18/05/2024 - Edição 540

Especial

A democracia vai vencer

A eleição não é entre direita e esquerda: é civilização ou barbárie

Publicado em 28/10/2022 1:48 - Semana On, DW, Jamil Chade (UOL) - Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Com a clara desaprovação apontada pelas mais recentes pesquisas, que indicam grandes possibilidades de derrota eleitoral neste segundo turno, a tática eleitoral dos grupos bolsonaristas se tornaram a cada dia mais violenta, com o próprio governo fortalecendo a descrença na segurança das urnas eletrônicas, nas instituições, promovendo a disseminação de factoides e fakenews, ameaças diretas e indiretas de golpe, e encorajando seus apoiadores no sentido do confronto direto entre o que ele diz ser “o bem” contra “o mal”.

Desemprego, fome, perda de direitos sociais e trabalhistas, inflação galopante, preço de alimentos nas alturas, aumento do desmatamento na Amazônia, extermínio dos povos indígenas, corrupção sistêmica no governo federal, aparelhamento de instituições como a Polícia Federal, a Procuradoria Geral da República, parcela do Ibama, da Funai, do ICMbio e toda uma realidade de crise e desespero estão longe das pautas centrais do atual governo. Em vez de tratar essas questões urgentes o governo diverte sua base, distraindo com o velho e hipócrita discurso de “Deus, pátria e família”, “contra a ideologia de gênero” e uma série de discursos ocos que estão distantes dos problemas reais do povo.

Não se trata de polarização política como alguns querem sustentar, porque o PT já polarizou com o PSDB durante 5 eleições, e em nenhum momento as divergências políticas se transformaram em ameaça à vida. O que estamos presenciando é o uso do Estado brasileiro à serviço do terrorismo político. Derrotar o governo Bolsonaro e o bolsonarismo é uma questão de civilidade.

Por isso é tão importante o resultado da pesquisa Datafolha desta semana, que mediu o apoio dos brasileiros à democracia. Estes brasileiros atingiram seu patamar mais alto desde 1989, quando começa a série histórica do Datafolha. A pesquisa, divulgada na quinta-feira (20/10), aponta que 79% dos eleitores consideram a democracia a melhor forma de governo.

Para outros 11% dos entrevistados, tanto faz se o regime de governo é democracia ou ditadura. Para 5%, em certas circunstância é melhor uma ditadura, o menor percentual da série, e 5% não opinaram.

O Datafolha entrevistou 2.912 pessoas, em 181 municípios, entre os dias 17 e 19 de outubro. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

O menor apoio à democracia na série histórica foi registrado em fevereiro de 1992, no último ano do governo Fernando Collor, quando apenas 42% a consideravam o melhor regime de governo.

Em setembro de 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, era de 50%, em dezembro de 2008, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, subiu para 61%, e em dezembro de 2014, no governo Dilma Rousseff, chegou a 66%.

A taxa recuou para 56% em setembro de 2017, na gestão Michel Temer, e voltou a subir em outubro de 2018, na eleição vencida por Jair Bolsonaro, quando era de 69%. Em janeiro de 2020, a taxa havia recuado para 62%.

Apoio à democracia sobe com escolaridade e renda

O apoio à democracia cresce de acordo com a escolaridade e a renda do eleitor, segundo a última pesquisa Datafolha.

Ela foi considerada a melhor forma de governo por 62% dos respondentes que tinham estudado até o Ensino Fundamental, 82% dos que haviam completado o Ensino Médio e 92% daqueles com Ensino Superior.

No corte por renda, o apoio à democracia é de 72% entre os que ganham até 2 salários mínimos, 86% entre os que ganham de 2 a 5 salários mínimos, 89% entre aqueles que recebem de 5 a 10 salários mínimos, e 93% entre os que ganham mais de 10 salários mínimos.

Diferença entre eleitores de Lula e Bolsonaro

Entre os eleitores que pretender votar em Lula no segundo turno, 78% consideram a democracia como a melhor forma de governo, 3% dizem que a ditadura é o melhor regime em alguns casos e 13% responderam que tanto faz.

Já entre os eleitores de Bolsonaro, 80% consideram a democracia a melhor forma de governo, 7% responderam que a ditadura é o melhor regime em alguns casos e 9% disseram que tanto faz.

Conceitos em jogo

A democracia é o regime político no qual todos os cidadãos podem eleger seus representantes, que irão governar e criar leis.

Nas democracias liberais, além da possibilidade de eleger representantes, o exercício do poder é limitado pela Constituição e dividido entre Executivo, Legislativo e Judiciário, com sistemas de freios e contrapesos e órgãos de controle. Também são garantidas diversas liberdades para seus cidadãos, como liberdade de expressão e de imprensa, além do respeito aos direitos humanos.

Durante o governo Bolsonaro, um apoiador da ditadura militar que comandou o Brasil de 1964 a 1985, o Brasil retrocedeu no índice de democracia liberal elaborado pelo Instituto Variedades da Democracia (V-Dem), grupo de pesquisa independente sediado na Universidade de Gotemburgo, na Suécia.

Segundo o V-Dem, o Brasil é um dos 12 países no mundo cujo sistema democrático está no momento pendendo para a autocracia. Nesses países, a erosão democrática é promovida por líderes democraticamente eleitos, que aos poucos vão minando as instituições de controle do poder e as liberdades civis.

Diversas entidades de defesa da democracia e dos direitos humanos apontaram ao longo do governo Bolsonaro que o presidente ameaça pilares da democracia liberal, como ao tentar intimidar o Supremo Tribunal Federal, mentir que há fraudes no processo eleitoral, restringir a atuação de órgãos de controle e atacar a liberdade de imprensa.

Bolsonaro, por sua vez, nega que seja contrário à democracia e busca manejar o uso do conceito a seu favor.

No final de agosto, durante evento de campanha em Vitória da Conquista, na Bahia, ele disse por exemplo que “não admitirá ações contra a democracia e a liberdade” e que “tudo fará contra aqueles que querem roubar a democracia”, em referência às suas mentiras de que haveria fraude no sistema eleitoral.

ONU pede que vontade do eleitor seja respeitada e ação contra desinformação

O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos pede que as autoridades brasileiras respeitem a livre escolha do cidadão na eleição e faz um alerta para que a desinformação seja combatida. As declarações foram feitas numa coletiva de imprensa, nesta sexta-feira em Genebra.

Em diversas partes do mundo, a eleição no Brasil mobiliza forças e movimentos de extrema direita e da ala progressista, enquanto democracias estrangeiras se prepararam para chancelar os resultados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ainda no domingo na esperança de se evitar um espaço para uma ruptura democrática ou um questionamento dos resultados.

Na ONU, a porta-voz de direitos humanos da entidade, Ravina Shamdasani, afirmou que, ainda no primeiro turno, a entidade expressou preocupação sobre “a conduta das campanhas nesta eleição”. Naquele momento, o alerta foi sobre os riscos de violência política.

Para este segundo turno, a entidade destaca que os “estados e autoridades públicas têm a obrigação de garantir e respeitar a livre expressão da vontade do eleitor”.

“Autoridades precisam adotar todas as medidas existentes para combater desinformação, para proteger a liberdade de expressão e para garantir que todos os cidadãos – sem qualquer tipo de discriminação – possam exercitar de forma segura seus direitos de livremente escolher seus representantes”, afirmou a porta-voz nesta sexta-feira, em Genebra.

No mês passado, antes de deixar seu cargo, a então alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, criticou os ataques do presidente Jair Bolsonaro contra as urnas e contra o Judiciário. Como resposta, o governo brasileiro pediu um encontro com a chilena e criticou sua postura. No início do ano, ela já havia alertado sobre os riscos das eleições no Brasil e possíveis interferências. A resposta, naquele momento, também foi dura por parte do Itamaraty.

Segundo o jornalista Jamil Chade (UOL), em diversas capitais estrangeiras, a ordem dos governos é de já preparar os telegramas para que, ainda no domingo, o vencedor da eleição seja parabenizado por líderes. A estratégia foi usada na eleição de Joe Biden, num esforço de sufocar a operação de Donald Trump para questionar o resultado e alertar sobre uma suposta fraude.

A reportagem conversou com altos representantes da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva que confirmaram que governos de democracias indicaram que querem evitar a repetição do cenário do Capitólio, nos EUA em 2021, e que acreditam que uma chancela ainda no domingo aos resultados do TSE pode mandar uma sinalização de que uma ruptura institucional não será bem-vinda.

Chade conversou com duas embaixadas estrangeiras em Brasília que, na condição de anonimato, admitiriam que esse era o plano, com uma sinalização ainda no domingo pela noite ao vencedor.

Foram ainda várias as mensagens de governos como o dos EUA ao Palácio do Planalto de que não haveria espaço para um questionamento do processo eleitoral brasileiro por parte de Jair Bolsonaro.

Entre diplomatas estrangeiros, o comportamento do ex-chanceler Ernesto Araújo e de outros bolsonaristas mais radicais de minimizar os acontecimentos no Capitólio é ainda considerado como um sinal de que, dentro do movimento de extrema direita no Brasil, os atos foram aplaudidos.

Também foi destaque o fato de que Bolsonaro e seus filhos repetiram naquele momento as mentiras de Donald Trump, insistindo que a eleição americana tinha sido fraudada. O brasileiro foi um dos últimos lideres internacionais a felicitar Biden pela vitória, causando um profundo constrangimento na relação entre os dois países e com um impacto que até hoje prevalece na administração americana.

Dentro das embaixadas, porém, fontes confirmaram que a tensão aumentou, diante da ofensiva de desinformação durante os últimos dias da campanha, os ataques de Bolsonaro contra a Justiça e constante convocação de apoiadores do bolsonarismo à violência.

Durante reuniões com diversos grupos de parlamentares na Europa e representantes de embaixadas, entidades de direitos humanos fizeram um apelo para que essa estratégia volte a ocorrer no Brasil, o que foi sinalizado de forma positiva.

Nesta semana, o presidente do governo da Espanha, Pedro Sanchez, e o primeiro-ministro de Portugal, Antonio Costa, anunciaram seu apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Ambos insistiram na defesa da democracia.

Ultraconservadores e populistas saem em defesa de Bolsonaro e produzem dossiê contra Lula

Mas a eleição também mobiliza a extrema direita mundial, que contou nos últimos quatro anos com o bolsonarismo no poder no Brasil para fazer avançar suas pautas e desmontar consensos em relação a aspectos de direitos humanos.

Em alguns movimentos, como na Espanha, documentos foram produzidos contra Lula. Alguns dos principais portais de extrema direita do mundo divulgaram notícias nos últimos dias, sugerindo que é a agenda ultraconservadora estaria sob ameaça no Brasil, caso o atual presidente não vença o pleito.

Um deles é o Life Site, que mistura notícias condenando o aborto, uma defesa do bolsonarismo e alertas sobre ataques contra igrejas no Brasil. No mesmo site, um dos focos é a crítica contra o papa Francisco.

Nas redes internacionais, os grupos ainda divulgam apoios à política econômica ultra neoliberal e temas de segurança pública no Brasil.?
Ainda no primeiro turno, a campanha de Bolsonaro veiculou um vídeo no qual diversas lideranças de extrema direita anunciavam seu apoio ao brasileiro.

Quase todos eles estavam fora do governo ou tinham sido derrotados em eleições recentes. Uma das exceções foi Viktor Orban, primeiro-ministro húngaro. A peça de propaganda ainda contava com Donald Trump Jr., filho do ex-presidente norte-americano, André Ventura, deputado português líder do movimento populista, o líder da extrema direita espanhola, Santiago Abascal, e outros nomes de forças de grupos reacionários.

Trump erra nome de Lula, diz que ele é lunático e declara apoio a Bolsonaro

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump usou sua rede social Truth nesta sexta-feira (28) para voltar a demonstrar apoio a Bolsonaro.

“Domingo é um grande dia para o Brasil e para o mundo. Um grande e respeitado líder, que também é um grande cara com um grande coração, presidente Jair Bolsonaro, concorre à reeleição. Seu adversário, ‘Lulu’ [sic] é um lunático da esquerda radical que quer destruir o seu país e todo o tremendo progresso feito sob o presidente Bolsonaro, incluindo o fato de que o Brasil é um país respeitado de novo”, escreveu em sua conta.

Ao fim da mensagem, em letras maiúsculas, Trump diz que Bolsonaro “nunca vai desapontar”.

No primeiro turno, disputado em 2 de outubro, o republicano já havia divulgado uma mensagem, mas em forma de vídeo, apoiando o candidato do PL. No texto, Trump dizia que os brasileiros tinham “uma grande oportunidade de reeleger um líder fantástico, um dos maiores presidentes que qualquer país poderia ter”.

O norte-americano ainda usou a sua rede social para se manifestar após o primeiro turno, em 2 de outubro, onde Bolsonaro ficou atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dizendo que seu aliado estava “em uma posição muito forte para ter uma grande vitória” no segundo turno.

Trump e Bolsonaro sempre foram aliados, inclusive, com o governo brasileiro sendo um dos últimos do mundo a reconhecer a vitória do democrata Joe Biden após as eleições norte-americanas de 2020.


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