18/05/2024 - Edição 540

Poder

Governo quer testar apoio de Republicanos e PP na PEC dos Militares

Golpistas para uns, 'melancias' para outros, militares perdem moral no país

Publicado em 20/09/2023 11:21 - Vinícius Nunes (Metrópoles), Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), João Filho (The Intercept_Brasil) – Edição Semana On

Divulgação José Cruz/ Agência Brasil

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O senador Jaques Wagner (PT-BA) já conseguiu as 27 assinaturas necessárias para fazer com que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Militares tramite no Congresso Nacional. Agora, o governista quer acelerar o projeto e participar da escolha do relator do texto na comissão especial. O governo não espera demora, mas já antecipa a preocupação na Câmara dos Deputados.

Isso porque uma PEC precisa de pelo menos 308 votos favoráveis para passar na Câmara dos Deputados. Nas contas de Arthur Lira (PP-AL), o governo já tem essa base, somados os apoios de PP, Republicanos e União Brasil — e até do PL.

Nas contas do governo, fica a apreensão de um tema como esse ser rejeitado pela parte conservadora da Câmara. A avaliação, no entanto, é que, por ser uma proposta que não diz respeito aos costumes, pode ser que a votação seja favorável.

À Folha de S.Paulo Lira disse que este “segundo semestre” inaugura a governabilidade do governo Lula (PT). Do ponto de vista econômico, há realmente uma boa vontade de grande parte dos deputados e seus líderes.

A PEC dos Militares obriga que o militar, no ato do registro da candidatura, se transfira para a reserva não remunerada ou reserva remunerada. A medida é para evitar uma “militarização” maior da política.

Golpistas para uns, ‘melancias’ para outros, militares perdem moral no país

O total de brasileiros que confia muito nas Forças Armadas caiu de 45%, em abril de 2019, para 34% agora, em setembro, segundo Datafolha divulgado no último dia 15. Uma parte da queda se deve à erosão de sua imagem junto a quem tem apreço à democracia por conta da aliança que firmaram com Jair Bolsonaro. Mas também há frustração de bolsonaristas-raiz, que esperavam dos fardados a consumação de um golpe no 8 de janeiro.

Ou seja, ao que tudo indica, tivemos perda de confiança causada por dois fatores diferentes e opostos: para um lado, os militares não foram bolsonaristas o bastante; para outro, foram bolsonaristas demais.

Generais, almirantes, coronéis, majores, tenentes-coronéis, sargentos, entre outros, se envolveram em escândalos ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro. Eles devem responder os questionamentos sobre a compra massiva de Viagra e próteses peniana, pedidos de propina para a aquisição de vacinas para covid-19, participação em esquemas de subtração de joias que pertencem ao patrimônio público e até apoio de oficiais aos atos golpistas no 8 de janeiro, que vandalizaram as sedes dos Três Poderes.

As Forças Armadas, que estavam em um processo de descontaminação da imagem por conta da ditadura, abraçaram Jair na chance de retomar o poder. Com isso, ganharam milhares de cargos na Esplanada dos Ministérios e vantagens na Reforma da Previdência.

Agora, estão herdando os boletins de ocorrência, como podemos ver com casos como o do tenente-coronel Mauro Cid e de seu pai, Mauro Lourena Cid, que participaram da Lavanderia de Joias Árabes. Um novo banho de imagem, portanto, vai levar um tempo.

Mas, apesar de uma profusão de conspirações envolvendo oficiais e das ações de parte da cúpula militar, principalmente no caso das urnas eletrônicas, as Forças Armadas não derrubaram o vitorioso Lula para manter o derrotado Bolsonaro no poder. O sentimento de frustração de parte do eleitorado do ex-presidente, decorrente dessa ausência de apoio institucional a um golpe, também pode ajudar a explicar os números.

Como Bolsonaro alardeava aos quatro ventos que era o comandante militar supremo, seus seguidores mais radicais acreditavam que, no dia D, na hora H, os fardados iriam agir para impedir o petista de subir a rampa do Palácio do Planalto ou mesmo prendê-lo. Isso ficou claro nas cenas patéticas de extremistas rezando por um golpe na porta de quartéis.

De fato, houve prisão logo após o 8 de janeiro, mas foram de centenas de extremistas enviados à Papuda e à Colmeia. Somou-se a isso a remoção dos acampamentos golpistas montados na frente de quartéis em várias cidades do país (que haviam sido mantidos com a anuência dos chefes militares) e trocas em comandos do Exército.

Com isso, bolsonaristas intensificaram os ataques aos militares, tachando muitos deles como “melancias” – verdes por fora, vermelhos por dentro.

Emparedados entre democratas e bolsonaristas, os militares perderam confiança. Mas ainda assim, ostentam o maior índice entre dez instituições avaliadas. Estão à frente da Presidência da República (24%), do STF (20%), da Imprensa (20%), do Congresso (9%), das redes sociais (8%) e dos partidos políticos (7%), por exemplo.

Brasil passa a ver militar como político típico

Militarizar a política foi fácil. Difícil será desbolsonarizar os militares. Segundo o Datafolha, seis em cada dez brasileiros (61%) acreditam que as Forças Armadas meteram-se em irregularidades durante os quatro anos da Presidência de Bolsonaro. A reversão de uma urucubaca tão disseminada exige mandinga mais forte do que o lero-lero segundo o qual é preciso “separar o joio do trigo”.

O 8 de janeiro vai ao verbete da enciclopédia como um golpe pifado porque, no varejo, Bolsonaro não dispunha do apoio do “meu Exército.” No atacado, também não contava com as “minhas Forças Armadas.” Mas não há dúvida de que parte do oficialato alistou-se na milícia bolsonarista.

Há mãos fardadas em todas as cumbucas de Bolsonaro —da trama golpista ao comércio de joias; da pazuellização da Saúde à falsificação de cartões de vacina; do ataque sistemático ao sistema eleitoral às visitas do hacker de Araraquara à pasta da Defesa.

Ao testemunhar em silêncio as extravagâncias de Bolsonaro, a banda muda do Alto-Comando das Forças Armadas flertou com o risco. O sentimento foi plenamente correspondido pelas multidões que acamparam na porta dos quartéis para pedir intervenção militar por quase três meses.

Os militares merecem a má fama detectada pelo Datafolha, pois deixaram-se cavalgar por um capitão que foi expurgado do Exército pela porta de incêndio de uma carreira em chamas. Bolsonaro foi acusado de planejar a explosão de uma bomba numa adutora, no Rio de Janeiro.

Em dezembro de 2018, antes da posse de Bolsonaro, ganhou as manchetes um personagem radioativo: Fabrício Queiroz. O operador de rachadinhas abrigara na folha do gabinete do primogênito Flávio Bolsonaro até familiares do miliciano Adriano da Nóbrega. Realizara depósitos na conta de Michelle Bolsonaro.

Ignorando todos os sinais, os generais subordinaram-se a um capitão que Ernesto Geisel, o ditador que começou a desmontar a ditadura, definira como “um mau militar”.

Quase quatro décadas depois do fim da ditadura, a vida pública reduziu-se novamente a uma dimensão de caserna. Altas nomeações políticas passaram a depender da confiança num antigo companheiro de guarnição. Sob Bolsonaro, o Estado tornou-se quartel.

O pedaço da caserna que viu em Bolsonaro a chance de substituir-se novamente à sociedade para “salvá-la do comunismo” deu à ala do quartel que manteve os pés na democracia uma péssima fama. É natural que o brasileiro agora tenha dificuldades para distinguir general de generalidades.

Hoje, imagina-se que as desculpas esfarrapadas das Forças Armadas não conseguirão vestir nem 5% dos segredos que o tenente-coronel Mauro Cid incluirá na sua delação. Aos olhos da população, os militares ficaram muito parecidos com um típico político brasileiro —grosso modo falando.

O julgamento do 8 de janeiro precisa colocar os militares golpistas na cadeia

Dezessete anos de prisão. Essa foi a pena dada ao golpista Aécio Lúcio Costa Pereira, primeiro a ser condenado na última quinta-feira pelo STF. A condenação se deu por dano qualificado, deterioração de patrimônio público tombado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa. A maioria dos ministros concordou com o voto do relator Alexandre de Moraes que, além da pena de prisão, aplicou uma multa de R$ 30 milhões em danos morais coletivos — valor a ser pago em conjunto com outros condenados no julgamento.

A punição é dura, mas compatível com a gravidade: a tentativa de solapar a democracia brasileira. Depois de Aécio, outros dois golpistas foram condenados pelos mesmos crimes e receberam penas parecidas. Essas primeiras condenações têm caráter histórico e pedagógico, já que pela primeira vez se puniu com rigor os delinquentes que conspiram contra a democracia. A anistia concedida aos golpistas de 1964 é a responsável direta pelos atos golpistas de 8 de janeiro. As condenações desta semana indicam que este ciclo finalmente pode ser quebrado. O recado aos golpistas do futuro está dado. Ao todo, 1.390 pessoas estão sendo acusadas pelos atos golpistas de 8 de janeiro. A coisa está só começando.

O julgamento foi marcado por debates calorosos entre ministros bolsonaristas e ministros democratas. Kassio Nunes cumpriu o seu papel de vassalo do golpismo e tentou desconsiderar o caráter golpista do episódio para enquadrá-lo meramente como um ato de vandalismo. Mendonça seguiu mais ou menos o mesmo caminho, absolvendo os réus pelos crimes relacionados ao golpismo e condenando pelos crimes de vandalismo. Assim como prega a militância bolsonarista, Nunes e Mendonça defenderam a tese estapafúrdia de que o 8 de janeiro foi uma manifestação pacífica, familiar, democrática, que saiu do controle por conta de meia dúzia de manifestantes mais empolgados. Tratam o acontecimento como algo desconectado de outros episódios golpistas, como a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal que incendiou carros e ônibus e a tentativa de atentado à bomba no aeroporto de Brasília — ações que foram comprovadamente organizadas nos acampamentos nos quartéis.

Não há dúvidas de que todos esses episódios estão ligados entre si e foram motivados pela expectativa da aplicação da Garantia da Lei e da Ordem, a GLO, para conter o caos através de uma intervenção militar. Esse roteiro está fielmente descrito na minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres. O desejo por uma intervenção militar sempre foi declarado pelos golpistas. Durante a invasão do 8 de janeiro, o próprio Aécio publicou um vídeo nas redes sociais vestindo uma camisa com os dizeres “intervenção militar federal”. Tratar o assunto como se fosse um “domingo no parque” que fugiu do controle, como lembrou Alexandre de Moraes, é negacionismo puro.

Como se já não bastasse o vexame dos ministros bolsonaristas, os advogados de defesa dos golpistas protagonizaram um show de horrores. A começar pelo advogado de Aécio, Sebastião Coelho da Silva, que já estava errado mesmo antes de abrir a boca. No final do ano passado, ele discursou em uma das manifestações golpistas em pleno quartel general e pediu a prisão de Alexandre de Moraes, o que motivou uma abertura de investigação do CNJ por incitação aos atos golpistas. Ou seja, o advogado do golpista é um golpista. Durante seu discurso, ele simplesmente abandonou a defesa técnica e adotou uma postura afrontosa ao Supremo, afirmando que o julgamento é político e que os ministros são as pessoas mais odiadas do país. Ao invés de argumentos técnicos em defesa do seu cliente, o que se viu foi proselitismo político de quem quer jogar pra torcida bolsonarista. Tudo isso cheira à uma preparação de terreno para se lançar na política em um futuro breve. Mas isso só será possível se o advogado não tiver que sentar no banco dos réus antes.

O golpista Aécio foi pintado pelo advogado como um pai de família, trabalhador, que só quer o bem do Brasil. Mas o seu histórico aponta em direção contrária. Após as últimas eleições, um vizinho abriu boletim de ocorrência contra ele depois de ter sido ameaçado de morte pelo Whatsapp. A mensagem dizia que ele “seria morto, porque todo comunista merece morrer”. Esta é a postura deste patriota pai de família: ameaça de morte, de golpe e destruição do patrimônio público.

Os advogados dos outros dois réus condenados seguiram a linha do colega que defendeu Aécio. Ignoraram os aspectos técnicos do julgamento e atuaram como militantes bolsonaristas indignados com uma fictícia perseguição política. O descaramento dos advogados abunda como as provas existentes contra seus clientes. Impossibilitados de confrontarem as fotos, os vídeos e os áudios que comprovam os crimes dos réus, apelaram para os discursinhos bolsonaristas dos mais chulés. Parece que todos eles estão ensaiando para virar parlamentares de extrema direita.

A pobreza intelectual dos advogados ficou evidente durante o julgamento. Um dos advogados confundiu “O Pequeno Príncipe”, um livro infantil de Antoine de Saint-Exupéry, com o “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel, uma obra fundamental da teoria política. Pior que isso: ele queria citar uma frase de Maquiavel que jamais foi escrita por ele. Alexandre de Moraes não deixou barato e colocou o advogado em seu devido lugar: “É patético e medíocre que um advogado suba à tribuna do STF com um discurso de ódio, um discurso pra postar depois nas redes sociais (…) O advogado ignorou a defesa. Não analisou nada, absolutamente nada. (…) Esqueceu o processo e quis fazer média com os patriotas. Realmente é muito triste.”

O que vimos esta semana foi uma resposta importante da sociedade brasileira contra o golpismo. Os executores do golpe começam a sentir o peso da lei numa democracia. Ainda faltam os financiadores, os organizadores e os mentores intelectuais. Para blindar a democracia, é fundamental que esses outros grupos também sejam rigorosamente punidos. Durante o julgamento, Alexandre de Moraes ressaltou que as Forças Armadas não aceitaram aplicar o golpe — uma fala que me preocupa um pouco. Está mais do que evidente que o golpe só não foi concluído por não haver as condições materiais necessárias. Não havia apoio do governo dos EUA, nem de parte significativa do grande capital brasileiro. Mas o golpe foi fustigado o tempo todo pelo presidente e pelos militares.

É fato incontestável que foi o alto comando do exército que permitiu que os acampamentos golpistas acontecessem em seu quintal. O 8 de janeiro não seria possível sem o apoio estrutural e intelectual das Forças Armadas. Não basta prender apenas os civis golpistas. É preciso colocar os militares de alta patente na cadeia para que eles nunca mais ousem sair da caserna para atormentar a democracia.


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