02/05/2024 - Edição 540

Judiciário

PGE arquiva investigação contra procurador de MS que mentiu sobre eleições em vídeo divulgado ‘sem querer’ por Bolsonaro

Autor de fake news: 'Não sei por que Bolsonaro publicou. Não tenho contato'

Publicado em 27/04/2023 9:56 - José Câmara (G1MS), Wanderley Preite Sobrinho (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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A Procuradoria Geral de Mato Grosso do Sul (PGE-MS) decidiu não abrir Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar o vídeo em que o procurador Felipe Marcelo Gimenez mente sobre o sistema eleitoral. À época, o material foi compartilhado por Jair Bolsonaro (PL).

A PGE-MS chegou a abrir procedimento preliminar de averiguação do vídeo e da conduta do funcionário público. Posteriormente, as investigações foram submetidas ao Conselho Superior da Corregedoria, “que deliberou pela não abertura de Processo Administrativo Disciplinar”. Leia a nota do órgão na íntegra mais abaixo.

O compartilhamento do vídeo levou o ex-presidente Jair Bolsonaro a depor na Polícia Federal (PF) em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura a identidade dos autores intelectuais e financeiros dos atos golpistas de 8 de janeiro. Na avaliação de investigadores, a postagem feita no dia 10 de janeiro pelo ex-presidente o ligaria aos atos golpistas do dia 8 de janeiro. Bolsonaro apagou a publicação em seguida.  Segundo a defesa do ex-presidente, Bolsonaro compartilhou o vídeo “sem querer”.

O que diz a PGE:

“Houve abertura de procedimento preliminar de averiguação, o qual foi submetido ao Conselho Superior, que deliberou pela não abertura de Processo Administrativo Disciplinar. O procurador está lotado na Coordenadoria Jurídica da PGE junto DETRAN, não ocupando função de direção ou chefia na Instituição. Quanto a eventuais outros processos de outros membros, segundo Regimento, é vedada a divulgação de notas ou de informações a respeito de trabalhos correcionais em andamento, salvo por expressa determinação judicial”.

Investigação da PGE

A PGE-MS investigava a conduta do procurador de Mato Grosso do Sul Felipe Marcelo Gimenez. No vídeo, Gimenez defendeu que as Forças Armadas deviam “intervir no sistema político para restabelecer a ordem”. O ato é proibido pela Constituição Federal.

O procurador também divulgou teses infundadas e já desmentidas sobre as eleições de outubro e afirmou que o povo brasileiro não tem “poder” sobre o processo de apuração dos votos.

A apuração eleitoral dos votos é pública e já foi detalhada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diversas vezes. Os boletins de urna foram divulgados na internet e não houve, até o momento, uma única suspeita de fraude detectada.

O procurador disse que foi procurado pela PGE para prestar esclarecimentos. “A Corregedoria está caminhando com o processo. Não tem o que investigar. É procedimento padrão quando chega qualquer denúncia. Não fui punido e acho que não vou ser, não tem fundamento legal para isso”, dá a versão.

Depoimento de Bolsonaro à PF

O depoimento, que durou cerca de duas horas, é parte do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura os atos golpistas de 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e vandalizadas.

Após o depoimento, o advogado de Bolsonaro, Paulo Cunha Bueno, confirmou o teor das declarações. Segundo a defesa, no dia da postagem, o ex-presidente tinha acabado de receber alta após ser internado para tratar uma obstrução intestinal, e tinha sido medicado com morfina.

Ainda de acordo com o advogado, Bolsonaro compartilhou o vídeo de forma “equivocada”.

“Essa postagem foi feita de forma equivocada, tanto que, pouco tempo depois, duas ou três horas depois, ele foi advertido e imediatamente retirou essa postagem. Observo, inclusive, que essa postagem foi feita na sua rede social de menor importância”, disse Cunha Bueno.

“Realmente aquilo ali foi um equívoco na hora de salvar um arquivo para posteriormente poder visualizá-lo e assisti-lo integralmente”, continuou.

O ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social da gestão Bolsonaro, Fabio Wajngarten, também estava no local e participou de entrevista com a imprensa ao fim do depoimento.

Questionado sobre a possibilidade de a postagem ter sido feita pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do ex-presidente que costumava gerenciar as redes sociais dele, Wajngarten negou participação do parlamentar.

“Não foi [o Carlos Bolsonaro]. O metadado do Meta [empresa que controla o Facebook] indicará isso”, disse.

O advogado do ex-presidente disse ainda que Bolsonaro “em momento algum” questionou a lisura das eleições do ano passado.

“O presidente, quando saiu de férias, ele tratou a eleição como página virada. Então, em momento algum você vai encontrar alguma declaração dele declinando que a eleição foi fraudada. Em momento algum isso foi falado”, disse Paulo Cunha Bueno.

Autor de fake news: ‘Não sei por que Bolsonaro publicou. Não tenho contato’

Casado, evangélico e defensor do voto impresso, o procurador Felipe Marcelo Gimenez virou notícia depois que Bolsonaro retuitou —e apagou— um vídeo em que ele mente ao dizer que Lula não foi eleito pelo voto popular. Lula foi eleito legitimamente com 50.9% dos votos válidos.

Ao UOL, Gimenez explicou como o vídeo surgiu e negou relação com o ex-presidente. “Eu não publiquei o vídeo. Fui entrevistado por uma rádio da minha cidade e, de fato, eu fiz aquela afirmação. Mas tem um contexto. Não sei por que ele [Bolsonaro] publicou na rede dele, não tenho contato com ele”, disse.

Questionado se sustenta a frase, o procurador não quis comentar. Disse que o assunto era muito complexo e que a reportagem precisava ter “domínio do assunto, do que é democracia e sufrágio universal”. Após insistência, disse que a contextualização estava na frase seguinte à que veio a público.

O UOL ouviu a entrevista. Após dizer que Lula não foi eleito pelo povo, Gimenez afirma que, com o voto eletrônico, o cidadão “não vê a apuração dos votos, não vê nem o seu voto”.

“Como você pode ter a certeza de que uma imagem que um software mostra numa tela pra você é igual ao que saiu da sua consciência, um software que não foi criado por você. O Estado é laico, ninguém é obrigado a confiar em servidor público”, disse.

O UOL já demonstrou nesta reportagem como a urna eletrônica funciona e por que ela é confiável.

Quem é Felipe Gimenez?

Servidor de carreira, Gimenez completa em agosto 29 anos de atuação na Procuradoria Geral do Estado. Com salário bruto de R$ 53,7 mil, o procurador é considerado “excêntrico” e “desgarrado” de seus colegas. “Ele mais milita do que atua”, segundo um interlocutor.

Nascido em Porto Murtinho (439 km de Campo Grande), Gimenez é de fato antigo defensor do voto impresso, causa que defende antes mesmo de Bolsonaro.

O procurador já sustentou o argumento em órgãos públicos, como em uma comissão do Senado. A cinco dias do segundo turno das eleições, ele ocupou a tribuna da Assembleia Legislativa de seu estado para defender a “contagem pública de votos”, após convite do deputado bolsonarista João Henrique Catan (PL).

Seguidor do escritor Olavo de Carvalho (1947-2022), Gimenez é aliado da deputada federal Bia Kicis (PL-DF) e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que já o convidou para uma live em maio de 2021, quando o apresentou como “especialista em transparência eleitoral”.

Gimenez também defendeu a manutenção do acampamento bolsonarista em frente ao Comando Militar do Oeste, em Campo Grande, montado no dia 31 de outubro, um dia após a eleição de Lula.

Gimenez omite sua ocupação nas redes sociais, com cada vez mais fãs. Com 10,2 mil seguidores, ele se define como “escritor” no Instagram. No Twitter —onde afirma atuar em “ciência e tecnologia”—, saltou de 13,8 mil para 17,8 mil seguidores em apenas dois meses.

Ao se identificar, usa uma frase bíblica: “Bendito seja o Senhor, meu rochedo, que adestra minhas mãos para a guerra. Salmos 144:1”.


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