04/05/2024 - Edição 540

Mundo

Grande imprensa dá mais importância à declaração de Lula que ao extermínio de palestinos

Israel impõe apartheid 'mais extremo' a palestinos do que o aplicado na África do Sul, diz o país

Publicado em 20/02/2024 10:35 - Chico Alves (ICL Notícias), Jamil Chade (UOL), Folha de SP – Edição Semana On

Divulgação Rajesh Jantilal/AFP via Getty Images

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A declaração do presidente Lula na Etiópia, comparando a matança que o governo israelense promove em Gaza ao assassinato de judeus perpetrado por Hitler, virou tema de debate nacional e internacional. Nada mais compreensível. O assunto causa mesmo reações apaixonadas.

Há, inclusive, alguns apoiadores do presidente brasileiro opinando que ele se excedeu. Na mão inversa, as redes sociais desencavaram declarações de intelectuais judeus que disseram exatamente o mesmo que Lula.

Isso mostra a complexidade do debate, e posicionar-se contra ou a favor das palavras do petista, desde que com argumentos honestos, pode ajudar a jogar luz sobre a situação.

Feito esse registro, é preciso destacar que, proporcionalmente, nem a imprensa e nem à direita do Brasil, agora tão barulhentas, deram à mortandade de civis empreendida pelo exército israelense o espaço e a atenção recebidos pela fala de Lula na Etiópia.

Como se sabe, a imprensa deve (ou deveria) dar destaque aos assuntos mais relevantes de cada momento. Se estamos tratando dos ataques do governo de Netanyahu a Gaza, o que é mais importante: discutir as opiniões do presidente brasileiro ou denunciar o assassinato de 29 mil palestinos, a grande maioria mulheres e crianças?

Os dois assuntos são notícia, mas qual deles deve estar nas manchetes?

Desde outubro, em retaliação aos mais de mil mortos e 200 reféns capturados no ataque terrorista do Hamas, o exército de Israel promove um massacre em Gaza. Assassina civis, destrói prédios, invade hospitais para executar aqueles que entende serem terroristas, obriga multidões a deixarem seus territórios, impede a entrada de ajuda humanitária.

Os números são impressionantes. Em quatro meses, 29 mil palestinos foram exterminados. Se somados os feridos e desaparecidos, as vítimas chegam a 100 mil.

Tanto quanto os números, os relatos dos dramas individuais dos aniquilados em Gaza desafiam nosso conceito de civilização. As imagens de corpos ensanguentados estão nas redes sociais para quem quiser ver. Os depoimentos são desesperadores, como o que publicou no jornal O Globo a colunista Dorrit Harazim, uma das boas exceções do jornalismo brasileiro, contando o drama de uma pediatra que recebeu no hospital um bebê de um ano que teve arrancados um braço e uma perna em uma explosão. A criança acabou não recebendo atendimento devido, porque havia casos mais graves (!).

Os que sobrevivem, perdem tudo, da casa à família, passando pela estabilidade psicológica, que um trauma como esse não permitirá jamais recuperar.

Em se tratando de Gaza, o que merece ser mais destacado nos noticiários: a fala de Lula ou o extermínio dos palestinos?

Dê uma olhada nas manchetes e você verá a estranha resposta que os veículos de imprensa dão na prática a essa pergunta.

Por resultado do lobby do governo de Israel ou por pura desumanidade, a mídia tem privilegiado sempre as posições de Netanyahu e seus aliados.

Seja lá por qual motivo for, que fique registrado para a posteridade: o jornalismo brasileiro decidiu normalizar uma das maiores barbáries da história recente da humanidade.

Coletivo de judeus defende Lula e diz que presidente falou ‘o que está no imaginário’

O coletivo Vozes Judaicas por Libertação saiu em defesa, por meio de nota, do presidente Lula. “A contradição do povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós”, afirma o coletivo Vozes Judaicas por Libertação.

Segundo o coletivo, “a comparação entre genocídios é sempre complicada” e “há como estabelecer qualquer hierarquia”. Para o grupo, as falas de Lula “são de grande importância”. A informação é da Folha de São Paulo.

O contexto da fala do presidente se deu após vir à tona, nesta semana, que cinco pacientes do hospital Nasser, em Gaza, morreram após a unidade ter o fornecimento de oxigênio cortado em meio aos ataques israelenses. A declaração do presidente Lula abriu uma crise diplomática entre os dois países.

O coletivo Vozes Judaicas por Libertação vai na contramão de outras entidades judaicas, que criticaram a fala de Lula. “Apoiamos as colocações do presidente Lula e cobramos que a radicalidade de suas palavras seja colocada em prática”, diz.

“Se a criação e fundação de um Estado judaico foi uma medida de sobrevivência num mundo sitiado, ela logo se tornou um pesadelo. O Estado de Israel não trouxe emancipação verdadeira aos judeus pois a sua existência é mantida às custas da negação da autodeterminação dos palestinos”, completa o grupo.

Veja a íntegra da nota do coletivo Vozes Judaicas por Libertação:

Dando um passo além nas contínuas denúncias dos crimes cometidos por Israel contra os palestinos, o presidente Lula causou furor ao fazer uma comparação entre o que ocorre hoje em Gaza e o que Hitler fez com os judeus durante o nazismo.

A comparação entre genocídios é sempre delicada pois a experiência vivenciada por cada povo afetado é inigualável. Cada um representa uma narrativa singular e dolorosa na história das comunidades vitimadas. Logo, não há como estabelecer qualquer hierarquia entre genocídios. É impossível estabelecer uma métrica objetiva para determinar o ‘pior’ genocídio da história. Categorizar historicamente vítimas maiores ou menores é uma perigosa armadilha de reprodução de racismo.

A contradição do povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós. Uma comparação que causa muita dor a judias e judeus de todo mundo, que tiveram as suas vidas cindidas pelo genocídio dos judeus na Europa, e agora veem um crime similar sendo cometido, supostamente em seu nome. Enquanto coletivo de judias e judeus, temos antepassados que foram vítimas do Holocausto nazista, e entendemos que nosso imperativo ético é nos posicionarmos contra o genocídio do povo palestino e contra a utilização da nossa defesa como justificativa.

Se a criação e fundação de um Estado judaico foi uma medida de sobrevivência num mundo sitiado, ela logo se tornou um pesadelo. O Estado de Israel não trouxe emancipação verdadeira aos judeus pois a sua existência é mantida às custas da negação da autodeterminação dos palestinos. As lideranças israelenses seguem promovendo um massacre contra palestinos e ainda ameaçam a vida de judeus e judias em todo o mundo.

Israel representa hoje a maior fonte de insegurança para todos os judeus do planeta ao usar nossa identidade como fachada e justificativa para sua campanha de terror.

Por isso, defendemos e acreditamos que as palavras de Lula são de grande importância pois levantam questões relacionadas à urgência da ação, como um chamado definitivo dirigido a todos para agir diante do que ocorre em Gaza neste momento. Frente à incapacidade da ONU e de várias organizações internacionais em conter a violência perpetrada por Israel em Gaza, destaca-se a importância vital da postura demonstrada por líderes internacionais como Lula, que levantam suas vozes contra o que é já considerado por incontáveis especialistas como um genocídio contra o povo palestino.

As palavras têm poder. Se a forma como Lula se expressou na ocasião foi pouco cuidadosa — tropeçando justamente neste ninho de comparações forçadas — sua fala tem o objetivo de atingir a imaginação e provocar uma crise moral sobre Israel. O pedido de impeachment protocolado pelos deputados bolsonaristas é uma medida descabida, assim como as acusações de antissemitismo — cujo real objetivo é deslegitimar o governo e a diplomacia brasileira. Não acreditamos que judeus brasileiros estão em risco por causa de sua declaração.

Apoiamos as colocações do presidente Lula e cobramos que a radicalidade de suas palavras seja colocada em prática. Seria um gesto diplomático de relevância gigantesca romper todas as relações entre o estado brasileiro e Israel, em especial as relações militares que também fortalecem a barbárie em terras brasileiras, com a compra de armas e tecnologias de controle social que são usadas para atingir a vida do povo negro nas favelas. Convocar o embaixador brasileiro em Tel Aviv foi um passo ainda insuficiente nessa direção.

Por fim, convidamos a todas e todos, mas principalmente ao governo brasileiro a atender as demandas do movimento internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), liderado pelas bases da sociedade civil palestina. O povo palestino tem pressa e nossas ações têm poder.”

Em ato de desagravo, governo Lula chama embaixador israelense

O Governo Federal convocou o embaixador de Israel em Brasília em um gesto de desagravo. A medida ocorre diante da escalada retórica entre o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu depois das acusações do presidente brasileiro da existência de um genocídio em Gaza e a comparação ao nazismo.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, diante da gravidade das declarações desta manhã do governo de Israel, o chanceler Mauro Vieira, que está no Rio de Janeiro para a reunião do G20, convocou o embaixador israelense Daniel Zonshine para que compareça hoje ao Palácio do Itamaraty, na capital fluminense.

Ele ainda chamou para consultas o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, que embarca hoje para o Brasil.

É a quarta vez que o representante israelense em Brasília seria convocado ao Itamaraty desde que a ofensiva em Gaza começou.

O Itamaraty tem caracterizado o comportamento de Netanyahu de “carnaval”, diante da reação do israelense diante das críticas de Lula.

A ordem na diplomacia é a de não repetir o comportamento de Netanyahu. Mas tampouco dar sinais de ceder.

A atitude dos israelenses de convocar o embaixador brasileiro Frederico Meyer foi seguida pela declaração de que Lula seria “persona non grata” até que peça desculpas pela comparação ao nazismo.

Lula não só não pedirá desculpas como o governo deve deixar claro ao diplomata israelense que o Brasil sempre condenou o Hamas e que, assim que os ataques de 7 de outubro de 2023, Lula fez questão de telefonar ao presidente de Israel para mostrar sua solidariedade com os mais de 1,2 mil mortos no país.

Usando dados palestinos, os informes da ONU apontam para quase 30 mil mortos em Gaza desde outubro e a destruição de toda uma região.

Em documentos internos, um ex-diretor da ONU chegou a acusar a cúpula da organização de estar sendo “covarde” ao não chamar Gaza de genocídio.

Israel impõe apartheid ‘mais extremo’ a palestinos do que o aplicado na África do Sul

No segundo dia de audiências na Corte de Haia para analisar as consequências da ocupação dos territórios palestinos, representantes da África do Sul acusaram o governo de Israel nesta terça-feira (20) de aplicar um tipo de apartheid “mais extremo” do que o imposto no país africano até 1994.

“Como sul-africanos, percebemos, vemos, ouvimos e sentimos profundamente as políticas e práticas discriminatórias desumanas do regime israelense como uma forma ainda mais extrema de apartheid institucionalizado contra os negros em meu país”, disse Vusimuzi Madonsela, embaixador sul-africano na Holanda, onde fica a sede do tribunal.

A corte, a máxima instância de justiça da ONU, promove até a próxima segunda-feira (26) uma série de audiências sobre as consequências legais da ocupação israelense dos territórios palestinos desde 1967. Além da Faixa de Gaza, hoje palco da guerra de Israel contra o Hamas, o escopo das análises inclui também a Cisjordânia e Jerusalém Oriental.

As audiências foram convocadas após um pedido da Assembleia-Geral da ONU, e as opiniões que serão consolidadas não são vinculativas, de modo que espera-se que Tel Aviv as rejeite. Representantes de mais de 50 países, incluindo de potências globais como Estados Unidos, Rússia e China, devem discursar. O Brasil deve ser ouvido ainda nesta terça, a partir do meio-dia no horário de Brasília.

“O apartheid israelense deve acabar”, enfatizou Madonsela em seu discurso, que abriu o segundo dia de audiências. Ele acrescentou que a África do Sul tem uma “obrigação especial” de denunciar qualquer tipo de segregação, onde quer que ocorra.

Pretória pediu que a corte emita um parecer jurídico não vinculante apontando que a ocupação israelense dos territórios palestinos é ilegal —segundo os representantes sul-africanos, tal declaração contribuiria nos esforços para que as partes cheguem a um acordo.

Antes, na segunda (19), representantes palestinos já haviam acusado Israel de impor um apartheid e também pediram ao tribunal que declarasse a ocupação israelense ilegal. Segundo o chanceler da Autoridade Nacional Palestina, que governa parcialmente a Cisjordânia ocupada, o parecer consultivo da corte poderia contribuir para uma solução de dois Estados e, assim, estabelecer uma paz duradoura.

Israel não está participando das audiências, mas enviou uma declaração por escrito, pontuando que um parecer consultivo seria prejudicial para a obtenção de um acordo negociado com os palestinos.

“Uma caracterização legal e clara da natureza do regime de Israel sobre o povo palestino só pode ajudar a remediar o atraso em curso e a chegar a um acordo justo”, rebateu a embaixadora sul-africana Madonsela.

No mês passado, após ação apresentada pelo governo sul-africano, a Corte de Haia determinou que Israel adote todas as medidas ao seu alcance para evitar que suas tropas cometam genocídio contra os palestinos em Gaza. O processo movido por Pretória, que teve o apoio do Brasil, não tem relação com as audiências desta semana.

Já neste mês, Pretória voltou a acionar a Corte de Haia ao pedir que o tribunal avalie a decisão do governo israelense de ampliar suas operações militares em Rafah, no sul de Gaza.

Israel planeja expandir seu ataque terrestre para a cidade de Rafah, onde mais de 1 milhão de palestinos buscaram refúgio da ofensiva que devastou grande parte da Faixa de Gaza desde que integrantes do Hamas atacaram Israel em 7 de outubro.

Israel ocupou a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental, áreas que os palestinos reivindicam para um Estado independente, na guerra de 1967 e, desde então, construiu assentamentos de colonos na Cisjordânia e expandiu-os continuamente. Neste sentido, o atual governo, o mais à direita da história do país, é também considerado um dos mais radicais na defesa da presença dos colonos judeus.

As Nações Unidas referem-se desde 1967 aos territórios em questão como ocupados por Israel e exigem que as forças israelenses se retirem, dizendo que é a única forma de garantir a paz na região.

Espera-se que os juízes da Corte de Haia levem cerca de seis meses para emitir um parecer sobre as audiências desta semana.

Na Corte em Haia, Brasil defenderá reivindicações palestinas contra Israel

O governo brasileiro vai defender a ideia de um Estado palestino e apontar para as violações cometidas pelo Estado de Israel nos diversos territórios ocupados. A intervenção do Brasil vai ocorrer hoje, na Corte Internacional de Justiça, em Haia.

Ainda que já estivesse agendada há meses, a participação do Brasil ocorreu num momento de uma crise diplomática profunda entre o governo de Israel e a presidência de Lula.

A Corte máxima da ONU foi acionada a se pronunciar sobre a situação palestina por um pedido da Assembleia Geral da ONU. Em dezembro de 2022, os governos aprovaram uma resolução apelando para que Haia apresente sua opinião sobre as consequências legais da ocupação dos territórios palestinos por Israel. Naquele momento, EUA, Israel e outros 24 países votaram contra.

No apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro, o Brasil optou por uma abstenção no voto da ONU, ao lado de outros 52 países. Mas, em 2023 e já sob o governo de Lula, o país mudou de postura e tomou a decisão política de que iria apresentar sua própria avaliação à Corte. Ao longo da semana, cerca de 50 países farão o mesmo — no que promete ser a maior sessão do órgão judicial da ONU desde sua criação, em 1945.

No caso brasileiro, uma delegação de diplomatas foi deslocada para Haia. O processo do qual o Brasil participará, porém, não é o mesmo que a África do Sul iniciou contra Israel por seus ataques contra Gaza. Não se trata tampouco dos pedidos para o Tribunal Penal Internacional investigue crimes de genocídio por parte de Israel.

Como será a participação do Brasil?

Diplomatas apontam que o discurso do Brasil perante a Corte pode ser um momento chave para que todo o argumento legal do país diante da questão palestina seja esclarecida. Os membros do governo terão 30 minutos para apresentar o posicionamento nacional diante da crise de décadas no Oriente Médio.

Ao longo da semana, governos irão apresentar seus argumentos legais aos juízes da Corte Internacional de Justiça. Além da própria situação em Gaza, falarão sobre a ocupação de regiões da Cisjordânia e de Jerusalém Leste.

Na primeira sessão da Corte, ontem (19), coube ao chanceler palestino, Riyad al-Malik, usar a audiência para exigir o fim imediato da ocupação dos territórios por Israel.

A única solução consistente com o direito internacional é o fim imediato, incondicional e total desta ocupação ilegal.

Ele ainda acusou Israel de submeter os palestinos a décadas de discriminação e apartheid. Segundo o chanceler, aos palestinos existem apenas três opções: “deslocação, subjugação ou morte”.

“O genocídio em curso em Gaza é o resultado de décadas de impunidade e inação. Acabar com a impunidade de Israel é um imperativo moral, político e legal”, insistiu al-Maliki.

Em 2004, o mesmo tribunal já condenou Israel, alegando que o muro construído na Cisjordânia era ilegal. Haia ainda pediu que a divisão fosse imediatamente retirada. Israel jamais cumpriu a determinação da Corte.


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