03/05/2024 - Edição 540

Judiciário

O que esperar da gestão de Barroso no STF

Por que a diversidade é relevante no Supremo?

Publicado em 28/09/2023 9:50 - Guilherme Henrique e Jéssica Moura (DW) – Edição Semana On

Divulgação Fernando Frazão - Abr

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O ministro Luís Roberto Barroso assume nesta quinta-feira (28) a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele substitui Rosa Weber, que vai se aposentar na próxima segunda-feira por ter atingido os 75 anos, a idade-limite para atuação na Corte. Ela presidiu o Supremo por um ano, desde setembro de 2022 – ou seja, metade do tempo padrão de dois anos.

Natural de Vassouras, município do Rio de Janeiro, Barroso completou dez anos de STF em junho. Tem pós-doutorado na Universidade de Harvard e foi professor visitante nas Universidades de Poitiers (França), de Breslávia (Polônia) e de Brasília (UnB). Atuou como procurador do Estado no Rio de Janeiro e, como advogado, participou de julgamentos de destaque na Corte, como a defesa da interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo e do reconhecimento das uniões homoafetivas.

A mudança no comando do Supremo gera expectativas, mas Barroso já deu indícios de como deve atuar. No início da semana, o ministro disse que sua maior preocupação é “o aprimoramento do sistema de Justiça do país com segurança jurídica, democrática e humana”.

O que pode estar por vir

Para analistas ouvidos pela DW, em sua gestão, Barroso deve seguir a linha de sua carreira, focando em temas referentes à defesa de minorias e voltados à garantia de direitos individuais. Há também a expectativa de que o novo presidente promova mudanças regimentais no Supremo.

“Acredito que o Barroso vai querer marcar posição e deixar uma assinatura à frente do Supremo. Ele defende um protagonismo e uma independência da Corte”, analisa Juliano Benvindo, professor associado de direito da Universidade de Brasília (UNB). Ele ressalta que o ministro vai continuar pautando temas sensíveis, como a descriminalização das drogas para uso pessoal e do aborto em mulheres com até 12 semanas de gestação.

De acordo com Daniel Capecchi, professor-adjunto de direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o futuro presidente do STF seguirá uma tendência de sua carreira na advocacia, alinhado à defesa de grupos oprimidos e das minorias. “Ele tem uma grande preocupação em pautar temas caros à garantia dos direitos individuais. É uma tendência possível que ele aborde causas ainda mais relevantes dessa natureza.”

Capecchi ressalta, no entanto, que a atuação de um presidente da Corte não depende apenas da conjuntura interna do STF, mas de um contexto mais amplo da sociedade. E que a gestão de Barroso também sofrerá com esse cenário. “Os assuntos estão relacionados não só ao perfil do ministro, mas também à conjuntura do país, e a conjuntura do Brasil muda rapidamente”, acrescenta.

Juliana Cesario Alvim, professora-adjunta de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pondera que Barroso pode alterar questões regimentais no Supremo. “Ainda como advogado ele defendia que os votos, sobretudo da relatoria, sejam circulados antes entre os ministros”. A mudança tem dois propósitos: evitar que quem concorda com tese escreva um voto com argumento semelhante, e possibilitar para quem discorda preparar a divergência sem pedir vista (mais tempo para analisar a proposta).

Ainda sobre a questão regimental, Luiz Fernando Gomes Esteves, professor de direito do Insper, afirma que Barroso já se manifestou pela diminuição nas análises de recursos e que votos mais longos deveriam ser exclusivos para posições antagônicas às da relatoria. Além disso, cometa o docente, Barroso também defende que os ministros se reúnam reservadamente antes de votações importantes para a discussão dos casos.

“São três propostas que alterariam em boa medida o funcionamento do STF. Mas todas elas dependem da adesão dos demais ministros, e eu não classificaria tais propostas como mudanças fáceis”, pondera Esteves.

Um novo perfil à frente do Supremo

Enquanto Rosa Weber atua discretamente e não se manifesta para além dos seus votos, Barroso tem um perfil diferente. Participa de lives, dá entrevistas, vai a eventos públicos e responde os ataques que os magistrados têm recebido. “A Rosa Weber era uma magistrada de carreira, com uma postura discreta. Barroso já era um advogado conhecido antes de ingressar no STF e um professor com uma vasta produção sobre inúmeros assuntos da área, inclusive sobre a própria Corte. São diferenças explicadas pela própria trajetória de cada um”, explica Cesario.

Duas frases de Barroso ganharam os holofotes recentemente. Em novembro do ano passado, enquanto caminhava em Nova York, ele foi achacado por um eleitor do ex-presidente Jair Bolsonaro e respondeu: “perdeu, mané, não amola”. Em julho deste ano, durante congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), o ministro disse: “nós derrotamos o bolsonarismo”.

“O próprio ministro Barroso reconheceu que se excedeu ao dizer a frase sobre derrotar o bolsonarismo. Eu diria que o pedido de desculpas é um sinal de que há uma preocupação do ministro em não repetir uma postura parecida”, assinalou Esteves.

“Os ministros estavam sob ataque e pressão. Não é o ideal, o desejado, mas pode acontecer, sobretudo porque a situação estava fora do normal”, ressalta Capecchi. “Uma fração radicalizada da sociedade passou a enxergar o STF como inimigo, o que é muito ruim. Nesse processo todo, a conduta do ministro Barroso foi de proteção do tribunal.”

Capecchi acredita que Barroso tem um perfil capaz de tornar o Supremo mais compreensível para o restante da população. “Ele é um acadêmico respeitado e que sempre escreveu de forma clara, com o objetivo de romper esse paradigma do direito de ser obscuro. É possível que ele busque aprimorar a forma como o tribunal se comunica com a sociedade, inclusive na maneira como vota, para que as pessoas entendam o que foi decidido.”

Rosa Weber: discreta, mas atuante

Foram doze anos como ministra e um ano à frente do Supremo, com uma atuação elogiada por seus pares e pelos analistas ouvidos pela reportagem. “Minha avaliação é muito positiva”, afirmou o Esteves. Ele destaca o fato de a ministra ter limitado os pedidos de vista e as decisões liminares dadas individualmente pelos ministros. “É importante dizer que a ministra implementou essas modificações sem que existisse qualquer ruído.”

Nos temas analisados, Rosa Weber conseguiu retomar a discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo – o julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro André Mendonça, mas o placar estava com cinco votos favoráveis a liberação –, insistiu ao longo de 11 sessões para finalizar o julgamento da tese do Marco Temporal, e colocou em pauta a descriminalização do aborto, cujo próprio voto a favor da proposta foi considerado histórico pelo colega e também ministro Edson Fachin.

“O voto dela no julgamento sobre o aborto foi um espetáculo. A afirmação da mulher de maneira soberana e indiscutível”, elogia Benvindo. “Ela mostrou um compromisso muito forte com a agenda dos direitos fundamentais”, resume Capecchi.

Cesario ressalta que Rosa Weber estabeleceu um “parâmetro de comportamento”, que “preza pela imparcialidade e independência da Corte”, explica. “Ela não esteve envolvida em nenhum escândalo ou comportamento indevido”.

A especialista complementa: “A ministra deixa um legado importante, para além dos casos importantes que conseguiu pautar. Teve o aborto e as drogas, mas também o orçamento secreto, quando havia uma pressão grande”. Na ocasião, Rosa Weber, que era relatora das ações contrárias as emendas, declarou o procedimento inconstitucional e disse que a prática “viola o princípio republicano”.

Mas nenhum assunto foi mais emblemático que o quebra-quebra promovido nos atos golpistas de 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes. “É uma gestão bem-sucedida também porque enfrentou desafios com total altivez”, enaltece Capecchi.

“Sua personalidade discreta, certamente, contribuiu para que o STF conseguisse atravessar o período difícil do último ano sem que sua legitimidade fosse questionada pelos outros poderes”, destaca Esteves.

“Na postura de juíza de Corte ela é imbatível. Poderia ter tido uma postura estrelar, mas não o fez. Ao contrário: discrição, seriedade, agilidade. Ela termina a gestão com uma marca forte”, finaliza Benvindo.

Por que a diversidade é relevante no STF?

Diante da aposentadoria da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, prevista para 2 de outubro, grupos da sociedade civil vem se mobilizando para pressionar o presidente por mais diversidade na Corte. Eles querem a indicação de uma jurista negra à vaga. No entanto, especialistas avaliam que o critério da representatividade não deve ser prioridade para o presidente na escolha do sucessor da ministra, e sim a proximidade política.

Por isso, um bloco que reúne 18 organizações sociais vem promovendo um abaixo-assinado sobre o tema. Até esta terça-feira (12/9), 28,1 mil pessoas tinham aderido ao documento. “No Judiciário são debatidas agendas muito importantes para o cotidiano da população negra, como o marco temporal e a violência policial. Uma jurista negra tem potencial de avançar com posicionamentos mais progressistas nessas questões e influenciar o voto de outros ministros”, argumentou Ingrid Farias, coordenadora da Secretaria Operativa da Coalizão Negra por Direitos.

A campanha do grupo chegou à Índia no final de semana, quando o país sediou o encontro do G20, no qual Lula esteve presente. Uma mensagem escrita em inglês foi exibida em um outdoor de Nova Déli. “Em 132 anos, o Brasil nunca teve uma mulher negra na Suprema Corte”, dizia a mensagem.

Autoridades do próprio governo federal também se posicionaram sobre o assunto. Na semana passada, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, redigiu um artigo publicado pela imprensa brasileira em que defendeu a nomeação de uma mulher negra ao STF.  “A concepção de mundo diversa enriquece o conhecimento jurídico, a experiência da cátedra, numa via de mão dupla”, escreveu a ministra.

Procurado, o Planalto afirmou que não iria comentar as declarações da ministra.

No Congresso Nacional, também houve manifestações no mesmo sentido. “O STF é tradicionalmente ocupado por homens. Na renovação da Suprema Corte, há uma oportunidade de garantir a cadeira de ministra para uma mulher negra. É um momento ímpar para combatermos a desigualdade racial e de gênero”, disse o senador Paulo Paim (PT-RS).

Outra iniciativa foi uma carta assinada por mulheres da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ao todo, 57 ministros do STF passaram pela instituição. Uma das signatárias é Eunice Prudente, secretária municipal de Justiça de São Paulo e primeira professora negra da faculdade. “Uma jurista negra no STF comprometida com direitos humanos vai fazer cumprir a Constituição”, afirmou.

Indicação inédita

Desde a criação do Supremo, em 1891, 171 juristas foram nomeados para a Corte, mas nunca uma mulher negra. Essa baixa representação também se reflete nos demais tribunais: o Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário de 2023, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em setembro, revelou que 14,5% dos juízes se declararam pretos ou pardos e 83,8% brancos.

“Mesmo que o STF não seja um espaço representativo, trata-se de um espaço de poder, cujas decisões afetam a todos nós. O direito é uma prática interpretativa que comporta disputas sobre visões de mundo. Por isso, uma corte plural e diversa é vista como uma corte melhor”, defende Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV-SP. Ela diz que a votação entre os 11 ministros é polarizada quanto a temas relacionados aos direitos humanos, por isso “todo voto importa e pode fazer diferença em julgamentos”.

A professora de direito Eunice Prudente, da USP, diz que medidas importantes, como a ação que considerou homofobia crime, são decididas pelo STF. “Nesse momento, os direitos humanos no Brasil têm sido defendidos no judiciário. Infelizmente 513 deputados e 81 senadores têm falhado na proteção aos direitos intrínsecos à pessoa, sobretudo no enfrentamento das violências discriminatórias. Temos dependido do STF para uma convivência política”.

Tendência de nomeação 

A demanda de setores da sociedade civil por mais diversidade entre os 11 ministros do STF se intensificou em abril, quando Ricardo Lewandowski deixou a Corte e Lula teve de indicar um substituto. A expectativa dos movimentos sociais associados à esquerda foi frustrada quando o Senado confirmou em sabatina mais um homem branco, Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente.

Com a perspectiva de uma nova vaga no Supremo, o debate em torno do tema voltou a crescer, mas, para especialistas, outros homens estão na disputa pela preferência de Lula. Entre os cotados ao posto estão o Advogado-Geral da União (AGU) Jorge Messias e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.

Eloísa Machado acredita que é possível que o nome de uma jurista negra esteja nessa corrida, mas a última indicação ao STF aponta para outra tendência. “Seria de se esperar uma escolha alguém com perfil alinhado aos direitos humanos, ao combate à desigualdade, à agenda proclamada pelo governo. A conjuntura atual mostra um governo cedendo para ampliar apoio e desagradando sua base. A escolha é central do governo, tão importante quanto a de ministérios estratégicos”.

A professora alertou para o fato de que a participação de mulheres no primeiro escalão do governo está em declínio. Depois da minirreforma ministerial da semana passada, Ana Moser foi demitida do Ministério do Esporte, e substituída pelo deputado André Fufuca, membro de uma dinastia política do Maranhão. Em julho, Daniela Carneiro deixou o Ministério do Turismo, agora comandado pelo deputado Celso Sabino (União Brasil-PA). Com isso, a participação de mulheres na Esplanada, que em janeiro era de onze ministras, encolheu para nove.

No entanto, o cientista político Valdir Pucci lembra que, apesar da disposição de Lula em dar preferência a um nome de quem seja próximo, ele já atendeu aos apelos de movimentos sociais em outras ocasiões neste mandato. Há um mês, a advogada Edilene Lobo tomou posse como ministra no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foi a primeira jurista negra da Corte.

“Lula aprendeu a não ouvir tanto os movimentos sociais na escolha dos ministros, e que tem que ter dentro do STF pessoas com quem tenha proximidade. No terceiro mandato está menos afoito e toma decisões mais pragmáticas”, avalia Pucci. Para o especialista, o presidente deve priorizar perfis mais conciliadores e legalistas na escolha. “O mundo perfeito para Lula seria encontrar uma mulher negra com esse perfil”.

A professora de direito Janaína Lima, da Universidade de Brasília (UnB), diz que a composição da Corte tem impacto sobre a sociedade. ” A composição é importante porque as formações dos seus membros podem fortalecer a democracia e, com isso, o regime constitucional. Sem ministras e ministros independentes, o STF fica refém das circunstâncias e com isso abala essa conquista inegável que é a democracia constitucional”.

Escolha e aprovação

O processo para preencher uma vaga no STF começa com a indicação do jurista pelo presidente da República. O nome é oficializado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que sabatina o candidato. Ao final da sessão, os senadores votam pela aprovação ou rejeição do postulante ao cargo. É preciso apenas angariar votos da maioria simples dos 27 membros da comissão.

Após essa fase, a análise do resultado segue para a apreciação do plenário do Senado. O conjunto dos 81 senadores votam para passar ou não o parecer da CCJ. Com a aprovação pela Casa, o indicado toma posse como ministro.


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