04/05/2024 - Edição 540

Especial

A FARSA DA TAXAÇÃO DE SUPER-RICOS

Lei que passou na Câmara reduz em 46% imposto que eles deveriam pagar no resgate de investimentos em fundos exclusivos

Publicado em 27/10/2023 11:05 - DW, ICL, Ana Clara Praxedes (Terra), Clara Assunção (RBA), Glauco Faria (Outras Palavras) - Edição Semana On

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Por 323 votos a favor, 119 contra e uma abstenção, a Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (25) o projeto de lei 4.173/2023, para a chamada “taxação dos super-ricos”, que prevê a cobrança antecipada de Imposto de Renda do que é conhecido como fundos exclusivos (poucos cotistas). O PL também deve passar a taxar aplicações em offshores (empresas no exterior que abrigam investimentos).

Após a votação do texto principal, todos os destaques foram rejeitados. O PL segue para o Senado.

A votação do projeto estava travada no Congresso e foi adiada três vezes. A aprovação aconteceu depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciar troca no comando da Caixa Econômica Federal, também nesta quarta, como parte de uma reforma ministerial iniciada pelo governo em setembro para acomodar integrantes do chamado Centrão. Carlos Antônio Vieira Fernandes passou a assumir a presidência da Caixa no lugar de Rita Serrano, que deixou o cargo.

O que mudou no PL de taxação dos super-ricos?

No final de agosto, Lula assinou também a medida provisória 1.184/2023, referente à taxação dos super-ricos e que prevê aplicação de alíquotas de 15 a 20% sobre rendimentos de fundos exclusivos. O texto da MP sobre os fundos exclusivos acabou sendo incorporado ao projeto de lei.

O PL foi aprovado com diversas mudanças. O relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), concordou em elevar de 6 para 8% a alíquota para quem antecipar a atualização de valor dos rendimentos acumulados até agora, tanto nos fundos exclusivos como em offshores. A proposta original do governo era de uma alíquota de 10%.

Em relação às offshores, o relator fixou uma alíquota linear de 15% sobre os rendimentos, uma vez ao ano. Segundo a regra aprovada pelos parlamentares, não importa se os investimentos são resgatados e remetidos ao Brasil ou se ficam no exterior.

Originalmente, o governo havia proposto uma tributação de 0% a 22,5% sobre os ganhos a partir de 2024. O relator reduziu a alíquota para que ela fosse igual à cobrada para os fundos exclusivos, alegando que a diferença de alíquotas entre os fundos exclusivos de longo prazo (15%) e os 22,5% para as offshores geraria o efeito contrário do que o governo pretendia e provocaria fuga de capitais do Brasil, com super-ricos mudando de domicílio fiscal.

Os fundos exclusivos são aqueles em que há um único cotista. Eles exigem investimento mínimo de R$ 10 milhões, com custo de manutenção anual de até R$ 150 mil – justamente por isso são conhecidos como fundos dos super-ricos, de onde vem o nome do PL e da MP.

Investidores em fundos exclusivos acabam pagando menos imposto de renda. Segundo o PL aprovado pela Câmara, a alíquota de 15% sobre os rendimentos deverá ser paga nos meses de maio e novembro de cada ano. A cobrança semestral é conhecida como “come-cotas” e atualmente não é aplicada. O imposto é apenas recolhido no resgate das cotas ou quando o fundo é liquidado.

Como o PL afeta a arrecadação do governo?

As mudanças farão o governo arrecadar menos que o previsto. Pela proposta original, o governo tinha a pretensão de reforçar o caixa em R$ 20 bilhões em 2024 e em até R$ 54 bilhões até 2026. A equipe econômica ainda não divulgou uma estimativa de receitas com as novas votações.

O governo precisa reforçar o caixa em R$ 168 bilhões para cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024, conforme estipulado pelo novo arcabouço fiscal, aprovado no fim de agosto pelo Congresso. A tributação dos super-ricos representa uma das medidas mais importantes para obter receitas.

Impactos para fundos exclusivos

Segundo estimativas do governo federal, existem 2,5 mil brasileiros com recursos aplicados em fundos exclusivos, que acumulam mais de R$ 756 bilhões e respondem por 12,3% dos fundos no país.

Atualmente, os fundos exclusivos pagam IR, mas apenas no momento do resgate e com tabela regressiva (quanto mais tempo de aplicação, menor o imposto). Ou seja: até agora, para o dinheiro não sacado, não havia cobrança periódica.

Offshore e trusts

O PL também inclui a tributação dos chamados trusts (relação jurídica em que o dono do patrimônio passa os seus bens para um terceiro administrar) e rendimentos no exterior, mantidos por meio de offshore (empresas abertas em paraísos fiscais).

Atualmente, recursos investidos em offshores só pagam 15% de Imposto de Renda sobre ganho de capital se voltarem ao Brasil.

O governo estima em pouco mais de R$ 1 trilhão o valor aplicado por pessoas físicas no exterior.

O projeto prevê a possibilidade de o contribuinte atualizar o valor de seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023 e tributar o ganho de capital pela alíquota de 10%, em lugar dos 15% previstos na legislação vigente.

O governo também quer instituir a tributação de trusts. Hoje, o conceito de tributação deste modelo não é tratado na legislação brasileira. Essa medida reduz na prática o pagamento de tributos, além de favorecer a distribuição da herança em vida.

Fundos agrícolas e imobiliários

Pedro Paulo também fechou um acordo com a bancada ruralista sobre o aumento no número de cotistas nos Fiagros, fundos de investimento em cadeias agroindustriais. O número mínimo de cotistas para que os Fiagros e os fundos de investimentos imobiliários, regidos pela mesma legislação, obtenham isenção de Imposto de Renda, saltou de 50 para 100.

O governo tinha proposto mínimo de 500 cotistas e, na semana passada, fez uma contraproposta de 300 cotistas. O relator também criou uma trava para limitar as cotas entre parentes a 30% do patrimônio líquido do fundo, incluindo parentes de segundo grau.

Por que a taxação

Embora seja um tema há muito discutido no Brasil e sugerido em 2017 pelo governo de Michel Temer, a taxação dos fundos dos super-ricos entra em vigor agora para compensar o déficit causado com o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, também assinada por Lula no final de agosto. Agora, quem ganha até R$ 2.640, o equivalente a dois salários mínimos (R$ 1.320) em 2023, está isento de declarar o IR.

O dinheiro das taxações também é importante para cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024, conforme estipulado pelo novo arcabouço fiscal, aprovado na última semana pelo Congresso.

O que diz o governo

Quando Lula assinou a MP, depois incluída no PL, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu as medidas de taxação de fundos e investimentos no exterior. Segundo ele, não há nenhum sentimento de “revanche” contra os mais ricos, mas uma perspectiva de estabelecer justiça social e um sistema tributário mais equilibrado.

Haddad também afirmou que as iniciativas estão em linha com legislações de países capitalistas mais desenvolvidos da Europa, da América do Norte e também da América do Sul.

“Estamos olhando para os países da OCDE, estamos olhando para os nossos vizinhos mais desenvolvidos, mais bem arrumados, o caso do Chile, da Colômbia. Estamos olhando para os Estados Unidos, para a Europa. Estamos olhando para as boas práticas do mundo inteiro e procurando estabelecer, e nos aproximar, tentativamente, daquilo que faz sentido do ponto de vista da justiça social. Aqui não tem nenhum sentimento que não seja o de justiça social”, declarou.

Ricos gostaram

“Vai doer. Mas tu caiu na mentira. Tu caiu na farsa.” O fundador do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), o economista Eduardo Moreira, explicou como o projeto de lei que, em tese, taxa grandes fortunas no Brasil, na verdade beneficia os super-ricos. Antes, a lei previa que eles pagariam 15% de imposto caso resgatassem dinheiro investido em fundos exclusivos. Agora, a taxa passou para 8% (entenda mais abaixo).

“A gente tomou dois golpes: o do (Arthur) Lira [que colocou indicado do centrão na presidência da Caixa] e o da taxação. Não foi a taxação das grandes fortunas. Foi o maior presentes que os bilionários deste país já ganharam até hoje, nas últimas décadas todas”, afirma Moreira.

Segundo o que foi divulgado, a proposta antecipa a cobrança de Imposto de Renda de fundos exclusivos e passa a taxar aplicações em offshores, que são empresas no exterior que abrigam investimentos.

Fundos de Investimento

Para entender a farsa, antes é preciso entender que fundos de investimentos são formados por investidores (pessoas) que colocam dinheiro em único lugar, que é uma empresa. Os fundos de investimento têm CNPJ, ou seja, são empresas.

“Você cria uma empresa, que é um fundo de investimento, todo mundo põe dinheiro nesse negócio, e todo mundo investe. (…) E aí, esse fundo de investimento vai comprar ação, comprar título de renda fixa… Vai fazer vários investimentos. (…) E quanto você quer usar esse dinheiro, você resgata do fundo de investimento”, resume Moreira.

Impostos sobre lucros e fundo exclusivo

O próximo passo para entender porque o projeto na Câmara na verdade foi um golpe tem a ver com os impostos cobrados desses fundos. Considere um fundo que, num determinado período, renda 100%. Atualmente, qualquer pessoa vai pagar em cima desse lucro um imposto que varia entre 15% e 22%. É um imposto sobre ganho do fundo.

No Brasil, entretanto, se permitiu um instrumento chamado fundo exclusivo. Esse instrumento privilegia super-ricos e possibilita a esses investidores só pagar o imposto (15%) no dia em que for feito o resgate do dinheiro. Por outro lado, as pessoas que investiram em fundos “normais” pagam impostos a cada seis meses. É o chamado “come-cotas”.

A farsa: imposto para super ricos diminui

A lei anterior à aprovada na Câmara na quarta cobrava os 15% de imposto sobre o ganho. Um exemplo prático é o seguinte:

Os fundos exclusivos no Brasil, hoje, acumulam R$ 1 trilhão. Supondo que metade seja lucro, até à aprovação do projeto na Câmara, em cima desses R$ 500 bilhões (de lucro), os super-ricos pagariam 15% de imposto. Seriam R$ 75 bilhões.

No entanto, o projeto que passou na Câmara reduziu de 15% para 8% esse imposto. É praticamente um desconto de 50% em impostos para super-ricos com dinheiro em fundos exclusivos, e que pretendam resgatar os valores.

Voltando ao exemplo hipotético acima, em vez dos R$ 75 bilhões de imposto, agora, com a mudança na lei, os super-ricos, podem pagar R$ 40 bilhões. Significa menos R$ 35 bilhões de arrecadação do Estado e um verdadeiro presente para os bilionários. A lei nova deu um desconto de 46% do imposto que era devido pelos super-ricos.

Taxação das grandes fortunas ainda não aconteceu, diz deputado Glauber Braga

Celebrada pela esquerda, a aprovação pela Câmara do projeto não inspirou euforia no deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Ele foi um dos 323 votantes que garantiram a vitória do texto (119 foram contrários), mas, apesar disso, faz duras críticas ao seu conteúdo.

“Eu votei ‘sim’, mas acho que essa matéria não tem que ser tratada com ‘oba-oba’”, diz Glauber.

Ele explica: “Hoje, os fundos dos super-ricos só pagam imposto de renda na hora do saque, e de apenas 15%. Isso é muito injusto, já que todos os outros fundos pagam a cada semestre. O projeto aprovado corrigiu isso, igualou o tratamento”.

No entanto, o deputado aponta para um problema. “As fortunas acumuladas até hoje nos fundos, que deveriam ser taxadas em 15% no saque, vão ter um desconto por parte do governo. Vão pagar apenas 8%”, destaca ele.

O parlamentar explica que, com isso, toda a riqueza que nunca foi taxada (os grandes patrimônios) ganhou um benefício significativo.

“Ok, a mudança só vai valer daqui para a frente. É bom, mas aí a gente não pode deixar de perguntar: e os bilhões que eles pouparam no passado? A gente tem que lutar para realmente taxar as grandes fortunas, o que ainda não aconteceu”, critica.

Outro ponto criticado pelo deputado do PSOL é o fato de o governo estar estimulando as chamadas debêntures incentivadas. “Até o ano passado (esse incentivo) estava restrito praticamente ao setor de infraestrutura, que garante praticamente não-taxação, não-pagamento de imposto, em troca de investimento em determinados setores”, detalha.

“Só que esse ano houve uma ampliação para saúde, para educação, para sistema prisional. Então parte desse dinheiro que hoje está nesses fundos vai ser canalizado exatamente pra essa ampliação de participação do setor privado sem pagamentos de impostos, a partir das parcerias público-privadas, nesse tipo de debênture incentivada. E aí tem problemas evidentes”, reclama.

Para Glauber, a ampliação do capital privado no sistema prisional, na saúde e na educação pode ser avaliada à luz de várias demonstrações do que isso pode acarretar como prejuízo ao interesse público.

Em uma postagem no Twitter, o economista David Deccache, assessor econômico da Câmara, resumiu os efeitos do projeto que preocupam o deputado:

“O governo deu um belo desconto no estoque de fortuna e só depois fechou essa janela (ponto positivo). Porém, depois abriu outras também perigosas, que podem alavancar a mercantilização do Estado, endividar entes subnacionais e enriquecer bilionários que ajudem a privatizar serviços com belas isenções totais de Imposto de Renda (enquanto um professor paga 27,5%)”.

Quem e quantos são os ‘super-ricos’?

O relatório ‘Um retrato das desigualdades no Brasil hoje’ mostra que os super-ricos do Brasil compreendem apenas 0,01% da população, cerca de 20 mil pessoas. Mas mesmo com um número baixo, a classe acumula em média R$ 151 milhões em estoque de riqueza, o total do patrimônio, descontadas as dívidas. Apesar dos altos números, os mais ricos pagam metade do percentual imposto de renda de pessoa física se comparado a algumas faixas da classe média.

O coordenador-geral da Ação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD), Oded Grajew, destacou: “Países que têm alta desigualdade são países que têm muitos conflitos. Isso é muito maléfico para a sociedade. O Brasil é o oitavo país mais desigual do mundo. Somos campeões mundiais em desigualdade. Isso numa das maiores economias do mundo. Não é vergonhoso para todos nós?.”

O resultado aponta que os super-ricos do Brasil acumulam riqueza média com valores milionários:

– 1% mais rico – R$ 4,6 milhões em estoque médio de riqueza;

– 0,1% mais rico- R$ 26,2 milhões;

– 0,01% mais rico – R$ 151,5 milhões.

Os 10% mais ricos possuem um rendimento mensal domiciliar per capita 14,4 vezes mais do que os 40% mais pobres, em média.

O número baixo de ricos contrasta com os dados da base da tabela social. Cerca de 7,6 milhões de brasileiros se encontram em situação de extrema pobreza: vivem em domicílios cuja renda per capita é inferior a R$ 150 por mês. Isso equivale a 2,8% da população, segundo o IBGE, com dados de 2022.

Os 20 mil super-ricos do Brasil pagam metade do IR da classe média

Cerca de 20 mil pessoas que compõem a faixa dos 0,01% mais ricos do Brasil acumulam, em média, uma riqueza de R$ 151 milhões cada um, já descontadas as dívidas, mas pagam pouco menos da metade do percentual de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) custeado por algumas faixas da classe média. Os dados são da Ação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD) que lançou em agosto o Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades no Brasil.

O documento chama atenção, principalmente, para o sistema tributário desigual do país que permite que os mais ricos paguem menos impostos. É o caso, por exemplo, daqueles que têm renda média superior a 320 salários mínimos, o equivalente a R$ 422 mil mensais. O grupo paga uma alíquota efetiva de 5,43%. Enquanto os que ganham de 15 a 20 salários mínimos – entre R$ 19,8 mil e R$ 26,4 mil – custeiam com 11,25% do IR. A taxa é a mais alta, de acordo com a tabela do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. E vem seguida pela classe média que ganha de 20 a 30 salários mínimos e tem como alíquota 11,03%.

No entanto, são os mais pobres que pagam mais impostos, em função da tributação indireta, quando o imposto é embutido no valor final de um produto, que é repassado ao consumidor. De acordo com o estudo, os 10% que ganham menos pagam 26,4% da sua renda em tributos. Já os 10% mais ricos arcam com apenas 19,2%. Essa mesma parcela da população tem um rendimento 14,4 vezes maior do que os 40% mais pobres.

Há no Brasil ainda cerca de 1% da população que acumula um patrimônio de R$ 4,6 milhões. E outra fatia de 0,1% mais rica, com uma riqueza de R$ 26,2 milhões. Ao mesmo tempo, 7,6 milhões de brasileiros vivem em situação de extrema pobreza, com renda per capita inferior a R$ 150 por mês. Segundo dados do IBGE do ano passado, isso equivale a 2,8% da população brasileira.

O chororô dos super-ricos e seus sabujos

A discussão em torno das taxações sobre os fundos exclusivos e o dinheiro brasileiro em paraísos fiscais fora do país traz muito da história da formação do Brasil e também sobre como estamos fora de debates no resto do mundo, onde se discute como reduzir a desigualdade tendo como um dos instrumentos uma maior tributação dos mais ricos.

Parte da imprensa, à soldo do poder político e econômico, demonizou o tema. O resultado é o que se viu nesta semana.

É importante saber quem seria atingido pelas mudanças. No caso dos fundos exclusivos, pertencentes a um único titular, são 2,5 mil pessoas que acumulam R$ 756,8 bilhões nestas aplicações, aproximadamente 12,3% do total dos fundos no Brasil. Mas com regras diferenciadas em relação aos outros investidores de fundos: são tributados pelo Imposto de Renda somente na hora do resgate, enquanto os demais são cobrados duas vezes por ano, no sistema come-cotas. Trata-se simplesmente de estabelecer uma isonomia de tratamento entre os grandes e os pequenos.

No caso dos paraísos fiscais, offshores e trusts, mais uma vez apenas uma parcela pequena será afetada. Rendimentos menores do que R$ 6 mil por ano não serão tributados, ganhos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil terão alíquota de 15% e acima de R$ 50 mil serão taxados em 22,5%.

Este é um problema global. Os paraísos fiscais respondem por uma perda de arrecadação global de US$ 480 bilhões por ano, ou R$ 2,340 trilhões, segundo relatório da Tax Justice Network. No Brasil, são responsáveis pela evasão de US$ 8 bilhões por ano, em torno de R$ 40 bilhões. Como destaca a Agência Brasil, para efeito de comparação este foi o orçamento do ano inteiro aprovado para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Os defensores dos super-ricos

São iniciativas pontuais importantes do ponto de vista arrecadatório e que, na prática, mexem muito pouco na estrutura regressiva do sistema tributário brasileiro, que castiga os mais pobres e é generoso com os mais ricos. Mesmo assim, a reação foi grande.

Houve jornalista dizendo, sem qualquer dado, que a mudança diminuiria a base de arrecadação porque os donos do dinheiro retirariam seu dinheiro dos fundos, recursos estes que ajudariam no “desenvolvimento do país”. Alguns utilizaram como base para a afirmação um dado divulgado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), mostrando que entre janeiro e julho de 2023 teriam sido sacados R$ 71,4 bilhões em resgates líquidos dos fundos exclusivos. Um “analista” mais afoito afirmou que tal resultado era uma amostra da alegada inteligência dos endinheirados em fugir da tributação que eles já imaginavam que seria implementada.

O fato é que a Anbima corrigiu a informação (correção que, obviamente, recebeu menos destaque do que a desinformação inicial). Houve, na verdade, captação líquida positiva de R$ 13,7 bilhões entre janeiro e julho de 2023, ou seja, entrou mais dinheiro do que saiu. “Não se tratou de um erro metodológico, de captura ou de consolidação de dados. A falha ocorreu ao copiar números incorretos e encaminhá-los por engano”, disse a nota da associação.

Muitos dos defensores dos super-ricos têm interesses evidentes, com acessos e facilidades que reforçam sua “ideologia”. Mas muitos o fazem por eventuais mitos que são propagados como este de que o dinheiro depositado nos fundos fechados financiariam o desenvolvimento. Na prática, são recursos esterilizados, que pouco ou nada contribuem para a sociedade, como já ressaltou o economista e professor da PUC-SP Ladislau Dowbor, em especial no seu livro A Era do Capital Improdutivo, mas também neste artigo em que diz:

“Hoje, enriquecer os ricos não gera produção, empregos e receita para o Estado, e sim aplicações financeiras, endividamento da população, das empresas e do setor público. Quando as fortunas se tornam imensas, os gestores e proprietários recorrem à evasão fiscal e, inclusive, aos paraísos fiscais. Em geral, são suficientemente poderosos para fazê-­lo impunemente.”

Assim, cai outro argumento recorrente de que os bilionários ou grandes corporações “geram muitos empregos” e por isso mereceriam proteção. Certamente não é o dinheiro imobilizado no sistema financeiro que se transforma em trabalho. Em 2022, por exemplo, levantamento do Sebrae feito com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostra que, a cada dez postos de trabalho gerados no país, aproximadamente oito foram criados pelas micro e pequenas empresas. Transnacionais e mega-corporações, além de concentrar mercado e regular preços prejudicando consumidores, fagocitam os menores e destroem empregos.

Mudança cultural

Muitos fatores podem explicar que pessoas da classe média consigam se identificar mais com os super-ricos do que com pessoas que estariam mais próximas no estrato social. Desde uma ilusão de que poderiam viver uma espécie de “sonho americano” tropical, onde muito trabalho e dedicação trariam sucesso financeiro, como a própria estrutura histórica brasileira baseada em uma abolição ainda inconclusa que impede a mobilidade social. Além disso, a teologia da prosperidade pregada pelas igrejas neopentecostais, cada vez mais influentes e com maior alcance no país, servem para justificar a riqueza de quem está no topo. A meritocracia a serviço do status quo.

Nos Estados Unidos, a extrema-direita conseguiu se servir de um discurso que culpabilizava os mais vulneráveis pela decadência econômica da classe média, a exemplo do que fez e faz o bolsonarismo no Brasil. O triunfo de Donald Trump – aliás, um bilionário – em 2016, não teria sido possível sem vitórias em regiões fortemente afetadas pela desindustrialização. Os alvos eram os migrantes, a China e os recursos destinados à assistência social (com forte conotação racista), moldando uma política do ressentimento que fornece soluções simples para questões complexas.

Na ótica trumpista, nada de discutir aquilo que levou diversas cidades dos Estados Unidos à ruína: destruição do Estado, excessiva concentração econômica, terceirização, automação e reengenharias de empresas que precarizavam empregos. Assim preservam-se bilionários e os inimigos passam a ser aqueles que já sofrem com a dinâmica socioeconômica.

A grita contra o Bolsa-Família à época de sua criação e, de certa forma, até hoje, mostra que a direita e os extremistas brasileiros sabem também quais inimigos escolher para preservar os privilégios da casta de cima. Não à toa quase toda a elite econômico-financeira topou o projeto bolsonarista.

Reverter a desigualdade histórica que caracteriza o Brasil não é tarefa trivial, dados tantos interesses que estão arraigados fortemente por setores que detêm muito poder e contam com aliados em toda parte, além de um caldo cultural orientado pelo elitismo que os favorece. Por isso, a estratégia política da esquerda precisa contemplar a denúncia a respeito do papel predatório dos super-ricos, bilionários e das grandes corporações, incluindo explicações didáticas e acessíveis. Como já se faz em outros países, inclusive nos próprios Estados Unidos, onde o senador Bernie Sanders tem sido personagem central na luta dos trabalhadores da Amazon ao destacar o contraste entre os privilégios e lucros do fundador da corporação, Jeff Bezos, e as condições de seus funcionários. Apontar a exploração do trabalho é tarefa permanente.


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