04/05/2024 - Edição 540

Especial

UMA VITÓRIA DO BRASIL

STF invalida tese do marco temporal e honra direitos indígenas

Publicado em 22/09/2023 12:31 - André Richter (Agência Brasil), DW, Murilo Pajolla (Brasil de Fato) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Por votos 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A decisão foi obtida na quinta-feira (21), após a 11ª sessão para julgar o caso.

Pela decisão, fica invalidada a tese, que é defendida por proprietários de terras. Antes do resultado conhecido hoje, as decisões da Justiça poderiam fixar que os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

O último voto da sessão foi proferido pela presidente da Corte, ministra Rosa Weber.

Segundo a ministra, a Constituição garante que as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas são habitadas em caráter permanente e fazem parte de seu patrimônio cultural, não cabendo a limitação de um marco temporal.

“Eu afasto a tese do marco temporal, acompanhando na íntegra do voto do ministro Fachin [relator], reafirmando que a jurisprudência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos aponta para posse tradicional como fator para reconhecer aos indígenas o direito as suas terras”, declarou a ministra.

O resultado do julgamento foi obtido com os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Nunes Marques e André Mendonça se manifestaram a favor do marco temporal.

Na quarta-feira (27), próxima sessão de julgamento, os ministros vão definir outras questões acerca desse tema.

Entre os pontos que serão debatidos está a possibilidade de indenização a particulares que adquiriram terras de “boa-fé”. Pelo entendimento, a indenização por benfeitorias e pela terra nua valeria para proprietários que receberam do governo títulos de terras que deveriam ser consideradas como áreas indígenas.

O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela procuradoria do estado.

Entenda o marco temporal, derrubado pelo STF

A tese do marco temporal estipulava que os povos indígenas teriam direito a reivindicar em processos de demarcação somente as terras que estivessem ocupadas por eles na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

Ao final, nove ministros votaram contra a tese. Luiz Fux e Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber, que votaram nesta quinta-feira, somaram-se a Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes na posição contrária ao marco. Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor.

Os votos de Fux, Cármen Lúcia, Mendes e Weber consolidaram a derrota final do marco temporal, na 11ª sessão do plenário sobre a questão, pelo placar de 9 a 2.

“As áreas ocupadas pelos indígenas, e que guardam alguma vinculação com a ancestralidade e a tradição dos povos indígenas, ainda que não estejam demarcadas, elas têm a proteção constitucional”, disse Fux, cujo voto selou a maioria necessária para barrar a tese.

Cármen Lúcia destacou em seu voto que barrar a tese do marco temporal é uma forma de “cuidar da dignidade étnica de um povo que foi dizimado, oprimido durante cinco séculos de história”.

“Todos os que cuidaram da matéria posta neste recurso reconheceram a impagável dívida que a sociedade brasileira tem com os povos originários”, observou a ministra.

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, comemorou a maioria no STF contra a tese. “Foram tantos anos de muitas lutas, muitas mobilizações, muita apreensão para este resultado. Porque, sim, é um resultado que define o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil”, afirmou nos Estados Unidos, onde acompanha a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia Geral da ONU.

O julgamento do tema pelo STF discute o caso concreto de uma terra indígena em Santa Catarina, mas tem repercussão geral e o veredito valerá para casos semelhantes.

No final de maio o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei (PL) 490/2007, sobre o marco temporal, que cria novas regras para a demarcação de terras indígenas. A matéria ainda precisa ser discutida e aprovada pelo Senado.

De acordo com a proposta, no futuro poderiam ser demarcadas apenas terras indígenas que estivessem tradicionalmente ocupadas por esses povos na data da promulgação da Constituição. O texto também retira a demarcação de terras da alçada da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e devolve a atribuição ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Os indígenas são contra a proposta.

O que diz o PL

A proposta estabelece que, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, é preciso comprovar “objetivamente” que elas, na data de promulgação da Constituição, eram habitadas em caráter permanente e usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.

O texto prevê, ainda, entre outros pontos, a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas, e que os processos administrativos que ainda não tenham sido concluídos sejam adequados à nova regra.

De acordo com a Constituição Federal, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” A Constituição, no entanto, não determina nenhuma data como marco temporal.

Os ruralistas, que defendem a aprovação do PL, argumentam que o marco temporal daria maior segurança jurídica contra desapropriações de suas propriedades e para o agronegócio.

Argumentos contra o PL

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirma que a adoção do marco temporal limitaria o acesso dos indígenas ao seu direito originário sobre suas terras e que há casos de povos que foram expulsos delas algumas décadas antes da entrada em vigor da Constituição.

“O direito de povos indígenas a seus territórios não começa e nem termina em uma data arbitrária”, justifica Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch no Brasil. “Aprovar esse projeto de lei seria um retrocesso inconcebível, violaria os direitos humanos e sinalizaria que o Brasil não está honrando seu compromisso de defender aqueles que comprovadamente melhor protegem nossas florestas”.

Na avaliação do Ministério dos Povos Indígenas, o texto pode “inviabilizar demarcações de terras indígenas, ameaçar os territórios já homologados e destituir direitos constitucionais, configurando-se como uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil na atualidade”.

Em audiência na Câmara dos Deputados, a assessora jurídica do Conselho do Povo Terena, Priscila Terena, disse que, caso o PL entre em vigor, impactará 156 terras, oito etnias e mais de 80 mil indígenas. “A aprovação é a declaração do nosso extermínio e o início da institucionalização do nosso genocídio”, afirmou.

A presidente da Comissão da Amazônia e coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), destacou que a proposta facilitaria, entre outros pontos, a grilagem de terras ao permitir obras – como construção de rodovias e hidrelétricas – sem consulta aos indígenas.

Os protestos contra o marco temporal também reverberam no exterior. Em abril do ano passado, um grupo de 29 parlamentares alemães enviou uma carta aberta aos membros do Congresso brasileiro expressando preocupação com o PL 490/2007.

A opinião do relator

Para o relator da proposta, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), o texto busca “deixar claro que os indígenas devem ser respeitados em suas especificidades socioculturais, sem que isso sirva de impedimento ao exercício de seus outros direitos fundamentais”.

“Dessa forma, enxergando os indígenas como cidadãos brasileiros que são, pretendemos conceder-lhes as condições jurídicas para que, querendo, tenham diferentes graus de interação com o restante da sociedade, exercendo os mais diversos labores, dentro e fora de suas terras, sem que, é claro, deixem de ser indígenas”, afirma o deputado.

Os argumentos da Defensoria

A Defensoria Pública da União (DPU) apontou no final de maio a necessidade de rejeição integral do projeto de lei na demarcação de terras indígenas. A recomendação foi encaminhada pelo defensor público-geral federal em exercício, Fernando Mauro Junior, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Segundo o documento, a Constituição não pode ser utilizada como referência para a ocupação indígena, que tem parâmetros diferentes dos requisitos da posse do direito civil.

“O que se sabe é que o território – quando transformado em terra – é o espaço físico necessário para que determinada sociedade indígena desenvolva suas relações sociais, políticas e econômicas, segundo suas próprias bases culturais. É o elo subjetivo dos povos indígenas com seu território tradicional que permite serem quem eles são e, dessa feita, o espaço tem verdadeiro valor para assegurar a sobrevivência física e cultural, sendo por isso de vital importância para a execução dos seus direitos fundamentais”, ressalta o documento.

Julgamento no STF

O caso em julgamento no STF trata da disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani.

O estado de Santa Catarina argumenta que na data de promulgação da Constituição não havia ocupação na área. Por outro lado, indígenas argumentam que, naquela ocasião, haviam sido expulsos do local.

O procurador-geral do Estado de Santa Catarina, Márcio Vicari, defende o marco temporal e diz que a realidade de Santa Catarina é diferente da de outras unidades federativas. “Há localidades em que a demarcação envolve um latifúndio de um único proprietário, mas, no nosso estado, isso impacta na realidade de centenas de famílias, muitas delas de produtores rurais”, afirmou, em audiência na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).

Na época do início do julgamento do STF em 2021, cerca de 6 mil indígenas de 170 povos acamparam em Brasília, em uma área da Esplanada dos Ministérios, para protestar por seus direitos e contra o marco temporal.

A origem da questão

Toda a questão teve origem em 2009, quando um conflito entre indígenas e agricultores em Roraima chegou ao STF. Para resolver a disputa sobre a quem pertenceria de direito a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, os ministros argumentaram em favor do povo indígena — alegando que eles lá estavam quando foi promulgada a Constituição.

Se naquele caso a tese era favorável aos povos originários, o precedente ficou aberto para a argumentação em contrário: ou seja, que indígenas não pudessem reivindicar como suas as terras que não estivessem ocupando em 1988.

Em 2017, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu um parecer de que seria pertinente a tese do marco temporal. Como resultado, há dezenas de processos de demarcação de terra emperrados, à espera de uma definição do STF. Entre eles, o caso dos indígenas Xokleng, da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina, que volta a julgamento no STF.

Historicamente perseguidos pelos colonizadores, os remanescentes da etnia acabaram afastados de suas terras originais na primeira metade do século 20. Em 1996, contudo, conseguiram a demarcação de 15 mil hectares — que depois se expandiria, em 2003, para 37 mil hectares. Com o argumento do marco temporal, agora a área é reivindicada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina.

Em meio à ‘Guerra do Dendê’ no Pará, Miriam Tembé celebrou derrubada do marco temporal no STF – Murilo Pajolla/Brasil de Fato

‘Agora dá para respirar’

Lideranças indígenas que vivem em áreas ameaçadas pelo marco temporal comemoraram a decisão do STF.

Respiram um pouco mais aliviados povos que tentam sobreviver em meio aos mais graves conflitos pela posse da terra do país, com extenso saldo de mortos e feridos. De um lado, estão fazendeiros e grandes empresas do agronegócio. De outro, indígenas cercados por pistoleiros que viam no julgamento uma esperança de garantir o futuro das próximas gerações.

“Pela primeira vez temos uma reparação de danos depois de 523 anos da chegada de [Pedro Álvares Cabral]. O Supremo foi muito feliz em definir isso. Agora com certeza dá para respirar. É uma vitória do movimento”, afirmou Daniel Vasques, liderança da Aty Guasu, organização que representa os Guarani Kaiowá.

No Mato Grosso do Sul, os Guarani Kaiowá são vítimas de um permanente estado de violação de direitos humanos. Nos últimos 20 anos, mais de 100 indígenas foram mortos. O estado é marcado por retomadas indígenas feitas após 1988. Se o marco temporal fosse validado, fazendeiros teriam legitimidade para pleitear na Justiça a expulsão das famílias.

O alívio é sentido também na Terra Indígena Guyraroká, que teve a portaria declaratória anulada no STF com base no marco temporal. Invalidado o critério jurídico, os indígenas poderão reaver seus direitos territoriais.

Indígenas comemoram em meio à “Guerra do Dendê”

“Acompanhar o desfecho dessa votação pra nós, enquanto indígenas que lutamos pela nossa casa, foi emocionante”, diz Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará.

Os Tembé são vítimas da chamada “Guerra do Dendê” no Pará, que já deixou pelo menos cinco indígenas mortos, além de lideranças quilombolas. Os indígenas e o Ministério Público Federal (MPF) dizem que a empresa Brasil BioFuel (BBF) é a responsável por promover a violência, por meio de um exército de seguranças armados, o que é negado pela empresa. As comunidades mais vulneráveis são aquelas que surgiram em retomadas indígenas após 1988.

“O sentimento agora é de gratidão, de emoção, por a gente ter conseguido essa vitória. Sabemos que ainda há muito desafios, mas nesse momento podemos dizer que temos a garantia de que continuaremos habitando nosso território, continuaremos tendo a nossa casa, continuaremos tendo esse patrimônio que é inegociável”, acrescentou a líder Tembé.

Próximas etapas da luta indígena

Embora declarado inconstitucional no Supremo, o marco temporal segue em tramitação no Congresso Nacional. Por meio de um projeto de lei, a tese foi aprovada na Câmara e deverá ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na próxima quarta-feira (27).

Dinamam Tuxá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), disse que o desfecho no STF é uma fruto de uma “luta árdua” de anos, mas enfatiza que a vitória foi “de uma batalha, e não da guerra que travam contra os povos indígenas”.

Além do Senado, os olhos do movimento indígena brasileiro se voltam a pontos polêmicos levantados por dois ministros durante o julgamento do marco temporal: a indenização prévia a fazendeiros e a abertura de terras indígenas a atividades econômicas de grande impacto, como a mineração.

“Esses pontos dos votos do Toffoli e do Alexandre de Moraes nem deveriam estar no âmbito da discussão [do marco temporal], porque o objeto da ação não é esse, o objeto é o marco temporal”, avaliou Dinamam, que é advogado.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que representa os povos do bioma, comemorou o desfecho no STF, mas também se disse preocupada com o avanço do marco temporal no Congresso.

“Ainda temos receio de como os parlamentares podem reconfigurar o debate da tese do Marco Temporal, mesmo a Suprema Corte a tendo rejeitado. Ademais, o PL em questão viola inúmeros outros direitos através da tentativa de legalização do garimpo em Terras Indígenas e da fragilização dos direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato”, escreveu em nota a Coiab.

População indígena quase dobra desde 2010, aponta censo

A população indígena do Brasil quase dobrou nos últimos 12 anos, apontam dados do Censo 2022 divulgados pelo IBGE. Os dados mostram que o país tem 1.693.535 indígenas residentes, o que corresponde a 0,83% da população brasileira.

No Censo de 2010, o IBGE havia contado 896.917 indígenas, ou 0,47% da população residente no Brasil à época. A variação positiva nesses 12 anos chegou a 88,82%. Enquanto isso, o crescimento total da população brasileira no mesmo período foi de 6,5%. Em comparação a 2010, as maiores variações absolutas no número de indígenas ocorreram no Norte, que teve acréscimo de 410,5 mil, e no Nordeste, com aumento de 296,1 mil indígenas. O Sul teve a menor variação, com 9,3 mil pessoas indígenas a mais.

Em alguns estados, o número de indígenas mais do que dobrou desde 2010. No Rio Grande do Norte, passou de 2.597 para 11.725. Na Bahia, de 60.120 para 229.103. No Ceará, de 20.697 para 56.353, e no Amazonas, de 183.514 para 490.854.

No entanto, o IBGE esclarece que esse aumento expressivo se deve, em grande parte, a mudanças significativas na metodologia, e não necessariamente a fatores demográficos entre os indígenas.

Mudanças na coleta de dados

Os povos indígenas só passaram a ser mapeados pelo IBGE em 1991. À época, o recenseamento era feito com base em autodeclaração de “cor ou raça”. Censos anteriores se limitavam a listar os indígenas em categorias como “caboclos” ou “pardos”.

No Censo 2010, o IBGE, pela primeira vez, passou a investigar o contingente populacional indígena dentro do quesito cor ou raça também no questionário básico e introduziu critérios adicionais, como o pertencimento étnico, língua falada no domicílio e localização geográfica. No entanto, em 2010, a questão adicional “você se considera indígena?” feita pelos recenseadores aos entrevistados só era aberta para pessoas que aparentavam ser de outras raças se elas estivessem residindo em terras indígenas oficialmente delimitadas.

No Censo de 2022, mais critérios foram adicionados e a metodologia foi expandida, passando a contar com a participação de lideranças das comunidades na coleta de dados e no mapeando prévio de outras localidades indígenas fora das terras oficialmente delimitadas.

De acordo com a responsável pelo projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, Marta Antunes, o aumento expressivo do número de indígenas no censo mais recente é explicado majoritariamente pelas mudanças metodológicas.

“Só com os dados por sexo, idade e etnia e os quesitos de mortalidade, fecundidade e migração será possível compreender melhor a dimensão demográfica do aumento do total de pessoas indígenas entre 2010 e 2022, nos diferentes recortes. Além disso, existe o fato de termos ampliado a pergunta ‘você se considera indígena?’ para fora das terras indígenas. Em 2010, vimos que 15,3% da população que respondeu dentro das terras indígenas que era indígena vieram por esse quesito de declaração”, explica.

Maioria mora fora de terras indígenas

A ampliação da pergunta “você se considera indígena?” para áreas além de terras indígenas delimitadas responde por boa parte desse crescimento. Em 2010, 370 mil pessoas se declaram indígenas fora das áreas delimitadas. Já no Censo de 2022, esse número passou de 1 milhão.

Do total de indígenas identificados em 2022, 72,42% declararam cor ou raça indígena. Os outros 27,58% responderam sim à pergunta “você se considera indígena?”, uma vez que a questão remete mais à ascendência indígena, não sendo limitada a percepção da cor. Em 2010, quando a pergunta era feita de maneira mais restrita, essa segunda parcela havia sido de apenas 8,8%.

No censo mais recente, quando considerada a totalidade de indígenas vivendo no país, 622,1 mil (36,73%) residiam em terras indígenas. O restante, 1,1 milhão (63,27%), vive fora delas.

Três estados são residência de quase metade (46,46%) das pessoas indígenas vivendo em terras indígenas: Amazonas (149 mil), Roraima (71,4 mil) e Mato Grosso do Sul (68,5 mil).

Já a região Sudeste conta com a maior proporção de indígenas que vivem fora dos territórios delimitados (82,56% ou 101,9 mil), seguido do Nordeste (75,43% ou 398,9 mil) e do Norte (57,99% ou 436,9 mil).

Terra Indígena Yanomami tem maior população

De acordo com os dados do censo, a terra indígena com maior número de habitantes indígenas é a Yanomami, entre o Amazonas e Roraima, com uma população de 27.152, ou 4,36% do total que vivem áreas oficialmente delimitadas. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) aparece na sequência, com 26.176 indígenas. Já a Terra Indígena Évare I (AM), tem 20.177.

Na Terra Indígena Yanomami, que também é a maior do país em área, com 9,5 milhões de hectares, a operação censitária foi realizada pelos meios de transporte terrestre, fluvial e aéreo. Na última etapa, houve um acordo de cooperação técnica que envolveu o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério do Planejamento e Orçamento, o Ministério da Defesa e o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Segundo o IBGE, a população indígena contabilizada em terras delimitadas teve alta de 16% no Brasil desde 2010. O percentual foi observado em 501 terras indígenas classificadas pelo instituto como comparáveis, ou seja, que já haviam sido alvo de coletas de dados no Censo de 2010.

No censo anterior, a população observada nessas áreas era 511,6 mil. Em 2022, chegou a 593,6 mil, um crescimento de 81,9 mil.

Amazônia Legal concentra maioria da população

O censo também mostra que pouco mais da metade dos indígenas do país reside na Amazônia Legal, formada por todos os estados do Norte, Mato Grosso e uma parte do Maranhão. No total, 867,9 mil indígenas moram nessa região, ou 51,25% da população indígena do país. No entanto, na população total dessa região, os indígenas representam apenas 3,26%.

Segundo o IBGE, na Amazônia Legal foram contabilizados 403,3 mil indígenas vivendo em terras indígenas – ou 64,83% dos indígenas que vivem em terras delimitadas. Nesta região, a proporção de indígenas que vivem nesses territórios (46,47%) é superior à média do país (36,73%).

Mais de 600 mil domicílios no Brasil têm pelo menos um morador indígena

O censo também revelou que, dos 72,4 milhões de domicílios particulares permanentes ocupados do Brasil, 630.041 (ou 0,87%) têm pelo menos um morador que se declara indígena. Destes domicílios, 137.256 estão dentro de terras indígenas (21,79%) e 492.785 estão fora (78,21%).

Roraima tem o maior percentual de domicílios com pelo menos um morador indígena localizado dentro de terras indígenas (58,84%), seguida do Mato Grosso (57,91%), Maranhão (52,59%) e Tocantins (51,13%). Os estados com maior percentual de domicílios com pelo menos um morador indígena fora de terras indígenas são Goiás (99,20%), Rio de Janeiro (99,16%), e Piauí (99,08%).

Distribuição em municípios e estados

De acordo com o IBGE, indígenas estão presentes em 86,7% dos municípios brasileiros. Pelos dados, dos 5.568 municípios e do Distrito Federal e de Fernando de Noronha, 4.832 tinham, em 2022, pelo menos um residente indígena.

Os três municípios brasileiros com o maior número absoluto de indígenas ficam no Amazonas: Manaus (71.713 mil), São Gabriel da Cachoeira (48,3 mil) e Tabatinga (34,5 mil). São Gabriel da Cachoeira também aparece em destaque entre as cidades com maior percentual de indígenas na população total: 93,17%. A cidade fica atrás apenas de Uiramutã (RR), que tem 96,60%, e Santa Isabel do Rio Negro (AM), com 96,17%.

O IBGE também identificou 79 municípios com população indígena superior a 5.000 pessoas. No censo de 2010, 42 municípios haviam entrado nessa lista. Outros 199 municípios tem entre mil e cinco mil residentes indígenas.

Na distribuição por regiões, Norte e Nordeste abrigam 75,71% dos indígenas do país. Destes, 753.357(44,48%) vivem no Norte e 528,8 mil (31,22%), no Nordeste. Já o Centro-Oeste concentra 199.912 indígenas (11,80% do país); o Sudeste 123.369 (7,28%); e o Sul 88.097 (5,20%).

Os dois estados com maior número de indígenas, Amazonas (491 mil) e Bahia (229 mil), concentram 42,51% do total dessa população no Brasil. Em terceiro lugar aparece o Mato Grosso do Sul, com 116,3 mil pessoas, seguido por Pernambuco (106,6 mil) e Roraima (97,3 mil). As menores populações se encontram em Sergipe (4,7 mil), Distrito Federal (5,8 mil) e Piauí (7,2 mil).

Já Roraima é o estado com a maior proporção de povos indígenas no total de habitantes: 15,29%. O Amazonas aparece em seguida, com 12,45%. Em terceiro lugar, está o Mato Grosso do Sul, com 4,22%.


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