17/05/2024 - Edição 540

Re-existir na diferença

Um Domingo em 2022

A Vida Venceu a Morte, a Esperança se Encontra com a Multidão

Publicado em 06/11/2022 9:36 - Túlio Batista Franco

Divulgação Ricardo Stuckert

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O Brasil parou no domingo dia 30 de outubro de 2022, melhor, as mais de 200 milhões de pessoas que habitam este país pararam a respiração, algumas com o coração acelerado, a face retorcida no medo, outras com singela alegria que se expressava nos lábios entreabertos, havia aquelas que caminhavam lentamente como se flutuasse a 20 centímetros do chão, mas todas estremeciam a alma. Movidas pelo suspense, nervos à flor da pele, era chegado o dia esperado. Afinal, se faziam a pergunta ontológica, a mesma que o pintor impressionista Gauguin se fez na sua obra filosófica, pintada no Taiti em 1897-98: de onde viemos? O que somos? Pra onde vamos? Sim, a eleição revelou algo da nossa origem, a essência humana, seus piores instintos, os melhores sentimentos, a pureza da raça se manifestou em estado bruto, seja pela bondade ou maldade. Estava a olhos vistos, vibráteis.

Se ouvia o ranger de portas, o silêncio da respiração, o som estridente das paixões, nas casas, no casebre, nos campos e florestas, nas periferias, nos restaurantes, no bar da esquina. Nos cemitérios. Todas as pessoas aguardavam o veredicto final, que vinha a conta gotas na voz metálica da televisão: tantos por cento contra outros tantos por cento. Sussurros. Até o vento que costuma vir bravo no final dos dias, por essas bandas onde moro, ao pé da Pedra de Inoã, está breve e suave, toca levemente a face das plantas, movendo-as para um lado e outro.

Do outro lado da rua, um lugar onde a vista já não alcança, me chega o som estridente da matilha, que ladra. Raivosos, ameaçam a rosa-do-deserto que floresce no meu jardim, o canário que mora no quintal, o raio de sol que teima em nascer todos os dias, e a primavera que despontou faceira. O cão maior, com sua voz grave, fala em acabar com toda alegria, decretar o fim do dia, e colocar o mundo sob trevas. Acabar com o sorriso do neto, a beleza da filha, a fraternidade e amizade. Calar o tambor, ensurdecer o atabaque, enterrar vivos os santos e deuses.

Mas a vida trouxe de todos os lugares uma multidão, que se fazia acompanhar de músicas, coreografias, danças e alegria. Eram mães e pais, crianças, gentes de muitas gerações, de todos os lugares, jeitos, cheiros e cores. Fizeram seus encontros, feiras, sambas de roda, conversas e rezas. É um movimento tão intenso que não se descreve, só é possível sentir, perceber vibrar no corpo. Energia que se espalha por esse mundão, e onde de cada campina e grotão surgem novas multidões. Um levante insurge da planície e no planalto. Chegou o dia de gritar que a alegria vence o medo, a saúde vence a dor, meu dia vai continuar vendo a criança correr no campo, a planta florescer, o fruto crescer e a andorinha viajar no céu que me serve de teto.

Este domingo não era para ser como outro qualquer, ele marcou em definitivo todas as vidas que habitam esse chão imenso que chamamos de nosso lugar no mundo. Após mais de duas horas de suspense para saber afinal, para onde vamos, o grito irrompe agudo de todos os cantos, corta o espaço, e anuncia que a vida venceu a morte, a multidão se encontrou novamente com a esperança. O país se transforma em festa. Lula venceu as eleições presidenciais no Brasil em 2022.

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Emerson Merhy, Túlio Franco, Ricardo Moebus e Cléo Lima


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Uma resposta para “Um Domingo em 2022”

  1. Nádia disse:

    O amor venceu o ódio! Temos de permanecer vigilantes para que as trevas não retorne, assombrando nossa esperança!!

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