02/05/2024 - Edição 540

Judiciário

‘Excelência, meritíssimo, doutor…’.

É obrigatório falar assim com o juiz?

Publicado em 04/12/2023 11:26 - Pietra Carvalho - UOL

Divulgação Reprodução

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Uma juíza do Tribunal Regional do Trabalho gritou com uma testemunha que se recusou a chamá-la de “excelência”. O homem questionou se era obrigado a usar a formalidade ao falar com Kismara Brustolin. Em seguida, foi retirado da sala de audiência.

Afinal, é obrigatório se referir a um juiz como Excelência?

Não. Por mais que o cargo de juiz exija certa formalidade, o simples fato de não usar a palavra “Excelência” não é motivo para expulsar alguém de uma audiência ou puni-la, explica Thiago Bottino, professor de direito na FGV (Fundação Getulio Vargas) Rio.

A situação muda se houver desrespeito ou menosprezo à autoridade do juiz.

“Ela era uma juíza do trabalho e, muitas vezes, as pessoas que estão ali reclamando seus direitos têm pouca instrução, falam de uma forma informal. Sendo servidor público, o juiz tem de entender que uma coisa é estar sendo desrespeitado, alvo de menosprezo, outra é a pessoa falar de forma indevida ou informal porque é a linguagem dela”, diz Bottino.

O ideal é que as autoridades sejam chamadas de “vossa excelência” —como é feito entre ministros do STF, por exemplo—, mas “a simplicidade do outro não pode ser confundida com falta de respeito”, continua.

“Uma coisa é autoridade, outra é autoritarismo. Quem representa a autoridade não pode ser autoritário. Mesmo que ele [testemunha] estivesse tratando a juíza de forma desrespeitosa, ela poderia ajuizar uma ação depois, mas o testemunho é outra coisa [não deveria ser descartado], é o que ela [testemunha] fala de importante e relevante em um processo”, afirma Thiago Bottino.

E doutor?

Um guia de redação produzido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e voltado para os servidores do Judiciário ajuda a entender as formalidades.

O documento afirma que “vossa excelência” é a forma de tratamento mais adequada, especialmente na redação de atos oficiais, mas o vocativo “senhor (a)” também é compatível quando alguém fala com um juiz.

Já o “excelentíssimo” deve ser usado para chefes de poder, como o presidente da República e do Congresso Nacional.

O guia ainda explica quando não usar a palavra “doutor”. “‘Doutor’ não é forma de tratamento, e sim título acadêmico. Evite usá-lo indiscriminadamente. Como regra geral, empregue-o apenas em comunicações dirigidas a pessoas que tenham tal grau por terem concluído curso universitário de doutorado. Nos demais casos, o tratamento senhor confere a desejada formalidade às comunicações.”

Em seu site, a EPD (Escola Paulista de Direito) também explica o termo “meritíssimo”, bastante usado em audiências. É um adjetivo que significa “de grande mérito” e, se for usado, deve estar acompanhando de um substantivo: “meritíssimo juiz”. A publicação lembra que não há qualquer problema com o uso da expressão “senhor juiz”.

A não obrigatoriedade de uso de pronomes também vale para agentes da administração pública federal. Um decreto de 2019 diz que o agente público federal que exigir o uso dos pronomes de tratamento “deverá tratar o interlocutor do mesmo modo”. Também deixa claro que é proibido “negar a realização de ato administrativo ou admoestar (advertir) o interlocutor caso haja erro na forma de tratamento empregada”.

O que aconteceu

A juíza substituta Kismara Brustolin, do TRT da 12ª Região, gritou com uma testemunha durante uma audiência realizada por videoconferência, no dia 14 de novembro. Brustolin chamou a atenção da testemunha, dizendo que deveria chamá-la de “Excelência”.

O depoente pede desculpa e diz que “não é obrigado a isso”, enquanto a juíza grita. Leandro continua realizando seu depoimento, mas a juíza grita para que ele pare e o chama de “bocudo”. Os moderadores da sala o retiraram da sala.

A magistrada afirmou que a testemunha “faltou com a educação” e que, por isso, seu depoimento estava desconsiderado. Em nota, o TRT informou que a juíza foi afastada; depois, ela mesma pediu para se ausentar, alegando “motivos de saúde”.

Veja a íntegra da nota do TRT-SC sobre o caso 

“Sobre os fatos ocorridos no dia 14 de novembro durante audiência realizada pela juíza substituta Kismara Brustolin na Vara do Trabalho de Xanxerê, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) vem manifestar que:

Após ter tido conhecimento dos fatos, relatados por representantes da Presidência da OAB-SC, e atendendo a ofício expedido pela Ordem na tarde desta terça-feira (28/11), solicitando providências cabíveis, a Presidência e a Corregedoria Regional do TRT-SC, em ato conjunto, decidiram pela imediata suspensão da realização de audiências pela magistrada, sem prejuízo do proferimento de sentenças e despachos que estejam pendentes, salvo recomendação médica em contrário. 

Em ato contínuo, a Corregedoria Regional irá instaurar procedimento apuratório de irregularidade. 

A suspensão da realização de audiências deverá ser mantida até a conclusão do procedimento apuratório de irregularidade ou eventual verificação de incapacidade da magistrada, com o seu integral afastamento médico”. 


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