18/05/2024 - Edição 540

Poder

Lula precisa aprender que palavra é prata, silêncio é ouro

Saiba o que é o Tribunal Penal Internacional e porque os Estados Unidos não fazem parte

Publicado em 14/09/2023 10:07 - Folha de SP, UOL, Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

Divulgação TPI

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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), afirmou na quarta-feira (13) que o TPI (Tribunal Penal Internacional) hoje funciona de modo “desequilibrado” e endossou críticas do presidente Lula (PT) ao fato de o Brasil ser signatário do tratado da corte enquanto países como Estados Unidos e China não o são.

“O TPI é de algumas nações e não de todas, e é esse o alerta que o presidente fez, no sentido da necessidade de haver igualdade entre os países. Ou seja: ou todos aderem ou não faz sentido um tribunal que seja para julgar apenas uns e não outros”, disse o ministro.

“É o momento em que, nessa projeção mundial que o presidente Lula tem, quem sabe haver essa revisão do estatuto”, sugeriu Dino em referência ao Estatuto de Roma, tratado fundador do Tribunal de Haia. “Ou todos os países aderirem. Ou, de fato, haver o reconhecimento de que é um tribunal que funciona de modo desequilibrado”, completou ao participar de evento no Senado.

O ministro disse que rever a participação do Brasil no TPI ainda é “um debate muito novo”. Ele, no entanto, também afirmou que a diplomacia brasileira poderá avaliar a questão em “algum momento” —sem responder se ele, pessoalmente, era contra ou a favor disso.

“O presidente Lula alertou corretamente que há um desbalanceamento em que alguns países aderiram à jurisdição do TPI e outros não. Isso sugere que, em algum momento, a diplomacia brasileira pode rever a adesão a esse acordo, uma vez que não houve igualdade entre as nações na aplicação desse instrumento.”

Na última segunda-feira (11), Lula disse que “não sabia da existência” do tribunal e que iria investigar as razões de o Brasil ser signatário do Estatuto de Roma. “Me parece que os países do Conselho de Segurança da ONU não são signatários, só os ‘bagrinhos'”,afirmou o petista durante entrevista coletiva em Nova Déli, na Índia, após o encerramento da cúpula do G20.

Na verdade, dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança —colegiado no qual a participação é uma demanda antiga do Brasil—, EUA, Rússia e China não aderiram ao TPI. França e Reino Unido, porém, são signatários do Estatuto de Roma e membros da corte. No total, a instituição reúne 123 países.

A adesão do Brasil ao estatuto voltou a ser tema de debate depois de um comentário do petista a uma emissora indiana no último sábado (9). Na ocasião, ele afirmou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, poderia ir ao Rio de Janeiro em 2024, para a cúpula do G20 sob a presidência brasileira, sem correr risco de ser preso.

A questão é que o russo é desde março alvo de um mandado de prisão do TPI por supostos crimes de guerra na Ucrânia. E o Brasil, como signatário do documento fundador do tribunal, em tese deveria se comprometer a cumprir suas ordens —neste caso, prender Putin, que sempre negou as acusações.

O mandado do Tribunal de Haia, que acusa o presidente russo de não agir para impedir a deportação ilegal de crianças ucranianas de territórios ocupados por seu Exército, já o impediu de comparecer a pelo menos um evento internacional de peso neste ano —a cúpula do Brics, realizada em Joanesburgo, na África do Sul.

Com sede em Haia, na Holanda, o Tribunal Penal Internacional foi criado em 1998 e é responsável por investigar e julgar pessoas acusadas de infrações como crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

O Brasil assinou o documento em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e o incorporou à legislação em 2002, mesmo ano em que o TPI passou a funcionar de fato —portanto, antes de o petista assumir seu primeiro mandato na Presidência, em 2003.

Saiba o que é o Tribunal Penal Internacional e porque os Estados Unidos não fazem parte

O TPI (ICC, na sigla em inglês para International Criminal Court) foi criado pelo Estatuto de Roma, de 1998, para julgar indivíduos acusados de crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão.

Os casos são remetidos ao TPI apenas quando se considera que os sistemas de justiça nacionais são incapazes ou não se mostram dispostos a processar os suspeitos desses crimes.

O Conselho de Segurança da ONU pode remeter casos ao TPI. No entanto, alguns dos países mais poderosos do mundo, incluindo Estados Unidos, Rússia, China, Índia e Israel, não assinaram ou não ratificaram o Estatuto de Roma.

O Brasil é signatário do Estatuto de Roma que estabeleceu e definiu as bases do TPI.

Ameaça à soberania dos Estados Unidos

Uma das questões levantadas por Lula durante a coletiva foi porque as grandes potências como os Estados Unidos, a China ou a Rússia não são signatárias.

Os EUA são atualmente um dos principais opositores do TPI porque viam a criação de uma corte permanente internacional como uma ameaça a sua soberania. Em 1998, durante a Conferência de Roma, que estabeleceu e definiu as bases do TPI, os representantes americanos votaram contra o Estatuto de Roma que estabelecia o Tribunal.

O ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, chegou a assinar o Estatuto em 2000, mas ele não foi submetido à aprovação do senado americano. E em 2002, o governo de George Bush retirou a assinatura do tratado.

“Os EUA e a Rússia participaram ativamente da discussão do estatuto de Roma. Só que na hora “h”, eles, como sempre quando o tema envolve tratados, especialmente em questões militares ou que podem implicar em processar seus cidadãos, se afastaram”, diz o advogado, especialista em Direito Internacional, Djalma Brochado, em entrevista à RFI.

“A Rússia não quis ficar atrás e assinou, mas não ratificou, e depois pediu para desconsiderar a assinatura”, diz.

Tribunal independente

O Tribunal é independente da ONU, mas atua em sinergia com a organização. Ele tem 18 juízes eleitos pelos estados-membros, por mandatos de nove anos, sem possibilidade de reeleição. Do Conselho de Segurança, somente dois países são signatários: a França e o Reino Unido.

“É claro que compromete muito quando você não tem o apoio de três potências, com bombas nucleares, que fazem parte do Conselho, até porque o Estatuto de Roma é um dispositivo específico que diz que qualquer investigação pode ser interrompida a requerimento do conselho de segurança. Ou seja, o conselho de segurança tem gente que não faz parte, mas que pode impedir determinada investigação que esteja ocorrendo lá”, explica o advogado.

Sobre a saída do Brasil, ele não traria consequências práticas imediatas, destaca o especialista.

“O Brasil pode sair, qualquer país pode pedir para se retirar do estatuto de Roma”, diz. “Alguns países africanos já ameaçaram isso”, acrescenta.

Brochado explica que após um ano da saída comunicada à ONU, a retirada passa a ser efetiva. O país não seria mais parte do Estatuto de Roma e “alguns crimes que porventura estão lá estipulados, se ocorressem no Brasil, eles não poderiam ser processados pelo Estatuto ou pelo Tribunal Penal Internacional”, explica.

Mas ele explica que não basta apenas que o crime seja estipulado pelo Estatuto para que o julgamento aconteça, são necessários outros requisitos, como, por exemplo, importância e relevância. Além disso, é necessário que o réu não tenha sido processado no país de origem, porque o TIP tem uma competência subsidiária.

Marco para o Direito Internacional

Djalma Brochado também lembra que o tribunal não tem “dentes”, ou seja, não tem polícia própria e depende muito da cooperação dos Estados-membros. No caso de Putin, por exemplo, se o Brasil efetivamente descumprisse o mandato do TPI de enviar o presidente russo para julgamento, as consequências práticas não seriam grandes.

“Na parte Internacional, as consequências de descumprimento de determinações de órgãos internacionais, mesmo que o país seja signatário, elas são muito mais simbólicas do que necessariamente efetivas”, diz. “Então, por exemplo, caso o Putin venha para cá e o Brasil não faça o papel do estado-membro e cumprir a ordem de prisão, a consequência é mais moral, política do que necessariamente prática. Não existe uma sanção ao Brasil por conta desse descumprimento. O Estado é voluntário para aderir, ele não é obrigado a aderir um tratado”, completa.

Apesar disso, ele diz que a criação do TIP é um marco para o Direito Internacional. “Primeiro porque é o único, como eu disse, permanente, que processa indivíduos. Mesmo não tendo todos os países, já são muitos. São mais de 123 países que já assinaram o estatuto de Roma. Então é um reconhecimento Internacional significativo de que estes crimes são inadmissíveis”, diz informando que atualmente está em estudo a inclusão do crime de “ecocídio”.

Ele lamenta que o TPI não conte com o apoio da Rússia, China e Estados Unidos, mas ressalta que quase todos os países da União Europeia fazem parte. “O mundo, politicamente, é maior que isso. Todos eles têm voto igual na assembleia geral da ONU, a União Europeia é extremamente forte, um player importantíssimo. É difícil dizer que ele não é um tribunal importante por conta da ausência dos Estados Unidos. O tribunal não é considerado menor por isso. Ele é considerado um tribunal novo, um desenvolvimento”, afirma.

Lula precisa aprender que palavra é prata, silêncio é ouro

A palavra foi o maior instrumento de Lula para a construção de sua trajetória. E por saber usá-la, as portas se lhe abriram para que se tornasse o político mais bem-sucedido da história política do Brasil, o único a se eleger três vezes presidente.

Mas, o tempo passa, a lusitana roda, e o que ontem só fez bem, hoje, em excesso, pode fazer mal. Tarefas que no passado eu tirava de letra, agora já me cansam. Antes, emitia juízos de valor sem clemência; hoje, procuro ser mais prudente.

Lula segue encantado com a própria voz e com a disposição de, se possível, estar em toda parte ao mesmo tempo, apesar das dores no quadril que o incomodam. Como se fosse onisciente. Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.

Outro dia, Lula defendeu que os votos dos ministros de tribunais superiores deveriam ser sigilosos. O resultado dos julgamentos seria anunciado, mas como votou cada ministro, não. É assim na mais alta Corte de justiça americana, porque não aqui?

Nem tudo que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, Lula sabe. Não faz mal saber como votou cada ministro e assistir aos debates que travam. Transparência faz bem à democracia, tanto mais num país onde a democracia ainda capenga.

Anteontem, Lula disse na Índia que se Vladimir Putin, presidente da Rússia, visitar o Brasil não será preso. Ocorre que contra Putin, por conta da invasão à Ucrânia, há uma ordem de prisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional.

Lula desdenhou do tribunal, do qual o Brasil é signatário:

“Qual é a grandeza que fez o Brasil tomar essa decisão de ser signatário? Os países do Conselho de Segurança da ONU não são signatários, só os bagrinhos assinam.”

Nos últimos anos, Lula e o PT manifestaram-se favoravelmente ao Tribunal Penal Internacional ao defender que a corte julgue Bolsonaro por crimes contra a humanidade cometidos durante a pandemia da Covid-19. Deve ter esquecido.

Em abril último, ao visitar a Espanha, Lula disse que Bolsonaro, “um dia, será julgado em tribunal internacional pela atuação na pandemia”. O Tribunal Penal Internacional é o único em que uma pessoa física pode ser julgada por crimes contra a humanidade.

Devagar com o andor porque o santo não é de ferro.


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