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Publicado em 21/12/2018 12:00 -
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O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, advertiu seus adversários que não permitirá uma mudança da esquerda para a direita, como ocorreu no Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro, e desafiou o futuro vice brasileiro, general Hamilton Mourão, que chamou de "louco".
"A Venezuela não é o Brasil. Aqui não vai ter um Bolsonaro. Aqui será o povo e o chavismo por muito tempo(…). Bolsonaro aqui não teremos nunca, porque nós construímos a força popular", declarou Maduro durante ato do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV).
Reafirmando suas denúncias de um complô dos Estados Unidos para derrubá-lo, com o apoio de Brasil e Colômbia, Maduro disse que o general Mourão é "louco da cabeça" por ter afirmado que seu governo está chegando ao fim e defendido "eleições normais" na Venezuela.
"Aqui o espero, com milhões de homens e mulheres e com as Forças Armadas (…). Aqui lhe espero, Mourão, venha pessoalmente", desafiou Maduro em um inflamado discurso.
Maduro inicia no próximo dia 10 de janeiro um segundo mandato, de seis anos, após ser reeleito em votação boicotada pela oposição e denunciada por Estados Unidos, União Europeia e vários países da América Latina.
Na semana passada, Maduro denunciou uma aliança entre EUA, Brasil e Colômbia para derrubá-lo e, inclusive, assassiná-lo.
Maduro garantiu que John Bolton, assessor de Segurança Nacional dos EUA, deu instruções para "provocações militares na fronteira" entre Venezuela e Brasil em uma reunião com Bolsonaro.
Um dia após sua vitória eleitoral, em outubro, Bolsonaro descartou uma eventual intervenção militar na Venezuela, apesar das "sérias dificuldades" causadas pela "ditadura" de Maduro.
A pressão diplomática contra Maduro por parte de países vizinhos como Brasil e Colômbia aumenta diante da chegada de milhares de imigrantes venezuelanos que fogem da crise econômica em seu país.
Um e outro
Para se tornar um "herói", você precisa ter um "vilão", algo que cause medo na população, que contará contigo para salvá-la. Durante anos, a extrema direita brasileira espalhou medo sobre Cuba e Venezuela, como se ambos fossem as principais ameaças à nossa democracia – a despeito do desemprego, da violência urbana e rural, das filas em hospitais, da baixa qualidade da educação, da falta de saneamento básico, do déficit habitacional, do trabalho mal remunerado e sem direitos… Com isso, esses nomes tornaram-se xingamentos, significando o que há de pior para uma parcela da população.
A retórica de Jair Bolsonaro, família e aliados, de repetir a cada cinco minutos na campanha eleitoral e depois de eleito que querem "transformar o Brasil numa Venezuela", acabou sendo uma mão na roda para o regime autoritário e violento de Nicolás Maduro. Agora, ele pode usar as declarações do presidente eleito brasileiro e amigos para mostrar que o risco de ataque por parte de vizinhos da América do Sul com a ajuda dos Estados Unidos é uma realidade – mesmo que o próprio Bolsonaro tenha descartado isso.
Convidar e desconvidar representantes desses países para a posse de Bolsonaro faz parte dessa valsa. A plateia de seguidores de ambos os governantes vibra a cada lance desse. O resto da população, inclusive os refugiados que fogem da tragédia social na Venezuela, apenas suspiram diante de uma improvável "parceria" que desponta no horizonte.
Para se tornar um "herói", você precisa ter um "vilão", algo que cause medo à população. Isso vale para os dois lados. Se o discurso de Maduro ajuda a Bolsonaro a mostrar que a "ameaça vermelha" é real, por mais que não passe de bravata de ditador, por outro lado, o discurso de Bolsonaro ajuda a Maduro a mostrar que seus avisos para o risco de uma invasão externa são reais e, com isso, reforçar seu próprio poder.
Perceberam a simetria? Maduro e Bolsonaro precisam um do outro. Aliados gritando um contra o outro para suas plateias, enquanto internamente vão tocando cada qual uma agenda. Não me espantaria que, em segredo, já tenham tudo bem combinado.
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