Poder
Publicado em 15/02/2019 12:00 -
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Um dos principais estudiosos da Lei de Acesso à Informação (LAI) no país, o consultor da Transparência Internacional Brasil Fabiano Angélico criticou a decisão do ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) de delegar ao diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) competência para deixar um documento ou alguma informação pública longe da sociedade por até 25 anos, renováveis por outros 25.
Para Fabiano Angélico, a medida compromete o controle democrático e confirma o equívoco do governo com o decreto presidencial de 24 de janeiro que permite que servidores comissionados e chefes de autarquias, fundações e empresas públicas decretem sigilo a dados públicos considerados ultrassecretos.
“É muito ruim que uma das primeiras ações deste governo seja delegar esse poder à Abin, que é uma entidade que já tem uma forma de pensar voltada ao sigilo, porque é um órgão de inteligência. Isso coloca em risco o controle democrático. Vamos ter ainda mais dificuldade para entender o funcionamento de algumas instituições”, criticou Fabiano.
A portaria do ministro Augusto Heleno, publicada na edição desta quarta do Diário Oficial da União, é a primeira assinada após o decreto presidencial que ampliou o número de servidores que podem atribuir sigilo ultrassecreto (de 25 anos) a dados públicos.
No caso da Abin, também poderão classificar informações em grau secreto (15 anos), além do diretor-geral, o diretor-adjunto, o secretário de Planejamento e Gestão, diretores das unidades da agência e ocupantes de cargo em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores (DAS 101.5).
Para rebater as críticas à mudança, o governo alegou que a delegação do poder de classificar as informações secretas e ultrassecretas seria analisada caso a caso. Mas, segundo Fabiano Angélico, a portaria do ministro Augusto Heleno mostra que a realidade será diferente. “O que se delegou à Abin foi amplo poder. Abriu a porteira geral. É mais um item a corroborar o argumento de que o decreto abriu demais a porta sem nenhum critério técnico objetivo para dar poder sobre a classificação de informações sigilosas”, observa o consultor da Transparência Internacional Brasil.
Cultura da transparência
Autor do livro Lei de Acesso à Informação: reforço ao controle democrático, Fabiano Angélico considera que o decreto contraria as diretrizes da norma e o princípio da publicidade previsto na Constituição, que incentivam a promoção da cultura da transparência na administração pública e o controle social. “É um erro delegar a subordinados a classificação de informações. Isso tem de ser de responsabilidade da autoridade máxima. Quem deve tomar a decisão política de classificar a informação é o ministro. Há um risco de expandir a autoridade e torná-la difusa”, acrescenta.
Antes do decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão – que substituía o presidente Jair Bolsonaro no fim de janeiro –, a classificação em grau ultrassecreto só podia ser feita pela chamada alta administração, que inclui presidente, vice, ministros e comandantes das Forças Armadas.
O decreto ampliou esse poder para comissionados do grupo DAS 101.6 com remuneração de R$ 16.944,90, além de chefes de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista. De acordo com levantamento feito por entidades contrárias ao decreto, cerca de 1,3 mil funcionários públicos com diferentes funções estarão aptos à função, “abrindo espaço para que o volume de informações classificadas como ultrassecretas e secretas aumente”.
Retrocesso
Especialistas na Lei de Acesso à Informação consideram o decreto um retrocesso. O entendimento é de que, com a ampliação do número de pessoas que podem decidir sobre o sigilo de dados públicos, deverá aumentar o volume de informações que não poderão ser acessadas pela população.
“Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, diz trecho da Lei de Acesso, assinada pela ex-presidente Dilma no fim de 2011.
O decreto do vice-presidente também amplia a relação de comissionados que poderão conferir a informações públicas os graus secreto (de 15 anos) e reservado (5 anos). De acordo com a LAI, os documentos que não estiverem protegidos como ultrassecretos, secretos e reservados devem estar disponíveis a qualquer cidadão. O governo alega que o objetivo da mudança é tornar o processo menos burocrático.
Decreto é ilegal, diz procuradoria
O decreto fere as garantias da Constituição. O parecer é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), ligada ao Ministério Público Federal. Para a procuradoria, as medidas contrariam a concepção própria da LAI, fundada sobre o imperativo constitucional da democracia participativa, do controle da gestão pública e do acesso aos documentos que integram o patrimônio cultural brasileiro.
A PFDC pediu que a procuradora-geral da República Raquel Dodge leve ao Supremo o pedido de inconstitucionalidade desse decreto. O pedido vale também para a portaria do General Augusto Heleno, que estendeu o benefício a servidores da Abin (Associação Brasileira de Inteligência).
A canetada dos generais ampliou o número de servidores que podem impor sigilo “secreto” ou “ultrassecreto” a documentos do governo. Ficam autorizados os DAS (Direção e Assessoramento Superiores) nas categorias 5 e 6, cujo salário gira entre 13 mil e 16 mil reais. O governo emprega cerca de 1200 funcionários nessas categorias.
As informações sob o grau secreto podem ficar fora do alcance do público por até quinze anos. No caso das informações ultrassecretas, o sigilo pode chegar a meio século: 25 anos, prorrogáveis por mais 25 anos. Originalmente, só ministros, embaixadores, comandantes da Forças Armadas, o presidente e o vice detinham esse poder.
Para os procuradores, o governo não pode ser mudar o objetivo da lei sob decreto, e nem diminuir (ou aumentar) sua abrangência. “Os decretos têm por função disciplinar a execução da lei, ou seja, explicitar o modo pelo qual a administração operacionalizará o cumprimento da norma legal”, diz um trecho da representação.
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