do país, a vantagem de Lula sobre Bolsonaro é de 45 pontos (62% a 17%). Em março, quando Moro e Doria ainda estavam na disputa, essa diferença era de 35 pontos. Os eleitores nordestinos são, proporcionalmente, os que mais recebem o Auxílio Brasil, que passou a pagar R$ 400 reais em janeiro. Pois Lula prevalece sobre Bolsonaro entre os beneficiários do programa que substituiu o Bolsa Família com uma dianteira de 39 pontos (59% a 20%).

Entre os desempregados, Lula abriu 41 pontos de vantagem sobre Bolsonaro (57% a 16%). Num recorte que inclui o eleitorado com renda familiar mensal de até dois salários mínimos, a maioria do eleitorado, Lula está 36 pontos à frente de Bolsonaro (56% a 20%). De lambuja, Lula exibe 37 pontos de dianteira entre os jovens de 16 a 24 anos (58% a 21%). Nesse item, o Datafolha talvez tenha captado o efeito Anita —ou efeito Di Caprio—, que estimulou o eleitorado juvenil a requisitar o primeiro título de eleitor.

O que o Datafolha revela é que a inflação rosna para Bolsonaro e sorri para Lula. A pesquisa esfrega a realidade no discurso do presidente. Faltam ao eleitor comida, dinheiro, trabalho e tranquilidade. Bolsonaro oferece armas, ataques a Alexandre de Moraes, perdão para o Daniel Silveira e intervenção na Petrobras. São coisas que não enchem a barriga nem o bolso de ninguém. Lula joga com a memória dos seus dois mandatos, escondendo a ruína recessiva de Dilma. O antipetismo ainda pulsa, mas a ruína e a raiva de Bolsonaro viraram cabos eleitorais de Lula. Numa eleição convertida em plebiscito sobre o resultado do governo, o presidente derrota a si mesmo. O nome do jogo é inflação. O apelido é carestia.

Bolsonaro quer a ajuda dos ricos para derrotar os mais pobres

Bolsonaro vence Lula entre os eleitores com renda familiar mensal superior a 10 salários mínimos (42% a 31%). E esmaga-o entre os eleitores que se dizem empresários (56% a 23%). Banqueiros são poucos, mas eles também o apoiam sem risco de traí-lo.

Nada mais natural que espere a ajuda deles para conquistar fatia expressiva do voto dos pobres que o rejeitam. Mesmo entre os eleitores beneficiados pelo Auxílio Brasil pago pelo governo, Lula derrota Bolsonaro com quase o triplo dos votos (59% a 20%).

Lula consolidou sua vantagem no Nordeste (62% a 17%). Sua vantagem é grande também entre os eleitores que se declaram pretos (57% a 23%), desempregados (57% a 16%) e católicos (54% a 23%). Ele perde de pouco entre os evangélicos (36% a 39%).

O ex-presidente teve ganhos consideráveis em dois grupos de eleitores que são considerados bolsonaristas de doer: chegou a 39% entre os homens, e a 36% na Região Sul. Lula cresceu basicamente entre os eleitores que estavam indecisos.

Para complicar ainda mais a vida de Bolsonaro, entrará em campo a senadora Simone Tebet (MDB), a ser apoiada pelo PSDB. Simone tem pouca ou nenhuma afinidade com os eleitores de Lula, e muita com eleitores que poderiam votar em Bolsonaro.

Afinidades com os eleitores de Lula têm os 7% dos eleitores de Ciro Gomes (PDT). Má notícia para Ciro: só 35% dos seus eleitores se dizem firmes com ele, e 65% admitem que poderão votar em outro nome até o dia da eleição (alô, alô, Lula!).

Há duas semanas, durante almoço em São Paulo, em resposta a um empresário que perguntou como poderia ajudá-lo, Bolsonaro ensinou como: chamou os funcionários da cozinha e dissertou para eles sobre os perigos de uma vitória da esquerda.

Verdade que não ouviu depois a opinião dos funcionários. E que foi embora sem saber se convencera algum. A donos de supermercados, em outro evento, sugeriu que se reunissem uma vez por semana com seus empregados mais humildes. E ensinou:

“É reunir pelo menos uma vez por semana com o pessoal no canto e dar a palavra: ‘Onde está apertando o calo de cada um de vocês?’. Para ganhar a confiança”.

Na eleição de 2018, o empresário Luciano Hang, bolsonarista até o talo, ameaçou demitir funcionários de suas lojas que votassem em Fernando Haddad (PT) para presidente. Lula estava preso em Curitiba. Hang continua solto, mas responde a processo.

Datafolha reforça estratégia do PT para pedir voto útil em Lula no 1º turno

A pesquisa Datafolha reforça a estratégia petista para transformar a disputa num plebiscito e pedir voto útil para tentar definir o jogo ainda na primeira rodada em 2 de outubro.

Os números mostram uma polarização consolidada entre Lula e Bolsonaro, estreitando o caminho para as candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e de Simone Tebet (MDB).

Nesse contexto, a estratégia petista para angariar apoios suprapartidários e pescar mais alguns votos no eleitorado evangélico, jovem e feminino pode levar o partido a vencer a sua primeira eleição presidencial no primeiro turno em 2022. O PT venceu as eleições de 2002, 2006, 2010 e 2014. Perdeu as de 1989, 1994, 1998 e 2018.

O desastre econômico conduzido pelo governo Bolsonaro é a principal explicação para a dianteira confortável de Lula no Datafolha. "É a economia, idiota", diria James Carville.

O americano Carville foi estrategista da campanha de Bill Clinton em 1992. Clinton derrotou um presidente candidato à reeleição, George Bush pai. A Guerra do Golfo (1990-1991) fortalecera Bush, mas o quadro de recessão econômica deu a Casa Branca a Bill Clinton.

A pouco mais de 4 meses da eleição, dificilmente haverá tempo para Bolsonaro reverter a sua desvantagem. Presidentes brasileiros que concorreram à reeleição lideravam no Datafolha nesse período de campanha. O tucano Fernando Henrique Cardoso se reelegeu em 1998. Os petistas Lula e Dilma em 2006 e 2014, respectivamente.

Com a economia em frangalhos e um presidente que ameaça a democracia, o cenário eleitoral nunca foi tão favorável a Lula numa disputa presidencial. Se não errar e deixar de atravessar a rua para escorregar em casca de banana, ele deverá vestir a faixa presidencial pela terceira vez.

Rejeição pode render a Bolsonaro título de primeiro presidente não reeleito

Bolsonaro se organizou para uma disputa em dois turnos. No primeiro, cultivaria a fidelidade do pedaço mais radical do eleitorado para assegurar sua presença no round final. No segundo turno, sacudiria o lençol do fantasma da comunização do país para derrotar Lula. Os índices de avaliação do governo e a taxa de rejeição do presidente demonstram que a estratégia não está funcionando. O desafio de Bolsonaro passou a ser impedir que seu rival prevaleça em turno único.

A despeito do populismo eleitoral de Bolsonaro, o Datafolha revela que a avaliação do governo Bolsonaro se manteve estacionada desde março, com variações dentro da margem de erro. A aprovação é mixuruca. Apenas 25% consideram o governo ótimo ou bom. A reprovação é graúda: 48%. Bolsonaro ostenta a pior avaliação já atribuída a um presidente no período pós-redemocratização. Continua ostentado o título de candidato mais rejeitado: 54% dos eleitores declaram que jamais votariam nele. Na outra ponta, Lula saboreou um declínio da sua rejeição de 37% para 33%.

Bolsonaro não foi o único a receber más notícias do Datafolha. Somando-se os índices de intenção de voto de Lula e Bolsonaro, chega-se à marca de 75 pontos. Ou seja: continuam livres sobre o tabuleiro, à disposição de Ciros, Simones e Janones, 25 pontos. Há dois meses, havia 31 pontos em jogo. Encurtou-se a margem de manobra para canditatos de terceira via e de outras pistas paralelas.

A alta rejeição de Bolsonaro e a escassez de alternativas conspiram a favor da vitória de Lula em primeiro turno. Bolsonaro vai se tornando candidato favorito ao título de primeiro presidente a não obter a reeleição para um segundo mandato no Brasil pós-redemocratização. O capitão talvez se arrependa de ter contribuído com sua pancadaria para empurrar as candidaturas de Moro e Doria no desfiladeiro.

Negacionismo de pesquisa é flerte com o ridículo

O ministro Fábio Faria, os operadores do centrão e os filhos de Bolsonaro detestaram a realidade revelada pelas pesquisas do Datafolha. Mas, numa campanha à reeleição de um presidente em apuros, a realidade é o único lugar onde se pode obter uma estratégia tentar atenuar o desastre. Os fatos não deixam de existir porque são ignorados. O risco que correm pessoas como o ministro das Comunicações, os caciques do centrão e a família Bolsonaro, que não levam em conta a realidade é que a realidade também deixe de levá-los em conta.

No seu esforço para se consolidar como leais ao presidente, devotos como Fábio Faria dispensam a Bolsonaro um tratamento parecido ao de uma personagem de ficção criada pelo escritor gaúcho Josué Guimarães —uma mulher que diminuía diariamente de tamanho. Os familiares se esforçavam para que ela não percebesse o próprio encolhimento. Rebaixavam os móveis, serravam os pés de mesas e cadeiras.

A diferença no caso de Fabio Faria e seus congêneres é que eles rebaixam a estatura de Bolsonaro sem adaptar a mobília. Prefere serrar os dados do Datafolha, desmerecendo o mesmo instituto que já usaram para enaltecer o chefe quando os números lhes pareceram favoráveis. O bolsonarismo demora a notar. Mas o negacionismo de pesquisa é um flerte com o ridículo.


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