09/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Tic, tac, tic, tac

Patrocínio do terrorismo e minuta do golpe acionam contagem regressiva para Bolsonaro

Publicado em 13/01/2023 10:56 - Victor Barone

Divulgação

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Derrotado na batalha contra a urna eletrônica, Bolsonaro forneceu aos investigadores do Capitólio brasiliense uma minuta impressa e verificável de golpe contra a democracia. Apreendido pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o texto do decreto redigido para intervir na Justiça Eleitoral e anular a eleição de Lula coloca no caldeirão da investigação da Polícia Federal personagens como Bolsonaro, o general Braga Netto e Valdemar Costa Neto.

Ligando-se o decreto a episódios que marcaram o isolamento de Bolsonaro após a derrota eleitoral, verifica-se que o ovo da serpente que destruiu as instalações dos três Poderes em 8 de janeiro foi chocado no Alvorada. No final de novembro, após visitar Bolsonaro, o general Braga Netto, candidato a vice na chapa derrotada, parou o carro no cercadinho para conversar com um grupo de bolsonaristas. Soou enigmático: “Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora”. Uma senhora interveio: “A gente está na chuva, no sufoco”. E o general: “Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom?”.

Um dia depois, Valdemar Costa Netto, o dono do PL, disse ter sido pressionado por Bolsonaro num encontro no Alvorada para ingressar com ação no TSE questionando cerca de 250 mil urnas antigas usadas nas eleições de 2022. Protocolada na semana seguinte, a ação foi rejeitada e rendeu uma multa de R$ 22,9 milhões ao PL. Mas ficou evidente desde então que a ociosidade de Bolsonaro era apenas cenográfica. Ele operava no bunker do Alvorada para prolongar os acampamentos que pediam golpe no portão dos quarteis e articulava investidas contra o TSE.

A apreensão da minuta golpista na casa de Anderson Torres, que também frequentou os subterrâneos do Alvorada, atribui um sentido à movimentação do capitão. Bolsonaro tramava o caos para estimular a crença a segundo a qual o resultado da eleição presidencial poderia ser modificado por uma reviravolta qualquer. Na live que levou ao ar na véspera de sua fuga para a Flórida, ele lastimou não ter conseguido apoio para o golpe que evitaria a posse de Lula: “Eu busquei dentro das quatro linhas se tinha alguma alternativa para isso aí”, disse Bolsonaro. “Certas medidas têm que ter apoio do Parlamento, do Supremo, de outros órgãos e instituições.”

O roteiro para a investigação está traçado. As evidências estão documentadas em vídeos e folhas de papel. Nunca foi tão fácil investigar. Alexandre de Moraes declarou que não há espaço para “apaziguamento”. Resta transformar a fala em punição.

Por Josias de Souza

TIC, TAC, TIC, TAC…

Oito entre os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal concordam: o documento apreendido pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres é a marca de batom que faltava na cueca de Bolsonaro. Junto com outros indícios e provas, deverá resultar na cassação dos direitos políticos dele. Dois ministros votarão contra – os bolsonaristas André (terrivelmente evangélico) Mendonça e Kássio Nunes Marques. A ministra Rosa Weber, presidente do tribunal, não diz o que pensa a respeito nem aos seus colegas de maior confiança. Ela só fala nos autos. Mas costuma acompanhar a maioria.

Está aí o que Bolsonaro queria dizer ao repetir que sempre jogou e que continuaria jogando “dentro das quatro linhas da Constituição”. O documento sugere que ele pretendia decretar o chamado Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral para anular o resultado da eleição ganha por Lula.

Seria uma medida inconstitucional, e por isso um ato de força que se adotado acabaria com a democracia no país, dando lugar a um regime autoritário. Só seria possível por meio de um golpe. Ele não contaria para isso com o apoio dos presidentes da Câmara, do Senado e da maioria dos partidos, mas, e daí? Parte do Alto Comando das Forças Armadas o apoiaria, alguns dos milhões de brasileiros que votaram nele também, fora os bolsonaristas ensandecidos que encontraram abrigo à porta de quartéis. O 8 de janeiro foi a tentativa desesperada de Bolsonaro de dar o golpe que preferiu assistir de longe.

Se Lula tivesse convocado o Exército para conter a fúria dos que invadiram o Planalto e os prédios do Congresso e do Supremo, o poder estaria nas mãos dos generais que conspiram contra ele. Lula decretou intervenção no Distrito Federal, o Supremo afastou o governador Ibaneis Rocha, e o golpe perdeu força.

Não quer dizer que o perigo passou – ainda está longe disso. O país uniu-se em torno do novo governo, menos pelo governo e mais em defesa da democracia ameaçada. Algo como 93% dos brasileiros condenaram o golpe, segundo pesquisa Datafolha divulgada ontem. A impunidade não vingará desta vez. Sem anistia.

Torres será preso tão logo volte. Bolsonaro não poderá ficar nos Estados Unidos por muito tempo. Se pedir asilo no México, talvez consiga. O México tem tradição de dar asilo a quem pede. Se voltar ao Brasil não será preso de imediato. Mas não estará livre de ser depois que a poeira baixar. Hoje é a primeira sexta-feira 13 do ano. Tic,tac,tic.

Por Ricardo Noblat

SEM ALARDE

Num instante em que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre Moraes monopoliza os holofotes, um outro magistrado conduz ações que podem ser radioativas para Bolsonaro como um maestro de orquestra, de costas para o público. Sem alarde, Benedito Gonçalves, ministro-corregedor do TSE, toca 15 ações de investigação judicial eleitoral contra o capitão. Ouvidos pela coluna, dois colegas de Benedito avaliam que o trabalho do ministro levará à cassação dos direitos políticos de Bolsonaro. Algo que o impediria de disputar eleições por oito anos.

Há no TSE a expectativa de que será anexada a processos contra Bolsonaro a minuta golpista de decreto apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Isso pode acontecer por iniciativa dos autores das ações, do Ministério Público Eleitoral ou por requisição do próprio relator. No limite, o documento pode ser compartilhado com Benedito pelo seu amigo Alexandre Moraes, que preside o TSE e comanda no Supremo o inquérito de onde partiram as ordens de prisão e de busca e apreensão contra Anderson Torres.

Para desassossego de Bolsonaro, o algoz Benedito Gonçalves é próximo ao PT e desfruta da admiração de Lula. Está na fila dos cotados à indicação para uma cadeira no Supremo. Há dois dias, participou como convidado ilustre, no Planalto, da posse conjunta das ministras Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Anielle Franco (Igualdade Racial). Durante a solenidade, Lula sancionou projeto que equipara o crime de injúria racial ao de racismo. Foi elaborado por comissão de juristas presidida por Benedito, que recebeu cumprimentos de Lula.  O julgamento de ações eleitorais costuma ser demorado. Coisa de dois a três anos. Benedito Gonçalves diz em privado que planeja subverter essa tradição. O ministro pisa no acelerador.

Por Josias de Souza

DIREITOS HUMANOS

Detidos por tentar promover um golpe de Estado e destruir o patrimônio público, 1,5 mil bolsonaristas que desprezavam o “povo dos direitos humanos” estão descobrindo para que servem esses mecanismos. Seu “mito” tem repetido ao longo de sua carreira política que “bandido bom é bandido morto” e que quem não quer ser estuprado ou morto numa prisão, então que não cometa crimes.

Hoje, os criminosos descobrem que, se essas máximas de seu líder fossem usadas pelas forças de ordem e pela Justiça contra eles, teriam sérios problemas. Não há como negar que balas de borracha ou “perdidas”, golpes, execuções sumárias, sufocamento e tortura estão reservados em nosso país apenas a outro segmento da população.

Mas não é o momento de desejar a esses criminosos bolsonaristas o mesmo destino. O que precisamos é que todos tenham direitos, mesmo detidos.

Eles incluem:

a garantia da dignidade

a garantia de acesso à Justiça

a garantia de um processo justo

Os direitos humanos não são apenas para uma parcela da população. São para todos e infraestrutura fundamental para a construção de uma democracia. Não se trata de um luxo.

O contrário de uma sociedade pobre não é uma sociedade rica. Mas, sim, um país justo. E sem as garantias de direitos humanos, isso é apenas uma utopia.

Por Jamil Chade

GENTE DOIDA

Bolsonaristas em Brasília não percebem que estão detidos: ‘Nem na cadeia tem isso’.

EM CANA

O deputado estadual Leonel Radde divulgou em suas redes o momento em que os terroristas chegaram à cadeia. “Chegada dos terroristas Bolsonaristas na Papuda, o seu novo acampamento. E lembrando: meninos da papuda e meninas na colmeia!”, ironizou Radde.

ELAS ACHAM QUE ESTÃO DE FÉRIAS

Viralizou nas redes sociais um vídeo em que mulheres presas por participação nos atos golpistas do último dia 8 reclamam das condições do banheiro e da comida servida na Academia Nacional de Polícia Federal. As presas alegam que o banheiro parece um “chiqueiro” e que foram oferecidas a elas “marmita de cadeia”, que nem “cachorro come”. E pedem socorro aos “direitos humanos”, à ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), à deputada Carla Zambelli (PL-SP) e à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. “Damares, socorro, Damares. Socorro, Carla Zambelli. Nos ajudem. Michelle Bolsonaro, te mexe, mulher!”

GAGÁ

O ex-decano do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello afirmou ao Globo que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não tem culpa sobre a invasão protagonizada por seus simpatizantes ao Congresso Nacional. Ele também culpou o Supremo pelos atos.

LIXO DA HISTÓRIA

O senador Sergio Moro (União Brasil- PR) escreveu em sua conta no Twitter que o governo Lula está “preocupado em reprimir protestos”. Horas depois, disse que os protestos têm que ser “pacíficos” e não condenou os ataques e a destruição ao patrimônio público em Brasília.

Três horas depois, Moro tuitou novamente.

MÁFIA DE BRANCO

Presidente interina do Conselho Federal de Medicina (CFM), Rosylane Nascimento das Mercês Rocha compartilhou em rede social imagens dos ataques ao Congresso. O parlamento foi um dos alvos dos terroristas, que incluíram ainda o Palácio do Planalto, sede do Executivo, e a sede Supremo Tribunal Federal (STF).

Conforme imagens divulgadas pelo jornal Correio Braziliense, a médica cirurgiã e do Trabalho postou vídeos do momento em que os invasores sobem a rampa do Congresso, após passar por policiais. Incluiu uma legenda: “Agora vai”. E publicou imagem de uma escultura, Justiça, instalada diante do STF, com a frase “Perdeu mané”. Posteriormente, ela pôs o perfil no privado.

TERRORISMO BOLSONARISTA

Durante ato pró-democracia na Rua Augusta, em São Paulo, um homem armado foi detido pelos manifestantes na segunda-feira (9). O apoiador de Jair Bolsonaro (PL) identificado como Marco Akira Fugimoto afirmou que estava no local ‘para matar’ os militantes antifascistas. Em vídeos que circulam nas redes sociais, é possível ver o golpista armado sendo rendido. “O que te inspira estar aqui, veio?”, pergunta um dos manifestantes. “Vim matar vocês”, rebate o bolsonarista. As manifestações em defesa da democracia ocorrem um dia após os atos terroristas em Brasília.

CRIMINOSO

O pastor Mauro Sérgio Aiello, da Igreja Presbiteriana do Brasil em Mogi das Cruzes (SP), defendeu os atos golpistas em Brasília durante o seu culto no último domingo (8). Segundo ele, o país está na iminência de uma “guerra civil” e o brasileiro deve pegar em armas para se defender. Na pregação, transmitida ao vivo pelo canal da IBCM no Youtube, disse que o momento é de “agir”. “A corda esticou e está quebrando, minha gente. E eu vejo um país na iminência de uma guerra civil e de uma convulsão” (…). Nós não vamos pegar em armas para atacar, mas se for necessário pegar para nos defender nós o faremos. O brasileiro de verdade não foge à luta. Somos uma nação pacífica e ordeira, mas há um momento em que nós precisamos agir”.

FASCISTA E COVARDE

A Polícia Civil identificou o homem que agrediu o advogado Cristiano Zanin em um banheiro do aeroporto de Brasília (DF) na última quarta-feira (11). Trata-se de Luiz Carlos Basseto Júnior, de 29 anos. O rapaz é morador de São Paulo e se declara ’empresário’. Zanin foi agredido verbalmente. Entre as ofensas, o detrator sugere agredir fisicamente o advogado que, elegantemente, ignora todos os insultos.  Ao sair do banheiro, um policial já aguardava por Zanin, que reportou o ocorrido. A equipe do advogado já solicitou as imagens de câmeras de segurança do aeroporto para identificar o agressor, que responderá na Justiça por seus atos.

FRASES DA SEMANA

“Não podemos mais ignorar ou subestimar o fato de que a raça e a etnia são determinantes para a desigualdade de oportunidades no Brasil em todos os âmbitos da vida.” (Aniellie Franco, ministra da Igualdade Racial)

Bolsonaro está praticamente incomunicável e não trocou mensagens nem conversou com ninguém sobre isso. Não articulou nem teve qualquer participação. Esse perfil de quebra-quebra não é dos manifestantes que estavam acampados em Brasília, é de pessoas de fora”. (Flávio Bolsonaro)

“Não é possível um movimento durar o tempo que durou na frente dos quartéis se não tiver gente financiando. Vamos investigar e chegar a quem financiou. Foi muito difícil conquistarmos a democracia nesse país. Precisamos aprender a conviver democraticamente na diversidade.” (Lula)

“Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na prática de atos antidemocráticos. O Judiciário não vai decepcionar o Brasil!” (Alexandre de Moraes, STF)

“Meu voto em Lula foi político, e não me arrependo. Me preocupava mais com o que aconteceria à democracia do Brasil com Bolsonaro do que o que Lula faria na economia, mesmo não tendo clareza quanto a isso.” (Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo FHC)

“É preciso que a gente saiba que é o Congresso que nos ajuda, nós não mandamos no Congresso, dependemos do Congresso –e por isso, cada ministro tem que ter a paciência e a grandeza de atender bem cada deputado ou cada deputada que o buscar”. (Lula, presidente)

 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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