09/05/2024 - Edição 540

Ágora Digital

“Foi sem querer querendo” diz Bolsonaro em depoimento à PF

O jornalista Victor Barone resume a semana política

Publicado em 26/04/2023 2:37 - Victor Barone

Divulgação

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“Foi sem querer querendo”, afirmava, com expressão angelical, Chaves, interpretado pelo genial ator mexicano Roberto Bolaños. Era um de seus bordões mais características, dito sempre que era flagrado depois de alguma travessura. No depoimento que prestou hoje à Polícia Federal, o ex-presidente Jair Bolsonaro seguiu o estilo do personagem do seriado mexicano para tentar justificar uma de suas várias postagens golpistas.

O delegado da PF estava interessado em saber sobre o vídeo que Bolsonaro postou no Facebook dois dias após 8 de janeiro, data da invasão das sedes dos poderes da República por golpistas. Na postagem, um suposto especialista argentino questionava a confiabilidade das urnas eletrônicas. Pouco tempo depois, o ex-presidente, que estava internado em um hospital, retirou o vídeo.

No depoimento de hoje, Bolsonaro alegou à PF que a postagem foi feita por engano, em virtude dos efeitos de um medicamento.

“Ele tentava transmitir para o seu arquivo de WhatsApp para assistir posteriormente. Por acaso, justamente nesse período ele estava internado em um hospital em Orlando”, alegou o advogado Paulo Cunha Bueno, que esteve com o ex-presidente no depoimento. “Foi feita de forma equivocada, tanto que pouco depois, duas ou três horas depois, ele foi advertido e imediatamente retirou a postagem”.

Não se sabe como a justificativa de Bolsonaro foi recebida pelo delegado da Polícia Federal, mas na política tanto apoiadores quanto opositores do ex-presidente esperavam uma desculpa melhor.

Por Chico Alves

Bolsonaro afirmou, ainda, que havia tomado morfina por causa de uma obstrução intestinal pouco antes de publicar o vídeo.

O ex-chefe de Executivo também é investigado no inquérito dos atos golpistas por ser supostamente um de seus autores intelectuais. Ao longo de seu mandato (2019-2022), o ex-presidente acumulou declarações de cunho golpista e, ao perder as eleições, além de não reconhecer o resultado, incentivou apoiadores a permanecerem em acampamentos que pediam às Forças Armadas uma intervenção federal que impedisse a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Jair Bolsonaro acumula 15 milhões de seguidores em sua conta no Facebook, onde a peça foi compartilhada. No Instagram, esse número sobe para 25,3 milhões. No Twitter, por sua vez, cai para 11,3 milhões.

Bolsonaro coleciona dois encontros com a polícia em menos de um mês. No dia 5 de abril, foi inquirido sobre as joias sauditas. Nesta quarta-feira (26), lidou com a suspeita de ser mentor intelectual do 8 de janeiro. Noutros tempos, falava dez vezes antes de pensar. Liberdade de expressão, dizia, enquanto produzia provas contra si mesmo. Hoje, está condenado à meia palavra. Ou a palavra nenhuma. A liberdade constitucional que mais aprecia é o direito de não se autoincriminar. Em relação ao quebra-quebra golpista, Bolsonaro acorrentou-se a um mantra: “Nada a ver”. Pouparia o tempo dos interlocutores se gravasse essa expressão na testa.

Bolsonaro não tem nada a ver com os ataques aos prédios dos Três Poderes, como não teve nada a ver com o acampamento de bolsonaristas na frente do QG do Exército. Em 9 de dezembro, numa das várias falas dúbias que produziu após a derrota, disse aos devotos: “Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês. […] Vamos vencer. Se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno”. Mas ele não tem nada a ver com barracas armadas quando estava recluso no Alvorada. Nada a ver com o quebra-quebra, pois se encontrava no autoexílio da Flórida.

Uma minuta de golpe foi apreendida dentro do armário do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Documentos e depoimentos confirmam que Anderson Torres mapeou as cidades onde Lula foi mais votado no primeiro turno. No segundo round, armou barricadas da Polícia Rodoviária Federal para dificultar o encontro de eleitores de Lula com as urnas. Nessa época, Anderson encontrou-se várias vezes com o chefe. Mas Bolsonaro não tem nada a ver com isso.

No depoimento sobre as joias, em 5 de abril, Bolsonaro fez pose de pobre-coitado. Alegou que, mantido no escudo por Bento Albuquerque, o ministro que transportou presentes como se fossem contrabando, tentou reaver na última hora os diamantes retidos na alfândega apenas para evitar o “vexame diplomático” de um inexistente leilão. No caso do golpe, Bolsonaro faz pose de cachorro chutado, como se apanhasse mesmo quando não tem nada a ver com nada. O problema é que, no seu caso, nada tornou-se uma palavra que ultrapassa tudo.

Bolsonaro foi incluído no inquérito que investiga a autoria intelectual dos atos golpistas por ter compartilhado no Facebook, dois dias depois dos ataques às sedes dos Três Poderes, um vídeo que sugeriu que a vitória de Lula foi fraudulenta. Ironicamente, esse é o único tópico do passivo judicial de Bolsonaro sobre o qual ele poderia dizer “nada a ver”. Não foi o capitão quem realizou a postagem, mas o filho Carlos Bolsonaro, que gerencia os seus perfis eletrônicos.

Por Josias de Souza

RARA FINEZA

Demorou quatro anos, mas o cantor, compositor e escritor Chico Buarque recebeu o Prêmio Camões. Em Lisboa, na véspera dos 49 anos da Revolução dos Cravos. E das mãos dos presidentes do Brasil, Luiz Inácio da Silva, e de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. Apesar de a premiação – unânime – ter sido anunciada em 2019, a entrega só ocorreu agora, na segunda-feira (24), porque o ex-presidente Jair Bolsonaro recusou-se a assiná-lo. O Camões é oferecido pelos governos brasileiro e português.

Chico agradeceu pelo fato de o ex-presidente ter tido a “rara fineza de não sujar” seu prêmio. “Quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade. Porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás”, afirmo. Assim, a premiação seria um desagravo aos autores e artistas “humilhados e ofendidos” (expressão cunhada por Dostoiévski) após quatro anos de estupidez e obscurantismo.

BARBERAGEM

Após uma declaração polêmica, feita em meio a uma reunião com governadores sobre violência nas escolas, em que afirmou que pessoas com “deficiência mental” têm “problemas de desequilíbrio de parafuso”, o presidente Lula usou suas redes sociais para pedir desculpas pelos termos usados durante o encontro.

AMBIENTE DEGENERADO

Na política, nem todos conseguem fazer o que imaginam que sabem. Mas qualquer um acha que pode dizer o que bem entende. Sergio Moro sabe que não há acusação mais grave para um magistrado do que a venda de sentenças. Mas sentiu-se à vontade para declarar em público que seu desafeto Gilmar Mendes comercializa habeas corpus. Descobriu da pior maneira que o encontro da loquacidade desmedida com uma câmera de celular termina em encrenca.

Por Josias de Souza

VAZA

O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse que deixará de administrar as redes sociais do pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em publicações em suas redes sociais, Carlos escreveu que “em breve chegará o fim deste ciclo de vida”. Em tom de desabafo, o filho do ex-presidente afirmou que “pessoas ruins” estariam ganhando com seu trabalho e que ele teria sido “tratado de modo que nem um rato mereceria”. “Não acredito mais no que me trouxe até aqui”, ressaltou.

CANA NELE

Os Emirados Árabes Unidos aceitaram o pedido de extradição do empresário bolsonarista Thiago Brennand. Ele responde a cinco processos e é acusado de estupro e agressão contra as mulheres. A decisão ocorre após a visita do presidente Lula ao país no Golfo Árabe. Há cinco mandados de prisão preventiva contra Thiago Brennand emitidos pela Justiça do Brasil. Contudo, desde o ano passado, ele estava foragido nos Emirados Árabes Unidos e se recusava a se entregar às autoridades. O pedido de extradição foi feito pelas autoridades brasileiras em dezembro de 2022, mas até março deste ano seguia em análise pela chancelaria dos Emirados Árabes. Depois do encontro de Lula com o xeique Mohammed bin Zayed Al Nahyan, o país árabe confirmou que irá acatar a ordem de extradição. A informação é da Globo.

Brennand é acusado de agredir uma modelo em uma academia, tatuar à força e sequestrar uma mulher, além de estuprar outras duas vítimas. Além disso, ele é processado por corrupção de menores por ter agredido pessoas na presença de seu filho de 16 anos de idade. Em março de 2023, o empresário teve mais de 60 armas apreendidas em um clube de tiro. Ele se registrou como CAC, mas perdeu a licença após os processos judiciais e perdeu os equipamentos durante operação da polícia civil.

MENTIROSA

Em vídeo gravado no último domingo e postado nas redes sociais, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro afirmou: “Ficamos quatro anos no Alvorada, não fizemos nenhuma licitação de enxoval, não tinha toalha, roupas de cama decentes. Usei meus lençóis na minha cama, na de visitas, para não fazer licitação, porque entendi o momento que estávamos vivendo”. Mentiu. O Portal da Transparência registra duas compras em nome da Presidência da República feitas pelo servidor Maurílio Costa dos Santos, ainda lotado na função de agente administrativo, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.

MAMATA

Aos 21 anos, Letícia Firmo, filha da relação de Michelle Bolsonaro com o engenheiro Marcos Santos Silva, está seguindo os passos do clã na política e ganhou um emprego de um dos aliados mais fiéis de Jair Bolsonaro (PL) em Santa Catarina, estado que agrega o maior nicho de apoiadores do ex-presidente. Sem formação superior, Letícia foi nomeada por Jorginho Mello (PL-SC) como secretária de articulação nacional. Ela receberá um salário de quase R$ 13 mil para trabalhar em Brasília, onde mora com a mãe e o padrasto – a quem chama de “papi 2”.

MACHÃO

Em mais uma cena de baixaria, caracterizada pela completa falta de decoro parlamentar de alguns deputados federais, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) partiu para cima do seu colega, o deputado Marcon (PT-RS). O ataque ocorreu durante sessão da Comissão do Trabalho para a escolha do presidente e vice do colegiado.

“A família Bolsonaro está desequilibrada emocionalmente. Não sabe ouvir as verdades, ofende todo mundo que vem para a frente. Ele veio para cima de mim para me agredir. Só não me agrediu porque a Polícia segurou ele. Estou aqui para defender a vida e não quero sair morto não. Estou com medo, sim”, disse o deputado.

DOIDONA DA GOIABEIRA

A Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH) ouviu especialistas sobre o uso medicinal da cannabis, e a discussão ficou marcada por um momento inusitado entre a extremista Damares Alves (Republicanos-DF) e um pesquisador da área. Pedro Sabaclauskis, representante da Associação Brasileira de Cannabis Medicinal (Santa Cannabis), ironizou o posicionamento de conservadores que tentam barrar o que pode ser, em muitos casos, a única medida eficaz em muitos tratamentos. “Ela é muito segura (a cannabis), muito mais que uma aspirina. Já vi relatos de alucinações com goiabeira, mas com cannabis não. Das 4 mil pessoas que atendemos nunca vi relatos de alucinações, como muitas vezes é dito”, disse. Após a referência de Pedro, Damares se enfureceu e interrompeu sua explicação. “Assim não dá”, disse.

171

Jair Renan Bolsonaro precisa ser contido pela Justiça antes de ingressar na carreira política. O aviso vem por conta do envolvimento do filho do ex-presidente Jair Bolsonaro em uma suspeita de tráfico de influência. Não há dúvida de que é um caso de polícia. Seria bom que Jair Renan fosse contido logo porque ainda não obteve nenhum mandato, diferentemente dos seus irmãos. Seria bom que ele fosse informado de que há lei no Brasil e que ela precisa ser respeitada. Se ele for alcançado pela lei antes de obter um mandato legislativo, tanto melhor.

Por Josias de Souza

FRASES DA SEMANA

“Há uma tentativa política, deletéria, nociva, de amigo de terrorista, de protetor de terrorista, de aliado de terrorista, de financiador de terrorista, de criar elementos que embaracem o que ocorre desde o dia 8 de janeiro: a aplicação da lei”. (Flávio Dino, ministro da Justiça)

“Queremos a CPMI do golpe. Vamos para essa investigação com força. Queremos porque no dia 8 de janeiro tivemos três vítimas: a República, a democracia e o atual governo. Não fomos os algozes, mas as vítimas”. (Randolfe Rodrigues, Rede-AP, senador, líder do governo no Congresso)

“Meu pai viu os filhos e os netos crescerem jogando videogame, ele sabe que isso não nos tornou violentos, ele fez uma declaração sobre um assunto polêmico ao vivo e acabou generalizando. Videogame é muito mais que violência, é arte, é lazer, é entretenimento”. (Luís Cláudio)

“Francamente, neste caso [da guerra na Ucrânia], o Brasil está repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos”. (John Kirby, coordenador de comunicação estratégica do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca”)

“Putin não toma a iniciativa de parar, o Zelensky também não. A Aeronáutica dos Estados Unidos termina dando uma contribuição para a continuidade da guerra. Temos que dizer chega. Vamos conversar porque guerra nunca trouxe, nunca trará benefícios.” (Lula)

“Estamos perdendo o Brasil, Colômbia, América do Sul. Estamos perdendo o Irã, eles já o perderam. Nós perdemos a Rússia e se ainda não a perdemos, eles vão. A China está ganhando. O que está acontecendo? Estamos perdendo”. (Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos)

“Quando converso com os Estados Unidos, não me preocupa o que a China vai pensar. Estou conversando sobre os interesses soberanos do meu país. Quando converso com a China, também não me preocupa o que os Estados Unidos estão pensando. É assim que fazem todos os países”. (Lula)

“Cem dias em quatro anos é um fragmento ainda muito pequeno, mas o governo está sim chegando, organizando. Vai ter que lutar com uma dificuldade muito grande que é a polarização.  Os adversários do governo, partidários da oposição, estão entrincheirados.” (Gilberto Gil)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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