18/05/2024 - Edição 540

Especial

A democracia sob ataque

Publicado em 18/02/2022 12:00 -

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Em seu discurso de despedida da presidência do Tribunal Superior Eleitoral, na última quinta (17), o ministro Luís Roberto Barroso apontou pelo menos sete “ações concretas e preocupantes” de Bolsonaro contra a democracia brasileira ao longo dos seus três anos de governo, cada uma mais grave do que a outra. E registrou: “Não foram apenas exaltações verbais à ditadura e à tortura.”

As ações concretas listadas pelo ministro:

1 – Comparecimento a manifestação na porta do comando do Exército, na qual se pedia a volta da ditadura militar e o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal;

2 – Desfile de tanques de guerra na Praça dos Três Poderes, com evidentes propósitos intimidatórios;

3 – Ordem para que caças sobrevoassem a Praça dos Três Poderes, com a finalidade de quebrar as vidraças do Supremo Tribunal Federal, em ameaça a seus integrantes, como revelado pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Raul Jungmann;

4 – Comparecimento à manifestação de 7 de setembro com ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal e ameaças de não mais cumprir decisões judiciais;

5 – Pedido de impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal, em razão de decisões judiciais que desagradavam;

6 – Ameaça de não renovação de concessão de emissora que faz jornalismo independente;

7 – Agressões verbais a jornalistas e órgãos de imprensa, entre outras.

Sem citar o nome de Bolsonaro, o ministro aplicou-lhe duas poderosas estocadas, ao dizer:

“Num mundo que assiste preocupado à ascensão do populismo extremista e autoritário, rescendendo a fascismo, a preservação da democracia e o respeito às instituições passaram a ser ativos valiosos, indispensáveis para quem queira ser um ator global relevante. Não é de surpreender que dirigentes brasileiros não sejam hoje bem-vindos em nenhum país democrático e desenvolvido do mundo. E, nos eventos multilaterais, vagam pelos corredores e calçadas sem serem recebidos.”

“Uma das estratégias das vocações autoritárias é procurar desacreditar o processo eleitoral, fazendo acusações falsas e propagando o discurso de que ‘se eu não ganhar, houve fraude’. Trata-se de repetição mambembe do que fez Donald Trump nos Estados Unidos, procurando deslegitimar a vitória inequívoca do seu oponente e induzindo multidões a acreditar na mentira.”

Por fim, Barroso mandou um recado a quem possa interessar:

“A imprensa profissional é um dos antídotos contra esse mundo da pós-verdade e dos fatos alternativos, disfarces para a mentira e as notícias fraudulentas.”

No último dia 13, o ministro já havia dado o tom ao descer novamente à frente de batalha para defender as urnas eletrônicas dos ataques de Bolsonaro. Segundo o ministro, o presidente "tinha dado a palavra de que esse assunto estava encerrado." Mas rodou um "filme repetido" ao declarar em sua live do último dia 10 que o TSE "ficou em silêncio" ao receber "dezenas de vulnerabilidades" identificadas pelo Exército no sistema eletrônico de votação. Barroso soou corrosivo: "Ele não precisa de fatos, a mentira já está pronta".

Em entrevista ao Globo, Barroso recordou que Bolsonaro "chegou a elogiar o sistema de votação eletrônico brasileiro." Mas repete o filme "com um mau roteiro". O ministro não enxerga "nenhuma razão para assistir à reprise." Avalia que a versão original já descredenciou o roteirista: "Antes, o presidente dizia que tinha provas de fraude. Intimado a apresentá-las, não havia coisa alguma. Essa é uma retórica repetida. É apenas um discurso vazio."

Eis o que disse Bolsonaro na sua transmissão ao vivo pelas redes sociais: "Nosso pessoal do Exército, da guerra cibernética, buscou o TSE e começou a levantar possíveis vulnerabilidades. Foram levantadas várias, dezenas de vulnerabilidades. Foi oficiado o TSE para que pudesse responder às Forças Armadas. Passou o prazo e ficou um silêncio. O prazo de 30 dias se esgotou no dia de hoje."

Agora, a resposta de Barroso: "Há um representante das Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições. Em dezembro, ele apresentou uma série de perguntas para entender como funciona o sistema. Elas entraram às vésperas do recesso. Em janeiro, boa parte da área técnica do TSE faz uma pausa, e agora as informações solicitadas estão sendo prestadas e vão ser entregues na semana que vem. Só tem perguntas. Não há nenhum comentário. Não falam de vulnerabilidade…"

"…Quando o presidente diz que encontraram vulnerabilidades antes mesmo de receber as respostas às indagações, ele está adiantando, desavisadamente, a estratégia que ele pretende adotar. Para falar a verdade, ele queimou a largada. Ele lança mão dos questionamentos feitos pelo representante das Forças Armadas, quando, na verdade, tudo o que foi feito foram algumas perguntas e, antes de ter recebido as respostas, já disse que tem vulnerabilidades. Ele antecipou a estratégia dele, que é: não importa quais sejam as respostas, eu vou dizer que o sistema eleitoral eletrônico tem vulnerabilidades. Ele não precisa de fatos, a mentira já está pronta."

Edson Fachin exercerá a presidência do TSE até agosto. Na sequência, assumirá o ministro Alexandre de Moraes, que terá a incumbência de presidir a Corte durante a votação e a apuração das eleições de 2022.

Barroso, Fachin e Moraes são também ministros do Supremo Tribunal Federal. No momento, discutem o que fazer com o Telegram. O aplicativo de estimação de Bolsonaro, seus filhos e seus seguidores não possui representante no Brasil. Ignorou todas as tentativas do TSE de estabelecer um contato.

Perguntou-se a Barroso se acha viável banir do Brasil o Telegram. E ele: "Nenhum ator relevante no processo eleitoral pode atuar no país sem que esteja sujeito à legislação e a determinações da Justiça brasileira. Isso vale para qualquer plataforma. O Brasil não é casa da sogra para ter aplicativos que façam apologia ao nazismo, ao terrorismo, que vendam armas ou que sejam sede de ataques à democracia que a nossa geração lutou tanto para construir. Como já se fez em outras partes do mundo, eu penso que uma plataforma, qualquer que seja, que não queira se submeter às leis brasileiras deva ser simplesmente suspensa. Na minha casa, entra quem eu quero e quem cumpre as minhas regras."

Na opinião de Barroso, cabe "preferencialmente" ao Congresso decidir como tratar o Telegram. Há inclusive um projeto sobre fake news em tramitação na Câmara. O ministro diz ter conversado com o relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Enfatizou a necessidade de exigir que plataformas com operação no Brasil tenham representação no país.

Barroso não exclui, porém, a hipótese de o Judiciário agir, desde que seja provocado. "Acho muito possível que este pedido venha em alguma demanda ou perante o TSE ou o Supremo. Nesse caso, o tribunal não pode deixar de decidi-la por supostamente inexistir uma lei específica. Portanto, teremos que decidir, na forma da Constituição e das leis, se alguém pode operar no Brasil fora da lei."

E quanto à alegação de que a liberdade de expressão estaria sob risco? Barroso vai ao ponto: "Liberdade de expressão não é liberdade para vender arma. Não é liberdade para propagar terrorismo, para apologia ao nazismo. Não é ser um espaço para que marginais ataquem a democracia. Portanto, ninguém quer censurar plataforma alguma, mas há manifestações que não são legítimas."

A despeito das turbulências, Barroso avalia que "o TSE assegurará eleições livres, limpas e seguras." Ele repete que "a democracia tem lugar para liberais, para progressistas e para conservadores. Ela só não tem lugar para os que querem destruí-la." Acredita que "já superamos os ciclos do atraso". Não vê "risco de retrocesso, apesar de termos tido alguns maus momentos recentes."

Quais foram esses maus momentos? "Comício do presidente na porta do quartel-general do Exército, tanques na Praça dos Três Poderes, a minguada manifestação do 7 de setembro com discursos golpistas de desrespeito a decisões judiciais e ataques a ministros. Tudo isso eu acho que mais revela limitações cognitivas e baixa civilidade do que propriamente um risco real."

Fachin diz que Justiça Eleitoral pode estar sob ataque de hackers

No último dia 16, Fachin afirmou que a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque hacker. De acordo com o magistrado, a Rússia, país visitado nesta semana pelo presidente Jair Bolsonaro, deve ser a origem da maior parte da ofensiva.

“A preocupação com o ciberespaço se avolumou imensamente nos últimos meses, e eu posso dizer a vocês que a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers, não apenas de atividades de criminosos, mas também de países, tal como a Rússia, que não têm legislação adequada de controle”, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

“Em relação aos hackers que advêm da Rússia, os dados que nós temos dizem respeito a um conjunto de informações que estão disponíveis em vários relatórios internacionais e muitos deles publicados na imprensa. Há relatórios públicos e relatórios de empresas privadas, que a Microsoft fez publicar perto do fim do ano passado, que (mostram que) 58% dos ciberataques têm origem na Rússia”, acrescentou.

Para Fachin, no entanto, não acredita que ocorrerá no Brasil, caso Bolsonaro não seja reeleito, um episódio que se assemelhe à invasão do Capitólio nos Estados Unidos.

“Eu não creio que irá acontecer. Tenho esperança de que não aconteça e vou trabalhar para que não aconteça. Mas, numa circunstância como essa, nós teremos, certamente, o maior teste das instituições democráticas do Brasil”, declarou.  “Um grande teste para o Parlamento, que, na democracia representativa, representa a sociedade. Um grande teste para as Forças Armadas, que são forças permanentes, institucionais, do Estado, e que estou seguro que permanecerão fiéis à sua missão constitucional e não se atrelarão a interesses conjunturais. Também será um teste para a Justiça Eleitoral, que é uma instituição permanente do Estado”.

Na conversa, o ministro do STF apontou o que faz crer que o pior não acontecerá no País. “Em primeiro lugar, contribui para isso que nós tivemos 25 anos de uma ditadura civil-militar cujo resultado foi um resultado que trouxe consequências nefastas para o Brasil. Ditadura nunca mais”.

Bolsonaro ataca juízes para preparar um tumulto

Aproveitando-se da declaração de Edson Fachin, Bolsonaro fez novo ataque ao Judiciário. Declarou que Fachin, Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso se comportam "como adolescentes" e atuam com o deliberado propósito de prejudicar sua candidatura à reeleição para favorecer a vitória de Lula. A nova investida potencializa a impressão de que Bolsonaro se comporta como delinquente. Com o mandado ameaçado, prepara uma confusão.

As declarações de Fachin sobre a ameaça hacker chegaram a Bolsonaro quando ele visitava Moscou. E o presidente vestiu a carapuça. Acusou Fachin de produzir "fake news". "Não é verdade que eu estou na Rússia para programar um ataque 'hacker' aos computadores do TSE", disse Bolsonaro, defendendo-se de uma acusação que o ministro não fez.

Bolsonaro poderia ter feito uma crítica pertinente a Fachin, que assumirá a presidência do TSE na próxima semana. Bastaria perguntar o seguinte: Se Fachin acha que a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers, por que não requisitou abertura de inquérito à Policia Federal?

Em vez de levantar o questionamento justificável, Bolsonaro preferiu deturpar o comentário do ministro para reiterar que Fachin, Barroso e Moraes agem com o objetivo de desgastá-lo. Bolsonaro disse que os três magistrados "têm partido político." Por isso, "não querem o Bolsonaro lá e querem o outro, que esteve há pouco tempo no xadrez."

Por trás dos reiterados ataques de Bolsonaro aos ministros do TSE e do Supremo há o projeto de causar tumulto. O candidato à reeleição não implica com magistrados ou com as urnas. Sua implicância é com a perspectiva de derrota.

Diante do risco de insucesso, Bolsonaro arma o cenário para questionar o resultado das urnas, acusando os presidentes do TSE —o ex, o atual e o futuro— de participar de uma hipotética fraude. A balbúrdia não impedirá a troca de comando em caso de eventual derrota de Bolsonaro. Mas não ajudará a curar o surto de ódio que envenena o Brasil.

Forças Armadas e PF viram peças da campanha

A serviço de Bolsonaro, o general Walter Braga Netto e o policial federal Paulo Maiurino contribuíram para rebaixamento das instituições que comandam. Ajudaram o presidente a empurrar as Forças Armadas e a Polícia Federal para dentro da campanha eleitoral.

Pretendente à vaga de vice na chapa de Bolsonaro, o ministro da Defesa Braga Netto forneceu ao chefe matéria-prima manter em funcionamento a fábrica de mentiras sobre as urnas eletrônicas. E Maiurino entregou ao comitê de reeleição uma nota oficial que chama o candidato Sergio Moro de mentiroso.

A parceria de Braga Netto com Bolsonaro expôs a armadilha em que o Tribunal Superior Eleitoral caiu ao convidar um militar para compor o comitê de transparência das eleições. O ministro Luis Roberto Barroso havia convidado um almirante. Braga Netto vetou, indicando o general Heber Portella.

O veto não foi casual. O escolhido preparou o questionário para que Bolsonaro cobrasse do TSE resposta sobre as "vulnerabilidades" detectadas nas urnas pelas Forças Armadas. A divulgação do material mostrou que não há senão perguntas técnicas. Mas o que acontecerá se Braga Netto ecoar Bolsonaro afirmando que há, sim, "vulnerabilidades"?

Paulo Maiurino mandou divulgar a nota que acusa Moro de mentir em reação à declaração do candidato de que "hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por grande corrupção." O chefe da polícia alegou que a corrupção é, sim, investigada.

Maiurino virou protagonista de uma queixa-crime protocolada pelo delegado Alexandre Saraiva no TSE. O colega acusa Maiurino de usar a PF para fins eleitorais.

Saraiva foi afastado da chefia da PF no Amazonas após acusar o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de se associar a traficantes de madeiras. Uma evidência de que o problema da PF não são as investigações realizadas, mas as que deixam de ser feitas.


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