08/05/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

Ações de petistas e bolsonaristas revelam profissionalização das fake news

Extrema direita profissionalizou estrutura de desinformação lançada pela esquerda

Publicado em 04/08/2023 11:20 - Raphael Tsavkko Garcia

Divulgação Pixabay

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Em sua visita a Cabo Verde, o presidente Lula agradeceu à África por “tudo que foi produzido nos 350 anos de escravidão”. Na mesma semana, ele anunciou que o novo melhor amigo de Janja, Jean Wyllys, ganharia um cargo na Secom, ainda que ninguém naquela burocracia, responsável pela comunicação do governo, soubesse das responsabilidades que seriam atribuídas ao ex-deputado federal. Ele acabava de voltar ao Brasil quase ao mesmo tempo que outra destacada ativista petista, Márcia Tiburi. Os dois lançaram um livro chamando o período de férias que passaram no exterior de “exílio”.

Logo no começo do terceiro mandato de Lula, a mesma Secom criou um site para checagem de conteúdo — em outras palavras, um espaço para que o governo usasse politicamente o instrumento de verificação da veracidade de notícias com o objetivo de calar críticos sob a desculpa do combate à desinformação. Na prática, a Secom convertia-se, assim, num “Ministério da Verdade”. Cabe lembrar que o portal online foi lançado poucos dias depois de Lula desacreditar a própria Polícia Federal por investigar ameaças contra o senador Sergio Moro (União-PR).

Se por um lado Lula é um grande comunicador capaz de chegar às massas e — gafes à parte — fala a linguagem do povo, por outro lado a comunicação institucional do governo vai de mal a pior. E isso não surpreende quem testemunhou os governos Lula 1 e 2, quando boa parte da comunicação do governo estava nas mãos dos chamados blogs sujos e de centrais de fake news à serviço do PT.

Naquele contexto, a Secom era mera provedora de fundos para que terceiros operassem uma verdadeira rede de desinformação. Sobravam verbas de estatais e centrais sindicais alinhadas ao PT e ao PC do B para o financiamento de redes de blogueiros e jornalistas à serviço do governo. Mesmo em nível estadual, petistas usavam da mesma estrutura para promover suas iniciativas, como no caso do “mensalinho do Twitter”, em 2018.

Dito tudo isso, cabe lembrar que muito antes a chamada rede BlogProg — da qual fui um dos fundadores — já servia para alavancar o projeto de poder do PT e influenciar eleitores e a opinião pública através da internet. Ao mesmo tempo, MAVs, ou Militantes em Ambientes Virtuais do PT, atuavam a soldo do partido na internet caçando opositores, indo atrás de comentários negativos em toda blogosfera e nas ainda incipientes redes sociais para vender a versão oficial do partido. O tempo foi passando e a militância, assim como a comunicação, foi se tornando cada vez mais radical e desligada da realidade.

No período dos governos do PT até pelo menos 2013 esse tipo de militância virtual reinava soberana. O partido controlava movimentos, as ruas e as redes com grupos coordenados de ação, com muito dinheiro – inclusive verbas públicas – e com uma quantidade avassaladora de fake news antes mesmo do termo ser largamente usado. A linha tênue entre militância e desinformação foi muitas vezes ultrapassada, levando à criação e disseminação de notícias falsas em larga escala. Pautas eram decididas pelo partido, repercutidas pelos MAVs e logo pelos BlogProg.

Pouca coisa mudou desde então na estrutura básica, porém o mundo mudou, as redes mudaram – e o PT ficou para trás. Esse cenário de desinformação foi capaz de influenciar o debate político, afetar a opinião pública e, posteriormente, ser apropriado e aperfeiçoado pela extrema direita, contribuindo significativamente para a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência. A estratégia dessa militância consistia em compartilhar informações distorcidas ou inventadas, muitas vezes baseadas em meias verdades, com o objetivo de favorecer o governo e seus líderes. Além disso, a disseminação de teorias conspiratórias e ataques pessoais contra opositores políticos também era comum, o que acabou gerando um ambiente polarizado e marcado pela desconfiança.

Com o tempo o bolsonarismo aprendeu a usar as redes, assim como a sair às ruas. Formaram-se grupos políticos de direita com capacidade de mobilização em diferentes frentes e que aprenderam rapidamente que o futuro estava em aplicativos de conversa como WhatsApp, em vídeos curtos, em desinformação em escala quase industrial. Perante essa nova realidade, o PT parecia amador no uso de novas tecnologias de informação. Celebridades bolsonaristas de nicho começaram a entrar na política, ganhar votos e serem eleitos – ainda que virtualmente desconhecidos do resto da população.

O bolsonarismo soube perceber a eficácia desse tipo de estratégia e, durante a campanha presidencial de 2018, utilizou-se das mesmas táticas, porém com um nível de profissionalismo e sofisticação ainda maior. A campanha bolsonarista contava com uma rede coordenada de apoiadores que se dedicavam exclusivamente a disseminar informações favoráveis ao candidato e notícias falsas sobre seus opositores.

A profissionalização do uso das fake news pelo bolsonarismo permitiu um alcance ainda maior, além de atingir nichos específicos da população, criando “bolhas” de desinformação que reforçavam as convicções e visões de mundo dos apoiadores. A estratégia era pautada em “emocionalizar” o discurso e criar uma narrativa de combate ao sistema tradicional, o que ressoou com muitos eleitores descontentes com a política tradicional brasileira.

No pós-2013 o PT perdeu a hegemonia das ruas, esmagou a esquerda e deixou o campo livre para a direita ocupar. E o mesmo aconteceu nas redes. Militância fanática e jovens identitários alinhados com o partido ou com partidos satélites começaram a sufocar ativistas autônomos, passaram a atacar a própria esquerda com cancelamentos, silenciamentos, impondo pautas que não encontram eco social, mas que causam destruição dentro do seio da própria esquerda e de sua comunicação e capacidade de se comunicar.

Enquanto o bolsonarismo aprendia a falar a linguagem do povo e repassava suas correntes por WhatsApp, a esquerda debatia o limite do humor enquanto pregava abertamente censura a quem se recusasse a se submeter. Se a esquerda passou a simbolizar censura, controle de opinião, criminalização de opiniões discordantes, a direita aproveitou para se vestir de defensora da liberdade (ainda que falsamente, lembremos por exemplo das tentativas de censura do MBL contra exposições de arte, para ficar apenas em um exemplo) e, com isso, conquistar espaço(s).

Aferrado aos métodos de ontem, incapaz de falar uma linguagem que não exigisse antes uma conversão e um curso de etiqueta “woke”, a esquerda se viu e se vê cada vez mais distante do povo e sua comunicação cada vez mais deficitária. A vitória de Lula sobre Bolsonaro tem mais a ver com o repúdio causado pelas medidas, ações e falas do ex-presidente do que por méritos da comunicação petista.

Pelo contrário, se figuras como Tiburi e Wyllys tivessem voltado de suas férias antes das eleições é possível que tivessem contribuído para a vitória de Bolsonaro. É irônico pensar que de certa forma Bolsonaro foi vítima da própria excelência de sua comunicação, que amplificava suas falas absurdas, que dava maior visibilidade para suas loucuras e escancarava suas falsidades. Suas mensagens alcançavam os nichos, mas também alcançavam quem teria asco de seus posicionamentos.

A falta de méritos da comunicação do PT pode ser vista na comunicação institucional do novo governo, que é criticada pela própria esquerda, por membros do governo, e também por um dos principais cabos eleitorais do PT durante as eleições, o deputado André Janones (Avante-MG). Ele soube aliar as fake news (desenvolvidas pelo PT e profissionalizadas pelo bolsonarismo) com os métodos mais modernos de comunicação em redes sociais que o bolsonarismo usou com maestria.

O uso das fake news e de redes de desinformação durante os governos do PT e sua posterior profissionalização pelo bolsonarismo tiveram (e têm) impactos significativos no cenário político brasileiro. A comunicação política digital se tornou uma arma poderosa, mas também problemática, capaz de influenciar a opinião pública e moldar a percepção sobre os candidatos e partidos. Nesse contexto, a sociedade se torna refém de narrativas construídas com objetivos espúrios e faltam caminhos a serem trilhados para fora do verdadeiro mar de lama no qual a comunicação governamental se afundou.

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Raphael Tsavkko Garcia


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