04/05/2024 - Edição 540

Especial

CABO DE GUERRA

Para aprovar pautas econômicas, Governo afaga bolsonarismo em PEC contra o STF

Publicado em 24/11/2023 1:59 - Semana On, Leonardo Sakamoto, Josias de Souza e Tales Faria (UOL), Caique Lima (DCM), Carta Capital – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Para aprovar as pautas econômicas, o Governo Federal afagou o bolsonarismo no Congresso Nacional em sua sanha vingativa contra o Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente Lula tem navegado em águas perigosas para avançar pautas de interesse do país. A aprovação da PEC que limita decisões monocráticas da corte é uma das correntes caudalosas que o Governo tenta contornar para não naufragar.

A grita dos ministros do Supremo e de uma parte do mundo jurídico contra a PEC não se deve ao texto em si, mas ao precedente que carrega. Ou seja, a cúpula do Poder Legislativo reduzir os poderes da cúpula do Poder Judiciário por retaliação.

Pois a aprovação da restrição das decisões individuais de ministros que tratam de ações relacionadas a outros poderes ocorre não em um contexto de um debate mais amplo de reforma, mas de forma oportunista.

O texto não é lá tão diferente do movimento que vinha sendo tomado pela própria corte sob a presidência de Rosa Weber para limitar decisões monocráticas – que, por exemplo, impediram que Lula assumisse como ministro-chefe da Casa Civil da Dilma, em 2016, o que poderia ter evitado o impeachment.

Além disso, o próprio STF, responsável por julgar a constitucionalidade de leis, vai abatê-la antes que levante voo.

Mas esse é um abate que o bolsonarismo aguarda com ansiedade. Contam com ele para reforçar sua velha narrativa distorcida de que o STF é um poder autoritário e atua à revelia dos demais – quando, na verdade, foi fundamental para evitar a consumação do golpe bolsonarista.

A medida aprovada no Senado, na prática, atua como uma trinca na relação entre os dois poderes. A partir do momento em que ela aparece, fica mais fácil rachar a relação, aprovando outras ideias que já circulam no Legislativo.

Uma das piores é a que garante ao Congresso derrubar decisões judiciais do STF, defendido com vigor pelo bolsonarismo. Esse modelo não é novidade e vem sendo empurrado por governos pouco afeitos à democracia, como o de Benjamin Netanyahu em sua reforma para emparedar a Suprema Corte local.

O primeiro-ministro de Israel teve interesse próprio e reduzir o poder do Judiciário por conta das acusações de corrupção contra ele e o risco de ir parar no xilindró. Tal qual seu antigo aliado por aqui, hoje ex-presidente, que está mais próximo da Papuda do que voltar ao Palácio do Planalto.

Não à toa, o bolsonarismo adoraria transformar o Brasil no caos da política israelense pré-guerra. Ou até na política israelense de guerra, haja visto que botar Gaza abaixo para caçar os terroristas do Hamas é muito semelhante à defesa que a extrema direita faz aqui de metralhar a favela para caçar narcotraficante.

A tendência é o presidente da Câmara Arthur Lira botar o projeto na mesma gaveta que já guardou, um dia, dezenas de pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro – que serviram para ajudar a manter o ex-presidente no cabresto político.

Pode ficar lá um tempo, lembrando ao Supremo de que a trinca pode ser criada e, a partir daí, só Deus sabe o que acontece. Um instrumento de dissuasão para que o STF não declare inconstitucionais todas as leis inconstitucionais aprovadas pelo parlamento. Como o marco temporal das terras indígenas, que favorecia o naco arcaico do agronegócio.

Os ministros da corte perceberam até onde isso pode dar e se manifestaram, mudando o tom anteriormente posto pelo presidente Luís Roberto Barroso de que nenhum debate era tabu. Tabu não é, mas fratricídio é o primeiro crime cometido pela humanidade sob o ponto de vista da civilização judaico-cristã. No meio do caminho, a base do governo Lula vota a favor e contra a proposta, acendendo uma vela para o céu e outra para o inferno em nome da governabilidade.

PEC anti-Supremo é golaço de Bolsonaro feito na trave de Lula

Antes de o governo Lula completar aniversário de um ano, Bolsonaro fez no Senado um golaço que tentou emplacar, sem sucesso, durante os quatro anos de sua Presidência. Numa troca de passes com o centrão, a oposição bolsonarista enfiou nas redes do adversário a aprovação de uma proposta de emenda constitucional que interfere no funcionamento do Supremo Tribunal Federal, limitando decisões individuais dos seus ministros.

A articulação política funciona mais ou menos como o futebol. Ninguém marca um gol como esse sozinho. Há toda uma estrutura por trás. O bolsonarismo em campo; Davi Alcolumbre fazendo jogo duplo na grande área da Comissão de Constituição; Rodrigo Pacheco (PSD-MG) lançando nas costas do governo na linha de fundo; o centrão pedindo preferência na distribuição de bolas…

Todo mundo preparando a jogada para que o gol acontecesse. De repente, numa evidência de que Lula controla nem a sua pequena área, Jaques Wagner, líder do governo no Senado, participa da tabelinha que permitiu a Bolsonaro soltar um grito de gol que estava entalado havia quatro anos. O gesto de Wagner foi autorizado pelo amigo-presidente, às voltas com a necessidade de construir pontes com a oposição. Na arquibancada, o capitão assiste ao gol que seu time marcou na trave de Lula.

O conteúdo da emenda constitucional anti-Supremo é anódino. Eliminados os excessos e os retrocessos, a sobra mais relevante foi o bloqueio a liminares individuais contra decisões do presidente da República e leis do Congresso. Se prevalecesse o texto, um ministro não poderia proibir sozinho Dilma de nomear Lula para a Casa Civil, como fez Gilmar Mendes. Ou impedir Bolsonaro de acomodar o amigo Ramagem na pasta da Justiça, como fez Alexandre de Moraes.

Seja como for, a PEC não deve prosperar. Para virar realidade, precisaria ser aprovada também na Câmara. A reação das togas, verbalizada por Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes, presidente e decano da Suprema Corte, deve estimular o chefe da Câmara, Arthur Lira, um cliente de caderneta das liminares protetivas do Supremo, a enfiar a proposta no gavetão de assuntos pendentes. Que pode ser aberto conforme a conveniência.

Se o jogo de Bolsonaro serviu para alguma coisa foi para mostrar que o bolsonarismo permanece vivo e buliçoso no pós-Bolsonaro. Ainda não consegue fechar o Supremo. Mas é capaz de produzir um salseiro no campo do adversário.

Ministros do STF temem medidas mais duras contra a Corte

Os ministros do Supremo temem que parlamentares adotem medidas mais duras contra a Corte após a aprovação da PEC. Membros da instituição acreditam que o Congresso Nacional pode tentar impor uma fixação de mandatos e até impeachment de magistrados.

Integrantes da Corte foram surpreendidos pela aprovação da PEC, já que consideravam que a Casa Legislativa é menos inclinada a pressões bolsonaristas do que a Câmara. “Os senadores não mexiam com o STF, mas agora decidiram intervir”, afirma membro do Supremo à coluna de Malu Gaspar no jornal O Globo.

“O que importa aqui é o simbolismo de uma aprovação de emenda para limitar poderes do STF para criar condições desfavoráveis ao tribunal no futuro”, avalia interlocutor de um dos magistrados.

Ministros da Corte se manifestaram publicamente sobre a PEC. O presidente do Supremo, Luis Roberto Barroso, afirmou que “não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”. Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que a medida é uma “estranha prioridade” do Senado.

“É preciso altivez para rechaçar esse tipo de ameaça de maneira muito clara. Esta Casa não é composta por covardes. Esta Casa não é composta por medrosos”, afirmou o decano.

Além da proposta que limita os poderes dos ministros, senadores vinham articulando uma segunda PEC que estabelece um mandato temporário para eles. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, chegou a frear as discussões sobre a medida, mas foi pressionado por parlamentares.

O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, ressaltou que o direito do Senado de legislar não deve se transformar em “intimidações”.

A decisão de Pacheco de fazer com que a última PEC que limita os poderes de magistrados avançasse ocorreu após pesquisas de opinião indicarem que o maior fator de rejeição a ele no eleitorado mineiro é sua postura em relação à Corte. Sua ofensiva contra o Supremo é um cálculo para a disputa pela presidência da Casa em 2025.

Os ministros estão avaliando considerar inconstitucional a PEC. “Caso alguém apresente um mandado de segurança contestando a PEC, a Corte deverá decidir rapidamente”, disse um integrante do STF ao jornalista Gerson Camarotti, do G1.

Para os integrantes da Corte, o Senado está fazendo um movimento político do grupo bolsonarista, justamente porque o STF barrou ações inconstitucionais do antigo governo durante a pandemia e por sua resistência contra os ataques à democracia e ao sistema eleitoral brasileiro.

“Não aceito a tentativa de politizar e criar problemas institucionais”, reagiu Pacheco. Ele assegurou que a aprovação da PEC não representa “qualquer forma de confronto, qualquer tipo de retaliação” ao Judiciário. Pacheco afirmou: “Não me permito participar de debates políticos, tampouco receber agressões como as que recebi do STF”, afirmou o presidente do Senado em resposta às críticas de Barroso e Gilmar mendes em relação ao projeto.

“Como presidente, defendi o STF, a Justiça Eleitoral, as urnas eletrônicas, os ministros do STF e a democracia do nosso país. Repudiamos a todo momento questionamentos antidemocráticos, inclusive aqueles que ocorreram em 8 de janeiro com os ataques que sofremos. Estivemos unidos nesse propósito, mas isso não significa que as instituições sejam imutáveis ou intocáveis”, afirmou Pacheco.

Lira deve postergar análise da PEC que restringe poderes do STF

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), deverá atrasar a análise da Proposta aprovada no Senado. Lira já compartilhou com colegas da Casa a preocupação de não haver tempo hábil para apreciar a PEC neste ano.

Entre a pauta da Câmara para este fim de ano estão os projetos da agenda econômica do governo Lula, como a reforma tributária e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

No mesmo sentido, Lira tem afirmado que não pretende aprovar a PEC a toque de caixa, como aconteceu no Senado. Ele tem dito que a proposta não é prioridade e terá um ritmo de tramitação normal.

A intenção é dar tempo para que se esfriem os ânimos entre o Legislativo e o Judiciário. Na prática, Lira não quer entrar em confronto com o Supremo, principalmente depois do arquivamento de investigações que ligavam o deputado à compra irregular de um kit de robótica em Alagoas.

Apesar disso, o presidente da Câmara tem sofrido pressão de todos os lados, principalmente pela Frente Parlamentar Agropecuária e pela bancada da bala, que pretendem levar o tema ao Plenário da Casa o mais rápido possível.

Para ser promulgada, porém, a proposta ainda tem de ser aprovada pela Câmara, em dois turnos, com no mínimo 308 votos.

Jogo combinado gerou desgaste para Jaques Wagner

O jogo combinado entre Lula e Jaques Wagner gerou um climão contra o líder do Governo no Congresso no Supremo Tribunal Federal. Tanto que ministros importantes da Corte sugeriram a seus interlocutores no Palácio do Planalto que o Wagner deixe o cargo. Não há a menor chance disso acontecer.

O líder até acenou para os auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que está disposto a sair, se isto ajudar o governo. Mas o presidente da República tem respondido que não abre mão da permanência do senador.

Os ministros do STF simplesmente não acreditam na versão de Jaques Wagner de que foi uma decisão pessoal votar a favor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita os poderes do STF.

Segundo o líder e ex-governador da Bahia, o Palácio do Planalto não sabia e não participou de sua decisão. Tá…

A PEC foi aprovada plenário do Senado por 52 votos a 18. Precisava de 49. O centrão e a oposição só haviam contado, no dia anterior, com 48 senadores dispostos a apoiar a medida.

Os três votos da Bahia na quarta-feira foram então decisivos, somados ao de Lucas Barreto (PSD-AP). O senador do Amapá informou ao líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que decidiu votar pela PEC para seguir Jaques Wagner.

Randolfe disse que não sabia da decisão de Wagner de votar contra o Supremo Tribunal Federal. Na verdade, ele diz ter reclamado com o colega pelo fato de ter votado sem antes lhe comunicar.

Os ministros do STF, no entanto, não entendem como um líder do governo poderia votar contra uma determinação do Palácio do Planalto. À coluna um dos ministros expressou o raciocínio da maioria dos seus colegas assim: “Se ele não segue o que manda o governo, então está obrigado a deixar o cargo de líder do governo.”

O recado foi passado a interlocutores do presidente Lula, que respondeu ser contrário ao afastamento de Jaques Wagner. Isso deixou os ministros ainda mais desconfiados de uma operação acertada entre o líder e o Palácio do Planalto para satisfazer o centrão e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Jaques tem argumentado com colegas que os próprios ministros do STF diziam considerar inócua a PEC, na medida em que o STF já havia imposto limites à decisões monocráticas e aos pedidos de vista nos julgamentos.

Se era inócua, argumentou, não havia problema em aprovar a PEC abrindo um canal de negociação com a oposição para aprovação dos projetos de caráter econômico em tramitação no Congresso. Esses projetos precisam ser aprovados até o final de dezembro no Senado e na Câmara para evitar um rombo no Orçamento de 2024.

Não convenceu o STF, cujos ministros abriram a sessão plenárias desta quinta-feira manifestando-se contra as pressões do Legislativo.

O resultado é que os ministros avisaram aos articuladores políticos do presidente que, a partir de agora, não aceitarão Jaques Wagner como interlocutor credenciado para discutir com a Corte medidas de interesse do governo que estejam sob julgamento.

O coordenador do grupo de advogados Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, disse a coluna que é um absurdo “tentar demover da liderança do governo, por conta deste episódio, um senador como Jaques Wagner, que já foi governador, é sério, íntegro e tem uma excelente relação com o Judiciário!”.


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