18/05/2024 - Edição 540

Poder

‘Ele me arrasta para a lama’ diz Cid sobre Bolsonaro

MP junto ao TCU pede ao tribunal que obrigue ex-presidente a devolver joias e presentes

Publicado em 05/09/2023 9:44 - Juliana Dal Piva e Josias de Souza (UOL), Lucas Neiva (Congresso em Foco) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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Nas conversas que manteve por WhatsApp com o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), também fez desabafos sobre o ex-chefe. Cid admitiu que se sentia sendo arrastado para a lama por causa de Bolsonaro.

No dia 4 de abril, Wajngarten enviou um texto do jornalista Ricardo Noblat, no portal Metrópoles, que tinha o título “Bolsonaro arrasta com ele para a lama seus mais fiéis servidores”. O oficial é citado no texto junto a outros ex-auxiliares do núcleo mais próximo de Bolsonaro. Ao ler a mensagem, Cid responde: “Não deixa de ser verdade”.

As mensagens e imagens do celular de Cid foram obtidas com exclusividade pela coluna. Procurado, Wajngarten não quis comentar o teor dos diálogos. A defesa de Mauro Cid disse que “não tinha nada a declarar”.

A mensagem foi enviada um dia antes do depoimento de Cid para a PF no inquérito que apura o desvio das joias sauditas presenteadas à Presidência da República. Na ocasião, 5 de abril, ele declarou que buscar presentes recebidos pelo então presidente era algo “normal”, “corriqueiro”, na Ajudância de Ordens da Presidência.

Cid tinha passado aquele fim de semana em São Paulo com a família e aproveitou a ocasião para encontrar o advogado Frederick Wassef e recuperar o relógio Rolex vendido anteriormente e que integrava o kit ouro branco das joias sauditas recebidas por Bolsonaro em viagem oficial em 2019.

Nos autos da investigação é descrito que “no dia 02/04/2023, Mauro Cid e Frederick Wassef se encontraram na cidade de São Paulo, momento em que a posse do relógio passou para Mauro Cid , que retornou para Brasília/DF na mesma data, entregando o bem para Osmar Crivelatti, assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro”, afirma o documento.

Cid, porém, não menciona o encontro com Wassef ou mesmo a operação para recomprar o Rolex nas mensagens que troca com Wajngarten. Preso desde 3 de maio, o militar também é suspeito de adulterar certificados de vacina.

O Rolex foi vendido anteriormente para a empresa Precision Watches e recuperado em 14 de março deste ano pelo advogado. Wassef retornou com o relógio ao Brasil em 29 de março. Em 2 de abril, o relógio foi entregue a Cid. Para os investigadores, o esquema de venda das joias tinha como objetivo o “enriquecimento ilícito do ex-presidente Jair Bolsonaro”.

Em nota à imprensa, Wassef chegou a admitir que telefonou para Bolsonaro e foi autorizado por ele a falar publicamente sobre o caso das joias. O advogado também se ofereceu para ir pessoalmente fazer o resgate dos itens vendidos nos EUA. Depois de falar com o ex-presidente, ele passou a tratar do assunto com Cid.

A PF verificou que Wassef viajou no dia 11 de março e retornou no dia 29. Os policiais ainda conseguiram um recibo de recompra do relógio onde consta o nome do advogado.

Quando percebeu a sujeira, Cid já estava com a lama pelo nariz

Como ajudante de ordens, Mauro Cid conheceu a precariedade de Bolsonaro na intimidade. Demorou a perceber que o sucesso de um enganador depende da confiança dos ingênuos. O tenente-coronel reconheceu no escurinho do WhatsApp que o capitão o arrastava para a lama. Era tarde. Com lodo pelo nariz, foi preso um mês depois, em 3 de maio. Desde então, acompanha pela TV de sua cela especial à desfaçatez do ex-chefe.

Cezar Bitencourt, terceiro advogado de Cid, informa que seu cliente “está colaborando”. Quebrou o silêncio depois que o barro do escândalo das joias respingou no uniforme do seu pai, o general Lourena Cid. O teor da colaboração permanece em sigilo. Mas sabe-se que a língua do ex-faz-tudo ficou mais à vontade depois que Bolsonaro declarou que seu ajudante de ordens “tinha autonomia” para passar nos cobres as joias da Coroa.

Ficou subentendido o seguinte: A defesa de Bolsonaro sustenta que ele tem direito de propriedade sobre as joias presenteadas por chefes de Estado estrangeiros. Mas a culpa será sempre do tenente-coronel Mauro Cid caso prevaleça no Judiciário a percepção de que houve peculato e lavagem de dinheiro.

Imaginando-se que tenha um terço da inteligência que o Exército lhe atribui, Mauro Cid deve ter acreditado só em metade do que ouviu de Bolsonaro. Descobre agora, da pior maneira, que deu crédito justamente à metade que era mentirosa. O diabo é que Cid não pode nem alegar surpresa.

Bolsonaro deixou o Exército pela porta de incêndio de um inquérito militar em que era acusado de tramar um atentado a bomba contra uma adutora. Eleito presidente, teve que lidar com a assombração do operador de rachadinhas Fabrício Queiroz. Esgueirou-se pelos meandros desses casos, como em todos os outros, brincando de realidade paralela. Jamais hesitou em arrastar para o lamaçal quem estivesse em volta —civil ou militar. Resta saber qual o volume do lodo que Mauro Cid está disposto a devolver.

MP e TCU pedem ao tribunal que obrigue Bolsonaro a devolver joias e presentes

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) encaminhou ao órgão um pedido para que seja determinada a devolução, por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro, de todas as joias e demais presentes diplomáticos entregues a ele por representantes estrangeiros durante seu mandato. Ao todo, a lista reúne mais de 9 mil itens, cujos indícios de desvio são motivo de investigação na Polícia Federal.

O pedido foi revelado pelo jornal O Globo. Entre os presentes solicitados, estão não apenas as joias concedidas pelo governo da Arábia Saudita, avaliadas em mais de R$ 15 milhões, como também uma escultura de uma alvéola-amarela, ave nacional do Catar, cedida pelo governo do mesmo país, com valor superior a R$ 100 mil; um vaso de prata fornecido pelo governo do Peru, de mais de R$ 8 mil; e uma maquete do mausoléu Taj Mahal, avaliada em R$ 59 mil, fornecida pelo governo indiano.

O autor do pedido, o subprocurador-geral Lucas Furtado, ressaltou que presentes diplomáticos não devem ser transferidos para o patrimônio pessoal do presidente, como Bolsonaro é acusado de ter feito, mas sim ao acervo do Palácio do Planalto. Além da devolução, ele pede que o TCU faça um levantamento do estado e da localização dos presentes. O pedido foi encaminhado ao presidente do tribunal, ministro Bruno Dantas.


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