04/05/2024 - Edição 540

Especial

A VEZ DOS ARAPONGAS

PF desbarata esquema de espionagem ilegal promovida por Bolsonaro

Publicado em 20/10/2023 11:35 - Com informações de Folha de SP, G1, Leonardo Sakamoto (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

A Polícia Federal realiza operação nesta sexta-feira (20) para investigar o uso irregular de um sistema secreto de monitoramento de geolocalização de celulares pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência). O uso ilegal teria ocorrido durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).

São cumpridos 25 mandados de busca e apreensão e dois de prisão preventiva nos estados de São Paulo (2), Santa Catarina (3), Paraná (2) e Goiás (1), além do Distrito Federal (17). Dois servidores suspeitos de coerção foram presos. Foram detidos Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Yzycky.

Além de buscas e prisões, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou o afastamento de Paulo Maurício Fortunato Pinto, atual número 3 da Abin, e de outros quatro servidores.

Segundo apuração da Folha, a PF descobriu que o software teria sido utilizado contra jornalistas, políticos e adversários de Bolsonaro. A reportagem ainda não conseguiu contato com as defesas dos alvos da operação.

Já a Abin divulgou nota em que afirma que os servidores na mira da PF foram afastados de forma cautelar e que o sistema secreto de monitoramento deixou de ser usado em maio de 2021.

Segundo a PF, a suspeita é que servidores da agência teriam usado o software de geolocalização para invadir “reiteradas vezes” a rede de telefonia e acessar os dados de localização dos alvos.

Um processo administrativo disciplinar chegou a ser aberto internamente para apurar a conduta desses servidores. Segundo a PF, dois dos investigados e agora presos teriam “utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema como meio de coerção indireta para evitar a demissão”.

Afastado por Moraes, Fortunato Pinto atuou durante o governo Bolsonaro como diretor de Operações de Inteligência da agência —área responsável por adquirir e manusear o software de monitoramento dos celulares.

Ele foi nomeado como secretário de Planejamento e Gestão, o terceiro cargo mais alto na estrutura da Abin, pelo atual chefe da agência, Luiz Fernando Corrêa, quando ainda não era investigado pelas suspeitas do uso do software.

A Abin adquiriu um software de monitoramento de localização de celulares em 2018, no fim da gestão de Michel Temer, por R$ 5,7 milhões e sem licitação.

A ferramenta chama-se FirstMile e permite rastrear os dados de GPS de qualquer pessoa pelos dados transferidos de seu celular para torres de telecomunicação.

O software israelense é vendido no Brasil pela empresa Cognyte. Um dos representantes da empresa é Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro do governo Bolsonaro Santos Cruz. Ele foi alvo de buscas nesta sexta-feira e presta depoimento à Polícia Federal.

Esse sistema secreto foi usado por servidores da Abin nos três primeiros anos do governo Bolsonaro sem nenhum protocolo oficial ou autorização judicial para monitoramento dos alvos da agência, como revelou o jornal O Globo.

Segundo a investigação, os agentes de inteligência usaram a ferramenta para monitorar servidores públicos, políticos, jornalistas, advogados e juízes.

O software permite realizar consultas de até 10 mil celulares a cada 12 meses. Era possível, ainda, criar alertas em tempo real, para informar quando um dos alvos se movia para outros locais.

COMO É O PROGRAMA?

– A ferramenta FirstMile permitia monitorar os passos de até 10 mil pessoas a cada 12 meses. Para iniciar o rastreio, bastava digitar o número de celular da pessoa.

– O programa cria um histórico de deslocamentos e permite a criação de “alertas em tempo real” da movimentação de alvos em diferentes endereços.

– O software foi comprado por R$ 5,7 milhões da israelense Cognyte, com dispensa de licitação, no final do governo Michel Temer (MDB). A ferramenta foi usada pelo governo Bolsonaro até meados de 2021.

No início de seu terceiro mandato, Lula decidiu transferir a Abin para a Casa Civil. Até então ela ficava sob o guarda-chuva do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), antiga Casa Militar. Passou então para o ministério comandado por Rui Costa.

A ideia surgiu ainda durante a transição, quando integrantes da equipe de Lula se incomodavam com a composição ideologizada que a pasta passou a ter, sob a gestão de Bolsonaro. O general Augusto Heleno, aliado de primeira hora do ex-chefe do Executivo, estava à frente do ministério até o ano passado.

A desconfiança levou Lula, ainda no primeiro dia após a posse, a editar uma medida tirando a segurança presidencial do GSI. Apesar de ter começado na transição, o governo julgava que a discussão sobre a mudança na Abin ainda não estava madura para avançar.

De acordo com auxiliares palacianos, o debate ganhou força novamente após 8 de janeiro, quando apoiadores golpistas do ex-presidente tomaram e depredaram a sede dos três Poderes. O Palácio do Planalto foi invadido, obras de arte foram quebradas e rasgadas, e salas reviradas.

A atuação do GSI na ocasião foi alvo de críticas no mundo político e por adversários. Apesar de não responder pela segurança presidencial aproximada, o ministério se ocupa das dependências da Presidência.

Rastreamento ilegal de celulares incluiu uso eleitoral e ‘cerco ao STF’, dizem investigadores

O esquema de rastreamento ilegal de celulares pela Abin inclui um uso “sistemático” da ferramenta durante o período eleitoral e um “cerco ao STF”. As informações foram passadas à TV Globo por investigadores ligados ao caso.

Segundo um desses interlocutores, durante meses, a espionagem eletrônica rastreou “centenas de celulares” de quem frequentava o STF.

Além dos servidores do tribunal, foram monitorados advogados, policiais, jornalistas e os próprios ministros. A investigação identificou 33 mil acessos da localização telefônica dos mais diversos alvos.

Em nota após a operação, a Abin informou que instaurou um procedimento para apurar a questão, que todas as solicitações da PF e do STF foram atendidas integralmente, e que colaborou com as investigações desde o início.

Para não deixar vestígios, a “gangue Abin de rastreamento” – como vem sendo chamado o grupo pelos investigadores – apagou dos computadores a grande maioria dos acessos.

Até o momento, a Polícia Federal conseguiu levantar apenas cerca de 1,8 mil dos 33 mil acessos ilegais.

A lista inclui um homônimo do ministro do STF Alexandre de Moraes – o que, segundo os investigadores, reforça a desconfiança de que o ministro tenha sido alvo do esquema ilegal.

O sistema First Mile usado pela Abin permite saber apenas a localização dos celulares, e não o conteúdo no aparelho ou as mensagens enviadas. Os investigadores tentam descobrir, no entanto, se outros sistemas sofisticados podem ter sido usados em conjunto para acessar esses conteúdos.

Até o momento, não há indícios de que o grupo tenha, de fato, acessado trocas de mensagens ou qualquer material nos celulares monitorados. A desconfiança é grande, no entanto, em razão da articulação do esquema criminoso identificado até aqui.

PF apreende US$ 171 mil em dinheiro com diretor afastado da Abin

A Polícia Federal encontrou US$ 171 mil em espécie durante busca e apreensão na casa do secretário de planejamento de gestão da Abin, Paulo Maurício Fortunato. Ele é o atual 03 da agência. A PF vai investigar a origem do dinheiro, já que mantê-lo em caso em si não é crime.

Ele é um dos alvos da investigação sobre uso irregular de um sistema secreto de monitoramento de geolocalização de celulares durante o governo de Jair Bolsonaro.

Fortunato Pinto foi afastado das funções pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele atuou durante o governo de Bolsonaro como diretor de Operações de Inteligência da agência —área responsável por adquirir e manusear o software cujo uso é investigado.

O dirigente afastado foi nomeado como secretário de Planejamento e Gestão, o terceiro cargo mais alto na estrutura da Abin, pelo atual chefe da agência, Luiz Fernando Corrêa, quando ainda não era investigado.

De acordo com o currículo divulgado no site da Abin, Fortunado Pinto é formado em Ciências Econômicas e dentro da área de inteligência tem experiência em contrainteligência, contraterrorismo e análise do crime Organizado transnacional.

Além de ocupar o Departamento de Operações de Inteligência na gestão Bolsonaro, ele já foi diretor do Departamento de Contrainteligência e diretor interino do Departamento de Inteligência Estratégica.

Ele também foi representante da Abin no Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e cno Conad (Conselho Nacional Antidrogas) e adido de Inteligência na Embaixada do Brasil na Argentina no período de 2010 a 2011.

Ainda segundo os dados da agência, ele foi coordenar da Abin em eventos como Rio+20, Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas e Paralimpíadas Rio.

Com operação na Abin, Ramagem entra na mira das investigações sobre golpe

A partir da operação “Última Milha”, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), entra na mira das investigações do inquérito das milícias digitais onde se apura a existência de uma organização criminosa criada para tentar dar um golpe de Estado no Brasil e fazer com que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) permanecesse ilegalmente no poder.

A operação investiga o uso indevido de sistema de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial por servidores da Abin. Na época, Ramagem era o diretor da agência.

A jornalista Juliana Dal Piva (UOL) conversou com pessoas próximas à investigação que avaliaram que a operação é importante para concluir o mapeamento dos servidores públicos envolvidos nos ataques ao Estado. Ao mesmo tempo, a situação deve alimentar uma crise interna entre a PF, Abin e militares.

Paulo Maurício Fortunato Pinto, atual número 3 da Abin, foi afastado junto com outros quatro servidores por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que também determinou buscas, apreensões e prisões. A PF descobriu que o software teria sido utilizado contra jornalistas, políticos e adversários de Bolsonaro.

Delegado da PF, Ramagem atuou na coordenação de grandes eventos no Brasil: Conferência das Nações Unidas Rio+20 (2012); Copa das Confederações (2013); Copa do Mundo (2014); e Jogos Olímpicos do Rio (2016).

A aproximação com Bolsonaro ocorreu a partir do segundo turno da eleição de 2018, quando o delegado comandou a segurança pessoal do então presidente eleito. Até o período em que se tornou coordenador da segurança do presidente, Ramagem era visto como um delegado técnico.

Em 2017, ele atuou em investigações da operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Ramagem coordenou a operação Cadeia Velha que prendeu a cúpula do MDB na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Foram presos, na época, os ex-deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi.

Após o período na segurança de Bolsonaro, no fim de 2018, Ramagem foi nomeado Superintendente Regional da PF no Ceará, mas acabou chamado para o cargo de assessor especial da Secretaria de Governo da Presidência da República, na função de auxiliar direto do então ministro Carlos Alberto Santos Cruz.

Com a saída de Santos Cruz, Ramagem assumiu a Abin em julho de 2019. Nessa época, começaram os rumores sobre a existência de uma “Abin paralela” que produziria dossiês com informações sobre adversários do presidente. O governo sempre negou a informação. No entanto, outras polêmicas surgiram.

Em abril de 2020, Bolsonaro e o então ministro da Justiça Sergio Moro romperam depois que o presidente decidiu que queria Ramagem como diretor-geral da PF, o que Moro era contra. Para o ex-juiz, a opção era uma interferência política do presidente na PF. Há um inquérito no STF sobre o caso.

Já no segundo semestre de 2020, Ramagem esteve com o ministro Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), em uma reunião com as advogadas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). No encontro, foi discutida a suspeita levantada pelas advogadas de que dados do senador e da família foram acessados ilegalmente na Receita Federal para produzir relatórios no Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Paranoica e autoritária, gestão Bolsonaro era fissurada em espionar celular

Operação da Polícia Federal prendeu dois servidores e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, afastou o número 3 da Abin, Paulo Pinto, em uma investigação sobre o uso de um sistema secreto de monitoramento de celulares durante os três primeiros anos de Bolsonaro. Paranoica e autoritária, a gestão passada transformou a espionagem dos aparelhos de críticos e adversários em política de governo.

Jornalistas, políticos e funcionários públicos estariam entre os alvos que tiveram sua movimentação física rastreada através da ferramenta FirstMile sem que tal ação fosse autorizada previamente pela Justiça.

O programa foi comprado nos últimos dias da gestão Michel Temer da empresa israelense Cognyte por R$ 5,7 milhões e usado pelo governo de Jair.

A informação de que a Abin estava envolvida em monitoramento irregular daqueles considerados adversários do regime bolsonarista não choca. Pelo contrário, é a constatação de um receio escancarado desde a eleição de 2018.

Também não surpreendeu quando a Abin, então gerida por Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro e hoje deputado federal pelo PL, foi acusada de produzir relatórios para orientar a defesa de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) a pedir a anulação do caso Queiroz. Nele, o senador em desvios de cascalho público e lavagem de dinheiro.

Reportagem de Lucas Valença, no UOL, de maio de 2021, mostrou como o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), responsável pela estratégia digital do pai, havia tentado trazer ao Brasil a ferramenta de espionagem Pegasus, que invade celulares. A ideia era criar uma “Abin paralela”.

A licitação 03/2021, do Ministério da Justiça, no valor de R$ 25,4 milhões, tinha como objetivo contratar o programa, desenvolvimento por outra empresa israelense, a NSO Group. Isso aumentaria o poder de Anderson “Minuta do Golpe” Torres, então ministro da Justiça. Após a denúncia, a empresa dona do Pegasus desistiu do certame.

(Offtopic: Israel é o paraíso de desenvolvedores de softwares e sistemas de espionagem. Esse é um dos motivos que a população ficou enfurecida com o governo Benjamin Netanyahu, que não conseguiu prever os ataques terroristas do Hamas em seu território.)

O Pegasus já era usado para monitorar celulares de jornalistas, políticos e críticos ao governos ao redor do mundo, como revelou o New York Times – o que chamou a atenção da família Bolsonaro. E não foi o único software nessa área pela qual se interessaram, a exemplo de reportagens também do UOL que citam prospecções sobre o Sherlock e o DarkMatter.

Se não choca a revelação de espionagem, por outro ela serve para confirmar como funcionava o governo passado. E ajuda a explicar que as tentativas de golpe após a derrota nas urnas não é uma narrativa esquerdista, mas a consequência lógica do baixo valor dado por Bolsonaro e aliados aos princípios democráticos.

Entenda a operação em 4 pontos

1) De que forma o sistema era usado? Segundo apuração da Folha, a PF descobriu que o software teria sido utilizado contra jornalistas, políticos e adversários de Bolsonaro.

Segundo a PF, a suspeita é que servidores da agência teriam usado o software de geolocalização para invadir “reiteradas vezes” a rede de telefonia e acessar os dados de localização dos alvos.

Um processo administrativo disciplinar chegou a ser aberto internamente para apurar a conduta desses servidores. Segundo a PF, dois dos investigados e agora presos teriam “utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema como meio de coerção indireta para evitar a demissão”.

2) O que se sabe sobre esse software? A Abin adquiriu um software de monitoramento de localização de celulares em 2018, no fim da gestão de Michel Temer, por R$ 5,7 milhões e sem licitação.

A ferramenta chama-se FirstMile e permite rastrear os dados de GPS de qualquer pessoa pelos dados transferidos de seu celular para torres de telecomunicação.

O software permite realizar consultas de até 10 mil celulares a cada 12 meses. Era possível, ainda, criar alertas em tempo real, para informar quando um dos alvos se movia para outros locais.

COMO É O PROGRAMA?

– A ferramenta FirstMile permitia monitorar os passos de até 10 mil pessoas a cada 12 meses. Para iniciar o rastreio, bastava digitar o número de celular da pessoa.

– O programa cria um histórico de deslocamentos e permite a criação de “alertas em tempo real” da movimentação de alvos em diferentes endereços.

– O software foi comprado por R$ 5,7 milhões da israelense Cognyte, com dispensa de licitação, no final do governo Michel Temer (MDB). A ferramenta foi usada pelo governo Bolsonaro até meados de 2021.

3) Quem é o diretor da Abin afastado por Moraes? Fortunato Pinto atuou durante o governo de Bolsonaro como diretor de Operações de Inteligência da agência —área responsável por adquirir e manusear o software de monitoramento dos celulares.

Ele foi nomeado como secretário de Planejamento e Gestão, o terceiro cargo mais alto na estrutura da Abin, pelo atual chefe da agência, Luiz Fernando Corrêa, quando ainda não era investigado pelas suspeitas do uso do software.

4) Qual a relação do presidente Lula com a Abin? No início de seu terceiro mandato, Lula decidiu transferir a Abin para a Casa Civil. Até então ela ficava sob o guarda-chuva do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), antiga Casa Militar. Passou então para o ministério comandado por Rui Costa.

A ideia surgiu ainda durante a transição, quando integrantes da equipe de Lula se incomodavam com a composição ideologizada que a pasta passou a ter, sob a gestão de Bolsonaro. O general Augusto Heleno, aliado de primeira hora do ex-chefe do Executivo, estava à frente do ministério até o ano passado.

A desconfiança levou Lula, ainda no primeiro dia após a posse, a editar uma medida tirando a segurança presidencial do GSI. Apesar de ter começado na transição, o governo julgava que a discussão sobre a mudança na Abin ainda não estava madura para avançar.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *